Imagem: TingTing Huang
Liguei pra ela
alô, como vai, obrigada, você sumiu, venha me ver qualquer dia...
E eu soube que nossa amizade nunca mais seria a mesma, sabia que a pessoa do outro lado também sabia disso.
Eu sabia disso antes dessa ligação. Muito antes, na verdade.
Mas liguei, ainda assim, e não pude dizer - não pude dizer a verdade, de novo.
Então escrevo, pra me redimir, Inga, que a pessoa que você é não existe. Você morreu, quase 3 anos atrás, suicidou-se. Minha amiga, a quem amava, morreu afogada em pílulas.O que fica é um eco sem vida de todo aquele drama, toda aquela paixão.
E eu sabia disso, repito, antes dessa ligação.
Mas liguei.
Hoje, mais cedo, estava sentada na igreja e uma menina veio correndo do fundo do salão e parou na minha frente, me encarando. Ela me olhava nos olhos, a testinha franzida, como se estivesse tentando se lembrar de algo. Eu sorri pra ela, que saiu correndo. Mas o olhar não saia da minha cabeça, aqueles olhinhos escuros, o rosto branquinho e os cachos loiros - tudo me era familiar, tudo me remetia a uma certa fotografia de uma dama de honra colada na contracapa de um diário adolescente.
Não ofereci resistência ao pensamento de que aquela garotinha era você a me chamar de volta.
Então liguei.
Um erro de interpretação. Aquele era o seu fantasma, Ingrid. Ou talvez eu tenha voltado no tempo de novo.
Se for isso, não se zangue: dessa vez, não vou mudar nada.
(Sorrio. A criança corre. Como deve ser)
16x14 Ingrid
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