Imagem: golfeninherdecke
Deus frequenta igrejas vazias. Eu fui buscá-lo, fui implorar-lhe algo: ele saiu quando entrei, estava atrasado demais, ocupado demais. Precisava organizar a vida, a morte, os nascimentos e os destinos, Deus.
Pedro negou três vezes:
- Ele vai voltar? Não.
- Pode levar meu pedido a ele? Não.
- Pode me ajudar? Não.
Ah, pedro, seu único sim foi a chuva torrencial daquela tarde, adiando os desígnios da vida, me aconselhando a ser paciente. Mas a voz da água ainda me era desconhecida, eu fui jovem e tola naqueles dias.
Pra quem mais poderia apelar senão pra elas?
- Mãe, me ajude. Preciso de fios maiores.
- Que importa o tamanho dos fios se são tão frágeis? - respondeu Nona, me olhando oca.
- Irmã, me ajude. Preciso de uma tapeçaria longa e firme.
- Que importa a firmeza se a tesoura é tão afiada? - perguntou Décima, sem me olhar.
Morta estava cortando fios a um canto do quarto, cantarolava
"Foi meu amor/ Que me disse assim/ Que a flor do campo é o alecrim"
- Morta, não corte o fio.
"Alecrim, alecrim dourado/Que nasceu no campo sem ser semeado"
- Por favor, Morta.
Ela olhou pra mim com seu único olho azul-amarelo-prto e eu vi, lá dentro dela, toda a hipocrisia do meu pedido.
"Era uma vez um menino espanhol de nome Juan/ Depois do pôr do sol desposou Nhanhã"
- Eu não vou cortar.
Não agradeci, estava enjoada demais com o balançar do navio espanhol nos olhos dela. Fui em direção à saída, já podia ver a luz lá fora quando sua voz esganiçada gritou:
- Não vou cortar. Você vai.
Eu achei que, se cortasse, minha alma estaria salva. Já me habituei à ideia de inferno.
11x17 Salvation
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