Caro Pégaso – é, eu nunca te dei um nome de verdade, nome de
gente. Agora é desnecessário -,
Abro a playlist no aleatório pra te escrever uma carta, uma
última, uma penúltima, uma carta só, de número 5, 6 ou 7, sei lá, e os acordes
de “Mercadorama” me dão um tapa na cara, forte, um aperto grande no estômago,
náusea. Prendo a respiração, procuro os botões pra mudar de música, mas essa
coisa não passa, ainda me dói respirar.
Bom, direto ao ponto. Escrevo porque senti vontade. E
vontade, do tipo puro e simples, é uma coisa rara, nos últimos dias.
Você talvez nunca leia isso, muito embora tenha mais chance
de ler essa carta do que Otto tem de ler as que escrevo pra ele. Talvez um dia,
daqui a alguns meses, você se veja parado na frente de uma tela como essa e se
pergunte “Ei, o que será que ela anda fazendo?”. Aí você vai vir aqui e muito tempo já vai ter
passado, essa postagem vai estar lá em setembro, há um século de distância.
Mas, quem sabe, talvez você sinta vontade de se ver pelos meus olhos antigos.
E, então, vai saber:
Eu ainda
não segui em frente.
Tô perdida, sozinha, carente, confusa. Não segui em frente.
Ontem, estava sentada com uns amigos - Holden, meu amigo, é.
O mundo dá essas voltas -, você passou, e eu senti o mesmo misto de medo,
ansiedade e desespero de sempre. A garota, que você deve saber quem é, disse
depois que “nem me lembrava mais que vocês dois já estiveram juntos”.
Eu me lembro. Não disse isso a ela, dei risada, dei de
ombros. Mas eu me lembro.
Eu tenho uma lembrança pra cada uma das suas camisetas. Pra
cada uma das minhas roupas, cada um dos meus brincos.
Eu não segui em frente.
Mas tô tentando. Não tô mais ouvindo o “How big”, da
Florence, que acredito ser o nosso “break-up album” . Evito Babel e o último álbum da Russian Red
(Ou evitava, até hoje). A banda mais bonita da cidade, nem pensar.
Por um tempo, tentei ser como era antes, como se a vida sem
você fosse simplesmente a mesma que era antes, como se houvesse um ponto de
restauração no sistema. Li. Li durante dias, horas, sem ver o tempo passando,
até a vista escurecer toda, até algumas horas antes das aulas.
Li. Saí por aí procurando Otto. Que loucura. Como se ele
fosse a grande resposta, como se voltar a amá-lo fosse apagar você. Deus, eu
espero que ele esteja bem longe. Feliz.
Enquanto procurava Otto, percebi que eu nunca mais poderia
ser quem costumava ser. Percebi que só queria ser aquela pessoa porque você se
apaixonou por ela. Porque eu queria que você se apaixonasse por mim outra vez.
Mas não dava. Continuei a ler, comecei a beber, passava a
maior parte do tempo pensando em sair pra beber. A semana se tornou apenas um
intervalo entre a ressaca e o próximo porre. Bebi, bebi, fiz coisas muito
tolas. Mas não chorei. Não saí por aí chorando e gritando seu nome.
Dirigi bêbada, coisa que havia prometido pra mim mesma nunca
mais fazer. Voltei pra casa bêbada, gritando músicas da Florence pra mim mesma,
lutando contra a vontade que me rasgava em pedaços, de ir tocar seu interfone,
te pedir pra descer, te pedir pra gostar de mim de novo, te pedir pra pelo
menos me deixar dormir no seu quarto.
Senti dor. E agora vejo que você também deve ter sentido,
talvez ainda sinta. Às vezes, eu só queria te perguntar se isso passa, se é
sempre assim.
Sinto sua falta. Sinto falta da sua companhia, sinto falta
de te perguntar as coisas, de te contar o que acontece. Sinto falta de te
contar sobre um livro muito bom, sobre a cor do céu de madrugada, um evento no
CCBB, uma fofoca da vida de alguém, uma coisa que aconteceu em casa, hoje um
filme no cinema (vão passar uns filmes do tipo 500 dias com ela por esses dias,
sabe?) . Sinto
falta de olhar pra você sem ter que desviar os olhos.
Mas calma, já passei da fase de achar que vamos voltar. Já
passei da fase de te querer de volta, de querer te beijar, dormir com você,
sentir seu cheiro. Já até esqueci como é seu beijo, tanto que às vezes tenho
que me esforçar pra lembrar da consistência da sua boca. Já superei a vontade
de ir até sua casa, embora ainda imagine – todas as segundas e quartas, quando
passo pela sua rua – qual seria sua reação. Você provavelmente também já passou
dessa fase de achar que vamos voltar, eu acho. É triste, mas me deixa aliviada.
Já passei dessa fase, mas não segui em frente.
Ainda te encontro em cada canto do meu quarto, dos meus
cadernos, da minha playlist e paro um segundo, pra ficar triste porque eu te
amei tanto, nos amamos tanto e agora somos estranhos. É triste, é como se você
tivesse morrido e eu não pudesse passar pelas fases do luto porque ninguém quer
falar sobre você. Cada vez que menciono seu nome, as pessoas se entreolham e
mudam de assunto, e eu me obrigo a guardar você de volta. Aos poucos, elas vão
se esquecer de que a gente existiu e eu não sei se é o que eu quero. Porque
aconteceu.
Isso me deixa muito confusa. Eu deveria apagar mesmo você, cada traço, cada
memória, e começar com um espaço em branco na vida? Porque, às vezes, eu quero
fazer isso. Às vezes, acho que é o único jeito de fazer com que isso passe. Mas
aí vem alguém mais sensato que eu e me diz pra dar tempo ao tempo, que eu vou
guardar isso, que você e eu nos tornaremos uma história que eu vou querer
contar.
Mas será
que vou?
Eu conheci
um cara. Já faz um tempo, eu o conheci um dia depois do nosso último encontro,
o encontro fatídico.
Ele me
encontrou no meio de um monte de gente e eu mal olhei pra ele, eu estava tão
cheia de dor, eu me sentia tão horrível, tão monstruosa, suja, vil. Tão só.
Levou um tempo, muito tempo e álcool – uns poucos caras também, confesso -, pra
deixar de me sentir assim.
Ele foi
paciente, está sendo paciente. Eu digo a ele que não quero gostar de ninguém,
nunca mais, não quero me envolver com ninguém, não quero nada, não quero ser
nada e ele dá de ombros, diz que espera.
E eu gosto
disso. Da ideia de que essa dor é só uma dor, que passa e daqui a pouco quero
estar junto de novo. Da ideia de que a gente não deu certo, mas a culpa não é
toda minha, eu posso dar certo com alguém um dia, quando estiver pronta.
Mas não
estou pronta agora.
Antes da
gente, antes mesmo que eu te conhecesse, eu estava me preparando pra você sem saber, me preparando pra estar
com alguém, pra ser parte de um nós, pra pai, mãe, festas de família, andar de
mãos dadas, sair pra jantar, apresentar pros amigos. Eu estava me preparando
pra dormir junto, pra deixar de enxergar o meu corpo como sagrado e apreciar o
que ele pode fazer, o que mais ele pode significar. Eu estava me preparando pra
penumbra, pra me magoar, pra falar e pra guardar os seus segredos.
E agora, eu
não quero dar as mãos. Eu não quero ninguém passando o braço pelos meus ombros
ou me acompanhando até o carro. Depois de ficar com um cara eu só quero ir pra
casa ficar só. Não sinto vontade de mandar mensagens dizendo o quanto o dia ou
a noite foi especial pra mim. Não sinto vontade de dividir meus segredos ou
contar sobre o meu dia. Ou dizer o que penso. Ou dizer coisas que só fazem
sentido pra mim.
Eu me sinto
perdida. Tão perdida. Não acho que seja só porque você não está aqui, acho que
acabaria por acontecer um dia desses. Eu me sinto perdida e preciso me
encontrar. Não quero ninguém aqui enquanto faço isso.
Eu não
rezo. Eu não vou à igreja, não leio a bíblia. Não falo sobre Deus. Até nisso
acabei me perdendo.
Eu não
estou pronta.
Esse cara,
eu acho que posso gostar dele. Pode ser bom. Ele é uma boa pessoa. Acha que sou
normal. Gosta do meu jeito estranho de pensar, do meu cabelo, do meu corpo. Diz
que quer me ver, sinto borboletas no estômago. Descubro que quero vê-lo também.
Acho que isso é bom.
Mas ainda
não superei.
Ainda fecho
meus olhos ouvindo Pompeii e consigo sentir meu coração bater daquele mesmo
jeito que batia na Disney quando eu me sentava pra falar com você, do jeito que
batia quando eu ia pra uma reunião do C.A. e você estava lá sentado no sofá, do
jeito que bateu quando você segurou minha mão na palestra de Anatomia do Amor,
quase consigo sentir o seu cheiro e a sensação de certeza que tive de que
queria arriscar, de que queria que fosse você e mais ninguém a me magoar quando
saí do cinema depois de assistir “A culpa é das estrelas”, depois de te beijar
no seu carro usando aquela blusa de zebras que eu quase nunca uso porque ela é
sua, é nossa e sempre vai ser.
Eu nunca
achei que fôssemos ficar juntos pra sempre. E isso não quer dizer que eu não
tenha acreditado. Eu acreditei. Em quase todos os segundos. Eu acreditei tanto,
como nunca pensei que fosse possível. Eu te amei tanto - ainda te amo tanto,
embora não do mesmo jeito - , de um jeito que eu tenho até medo. E, lá, naquele
show da Banda do Mar, quando eu cantei olhando nos seus olhos, eu só disse a
verdade
"Olha só, moreno do cabelo enroladinho
Vê se olha com carinho pro nosso amorEu sei que é complicado amar tão devagarinho
E eu também tenho tanto medo
Eu sei que o tempo anda difícil e a vida tropeçando
Mas se a gente vai juntinho, vai bem
Eu não sei se você sabe, mas eu ando aqui tentando
E a gente tem o eterno amor de além".
Era tudo
verdade. Eu fiz o melhor que eu pude, mesmo que não tenha sido o suficiente. E
mesmo que eu me arrependa de muita coisa, não sei se faria diferente, porque eu
sou assim, eu cometo esses erros. Não cometê-los seria não ser verdadeira com o
que sou, seja algo ruim ou bom. Mas eu te amei de verdade. Eu te amo de
verdade, acho que sempre vou, after all this time...
Eu ainda
não segui em frente.
Mas vou
fazer isso uma hora dessas.
Com amor,
todo o amor que eu te dei, meu coração inteiro – até os pedaços que você acha
que não conhece -,
B.