11x21 Raimundo

Imagem: Benimoto

"mundo mundo, vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução"

Ele esteve em minha cabeça, numa película dentro das minhas pálpebras, no aperto das calças nas pernas, nas cócegas na boca. Ele esteve no comando dos meus pés, no buraco do colchão, na refeição preparada para dois. Na minha boca seca, na minha sede. Esteve dentro e fora. de mim, me deixou enciumada.
Esteve por aí no movimento dos ônibus e no ranger dos ossos e nos passos. No gosto doce do açúcar e no derreter amargo das pílulas. Ouvi a voz dele no revoar d pássaros e no virar de páginas.
Deitei no chão da sala pra espantar o calor, dormi. Sonhei com cebolas. Era o jeito do meu subconsciente dizer que eu esqueci do óbvio, que eu esqueci da simplicidade das coisas, habituada às complicações como estava. O óbvio: o nome dele estava a 6 palavras de distância.
Mas de que adiantaria? Seria um palíndromo, não seria uma solução.

11x20 Sweet Dispositions (Sonho em voz alta)

Imagem: [auro]

Não era minha imaginação.
Era você, em toda a sua altivez, da raiz dos cabelos à ponta daqueles tênis. 34 minutos adiantado, como quem tem algo a mais pra fazer antes de voltar à rotina. O que quer que fosse, agradeço.
Eu pensei tanto em você, tanto. Em todas as piores possibilidades que estariam motivando seu sumiço. Mudara-se? Arranjara outro emprego? Mudara de turno? Adoecera? Morrera?
Me demorava mais na rua, fria e desleixada, implorando que a lei de Murphy me recompensasse com uma visão sua. Pegava as maiores filas do mercado, cedia a vez, na esperança de que você viesse fazer compras. Cada cabelo loiro vislumbrado era seu, cada menina era sua irmã, a cada uma delas eu observei, com inveja, achando que detinha a informação que quero.
Limpei a casa, como se você fosse aparecer, fiquei em casa te esperando m convidar pra assistir Super 8. A solidão está me enlouquecendo, eu sei.
Decidi falar com você. Mas isso foi ontem. Ver você, com essa carinha arrogante, mudou tudo - Como você faz isso? Como é que eu poderia cruzar essa linha que te torna real? Se eu fizesse isso, teria que tomar decisões, analisar meus sentimentos, me importar com os seus... Teria que suportar seus sentimentos por outra - é, acredite, eu sei (no fundo) que você tem vida também -, todas as bocas que você beijou na vida e as garotas a quem você amou.
Ficar longe de você seria insuportável fisicamente também, e eu não gosto de sentir dor (há controvérsias). E, por falar em fisicamente, eu me analisaria. Eu acharia estranho o fato de você (nem ninguém) não fazer meu coração bater mais forte, ou dixa minhas pernas bambas. As pernas ficam fortes querendo correr e o coração eu nem sinto. Quando você está por perto, sou só olhos e pernas.
Mas, vai ver não é amor. Vai ver é falta do que fazer, do que amar. (e quem disse que falta não é uma forma de amor?)
Ah, deixe estar.
Só tenho medo é de que você suma antes que esse "efeito" passe. Aí vou ter que te amar pra sempre.

Early Cuts: Sucker Punch

Imagem: Sparkles Tuey ♥

"A aranha injeta seu veneno na presa, depois secreta as enzimas para digerí-la e, em seguida, utiliza sua faringe para sugar o produto líquido da digestão."

Tenho me escondido por aí, no colégio, em casa, em ruelas escuras, quartos sujos e boates underground. A verdade é que não estou derretendo: estou sendo digerida.

(Excerto: Uns textos atrás eu quis tanto beijar Gideon. Ele não me beijaria - eu sou só a sobremesa.)

11x19 Underworld

Imagem: jah~

Você vê os vultos, essa é sua casa agora, construa-se aqui.
Entre, suba as escadas, deite-se na cama (era uma orfã com uma muda de roupas e uma boneca). "Eu não sou orfã", mas já não era mais eu. Talvez a resposta estivesse nas luzes, nas garotas (Ulrika era uma delas? Ulrika era?), na minha boca escura, nas suas mãos verdes.
"Nas pedras não, minhas costas doem e eu me sinto suja", pensei. Mas não haviam pedras, era eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu no meio de pessoas que não eram eu, que não sabiam que eram eu.
Fiquei incerta sobre o ser e não conseguia encontrar o quem eu era.
Ele.
Fechei os olhos e caminhei sobre os trilhos e ele me beijou repetidas vezes, sem saber que me beijava, sem saber que beijava a si mesmo, com gosto de bebida e suor.
Corri pra ele, na esperança de que me curasse: queria parar de fluir, de escorrer. Solidez.
Fui toda suas pernas, acorrentada à sua pélvis, fui tão você que, quando você olhou pra mim, era pra mim que eu olhava.Mas não era você quem eu queria, porque eu já te tinha inteiro. Você não entendeu, talvez pensasse que você estava me derretendo - não podia saber que eu me derretia assim, sem razão.
Tive que deixar você ir porque não se pode explicar essa doença: as palavras limitam a beleza e a dor de escorrer.
Não demorou muito, me ofereceu o mesmo.
- De novo? - perguntei.
Você entendeu, enfim. Deu-me um sorriso, um passo,
um beijo.

(A música nos átomos resulta do amor e da fé. É que, às vezes, só estamos, sem ser - disformes - porque somos demais sendo nada: surdos.)

11x18 Bed boy

Imagem:  Mataparda 

Cheguei em casa com fome, sangrando feito um antigo romano, tonta de dor, e abri a porta.
Joguei minha parafernália no chão, arranquei os tênis, as meias, as calças, blusas. Fui soltando o cabelo, devagar pra não doer.
Tomei 1 pílula e meia - pra dor não, não mais - com suco de caju, fui pro banho. (Banho, em dias ruins: ficar com a testa encostada na parede, contando os segundos até sentir que estou cozida por dentro)
Saí do banho, vacilei ao pisar no tapete. Rimos - o cacto, o sol e eu: já oscilava.
No quarto, coloquei um moletom, apesar dos trinta e poucos graus.
Recolhi minhas roupas do chão imundo, ia jogá-las no cesto quando o vi.
Enrolado nas minhas cobertas, saído dos meus devaneios mais recentes, parecia tõ parte dali. Ao mesmo tempo, parecia saído da Ilíada, Pátroclo despido.
Tão magro e frágil quando não se pode ver seus olhos sérios e duros.
Ele se move, desajeitado, mastiga saliva e grunhe, meu cavaleiro de armadura roubada.
Pretendia ficar observando-o, quieta, mas me lembrei de amores unilaterais, de Álvares de Azevedo e corri a me deitar na ponta da cama.
Acordei às 20:00, ainda na ponta da cama, como se algo tivesse me impedido de ir para o canto.
Pura e simples presença.

11x17 Salvation

Imagem: golfeninherdecke

Deus frequenta igrejas vazias. Eu fui buscá-lo, fui implorar-lhe algo: ele saiu quando entrei, estava atrasado demais, ocupado demais. Precisava organizar a vida, a morte, os nascimentos e os destinos, Deus.
Pedro negou três vezes:
- Ele vai voltar? Não.
- Pode levar meu pedido a ele? Não.
- Pode me ajudar? Não.
Ah, pedro, seu único sim foi a chuva torrencial daquela tarde, adiando os desígnios da vida, me aconselhando a ser paciente. Mas a voz da água ainda me era desconhecida, eu fui jovem e tola naqueles dias.
Pra quem mais poderia apelar senão pra elas?
- Mãe, me ajude. Preciso de fios maiores.
- Que importa o tamanho dos fios se são tão frágeis? - respondeu Nona, me olhando oca.
- Irmã, me ajude. Preciso de uma tapeçaria longa e firme.
- Que importa a firmeza se a tesoura é tão afiada? - perguntou Décima, sem me olhar.
Morta estava cortando fios a um canto do quarto, cantarolava
"Foi meu amor/ Que me disse assim/ Que a flor do campo é o alecrim"
- Morta, não corte o fio.
"Alecrim, alecrim dourado/Que nasceu no campo sem ser semeado"
- Por favor, Morta.
Ela olhou pra mim com seu único olho azul-amarelo-prto e eu vi, lá dentro dela, toda a hipocrisia do meu pedido.
"Era uma vez um menino espanhol de nome Juan/ Depois do pôr do sol desposou Nhanhã"
- Eu não vou cortar.
Não agradeci, estava enjoada demais com o balançar do navio espanhol nos olhos dela. Fui em direção à saída, já podia ver a luz lá fora quando sua voz esganiçada gritou:
- Não vou cortar. Você vai.

Eu achei que, se cortasse, minha alma estaria salva. Já me habituei à ideia de inferno.