27x14 6 ou Canção pra não voltar (Season Finale)

Imagem: TingTing Huang

Caro Pégaso – é, eu nunca te dei um nome de verdade, nome de gente. Agora é desnecessário -,

Abro a playlist no aleatório pra te escrever uma carta, uma última, uma penúltima, uma carta só, de número 5, 6 ou 7, sei lá, e os acordes de “Mercadorama” me dão um tapa na cara, forte, um aperto grande no estômago, náusea. Prendo a respiração, procuro os botões pra mudar de música, mas essa coisa não passa, ainda me dói respirar.
Bom, direto ao ponto. Escrevo porque senti vontade. E vontade, do tipo puro e simples, é uma coisa rara, nos últimos dias.
Você talvez nunca leia isso, muito embora tenha mais chance de ler essa carta do que Otto tem de ler as que escrevo pra ele. Talvez um dia, daqui a alguns meses, você se veja parado na frente de uma tela como essa e se pergunte “Ei, o que será que ela anda fazendo?”. Aí você vai vir aqui e muito tempo já vai ter passado, essa postagem vai estar lá em setembro, há um século de distância. Mas, quem sabe, talvez você sinta vontade de se ver pelos meus olhos antigos. E, então, vai saber:
Eu ainda não segui em frente.
Tô perdida, sozinha, carente, confusa. Não segui em frente.
Ontem, estava sentada com uns amigos - Holden, meu amigo, é. O mundo dá essas voltas -, você passou, e eu senti o mesmo misto de medo, ansiedade e desespero de sempre. A garota, que você deve saber quem é, disse depois que “nem me lembrava mais que vocês dois já estiveram juntos”.
Eu me lembro. Não disse isso a ela, dei risada, dei de ombros. Mas eu me lembro.
Eu tenho uma lembrança pra cada uma das suas camisetas. Pra cada uma das minhas roupas, cada um dos meus brincos.
Eu não segui em frente.
Mas tô tentando. Não tô mais ouvindo o “How big”, da Florence, que acredito ser o nosso “break-up album” .  Evito Babel e o último álbum da Russian Red (Ou evitava, até hoje). A banda mais bonita da cidade, nem pensar.
Por um tempo, tentei ser como era antes, como se a vida sem você fosse simplesmente a mesma que era antes, como se houvesse um ponto de restauração no sistema. Li. Li durante dias, horas, sem ver o tempo passando, até a vista escurecer toda, até algumas horas antes das aulas.
Li. Saí por aí procurando Otto. Que loucura. Como se ele fosse a grande resposta, como se voltar a amá-lo fosse apagar você. Deus, eu espero que ele esteja bem longe. Feliz.
Enquanto procurava Otto, percebi que eu nunca mais poderia ser quem costumava ser. Percebi que só queria ser aquela pessoa porque você se apaixonou por ela. Porque eu queria que você se apaixonasse por mim outra vez.
Mas não dava. Continuei a ler, comecei a beber, passava a maior parte do tempo pensando em sair pra beber. A semana se tornou apenas um intervalo entre a ressaca e o próximo porre. Bebi, bebi, fiz coisas muito tolas. Mas não chorei. Não saí por aí chorando e gritando seu nome.
Dirigi bêbada, coisa que havia prometido pra mim mesma nunca mais fazer. Voltei pra casa bêbada, gritando músicas da Florence pra mim mesma, lutando contra a vontade que me rasgava em pedaços, de ir tocar seu interfone, te pedir pra descer, te pedir pra gostar de mim de novo, te pedir pra pelo menos me deixar dormir no seu quarto.
Senti dor. E agora vejo que você também deve ter sentido, talvez ainda sinta. Às vezes, eu só queria te perguntar se isso passa, se é sempre assim.
Sinto sua falta. Sinto falta da sua companhia, sinto falta de te perguntar as coisas, de te contar o que acontece. Sinto falta de te contar sobre um livro muito bom, sobre a cor do céu de madrugada, um evento no CCBB, uma fofoca da vida de alguém, uma coisa que aconteceu em casa, hoje um filme no cinema (vão passar uns filmes do tipo 500 dias com ela por esses dias, sabe?) . Sinto falta de olhar pra você sem ter que desviar os olhos.
Mas calma, já passei da fase de achar que vamos voltar. Já passei da fase de te querer de volta, de querer te beijar, dormir com você, sentir seu cheiro. Já até esqueci como é seu beijo, tanto que às vezes tenho que me esforçar pra lembrar da consistência da sua boca. Já superei a vontade de ir até sua casa, embora ainda imagine – todas as segundas e quartas, quando passo pela sua rua – qual seria sua reação. Você provavelmente também já passou dessa fase de achar que vamos voltar, eu acho. É triste, mas me deixa aliviada.
Já passei dessa fase, mas não segui em frente.
Ainda te encontro em cada canto do meu quarto, dos meus cadernos, da minha playlist e paro um segundo, pra ficar triste porque eu te amei tanto, nos amamos tanto e agora somos estranhos. É triste, é como se você tivesse morrido e eu não pudesse passar pelas fases do luto porque ninguém quer falar sobre você. Cada vez que menciono seu nome, as pessoas se entreolham e mudam de assunto, e eu me obrigo a guardar você de volta. Aos poucos, elas vão se esquecer de que a gente existiu e eu não sei se é o que eu quero. Porque aconteceu.
Isso me deixa muito confusa. Eu deveria apagar mesmo você, cada traço, cada memória, e começar com um espaço em branco na vida? Porque, às vezes, eu quero fazer isso. Às vezes, acho que é o único jeito de fazer com que isso passe. Mas aí vem alguém mais sensato que eu e me diz pra dar tempo ao tempo, que eu vou guardar isso, que você e eu nos tornaremos uma história que eu vou querer contar.
Mas será que vou?
Eu conheci um cara. Já faz um tempo, eu o conheci um dia depois do nosso último encontro, o encontro fatídico.
Ele me encontrou no meio de um monte de gente e eu mal olhei pra ele, eu estava tão cheia de dor, eu me sentia tão horrível, tão monstruosa, suja, vil. Tão só. Levou um tempo, muito tempo e álcool – uns poucos caras também, confesso -, pra deixar de me sentir assim.
Ele foi paciente, está sendo paciente. Eu digo a ele que não quero gostar de ninguém, nunca mais, não quero me envolver com ninguém, não quero nada, não quero ser nada e ele dá de ombros, diz que espera.
E eu gosto disso. Da ideia de que essa dor é só uma dor, que passa e daqui a pouco quero estar junto de novo. Da ideia de que a gente não deu certo, mas a culpa não é toda minha, eu posso dar certo com alguém um dia, quando estiver pronta.
Mas não estou pronta agora.
Antes da gente, antes mesmo que eu te conhecesse, eu estava me preparando  pra você sem saber, me preparando pra estar com alguém, pra ser parte de um nós, pra pai, mãe, festas de família, andar de mãos dadas, sair pra jantar, apresentar pros amigos. Eu estava me preparando pra dormir junto, pra deixar de enxergar o meu corpo como sagrado e apreciar o que ele pode fazer, o que mais ele pode significar. Eu estava me preparando pra penumbra, pra me magoar, pra falar e pra guardar os seus segredos.
E agora, eu não quero dar as mãos. Eu não quero ninguém passando o braço pelos meus ombros ou me acompanhando até o carro. Depois de ficar com um cara eu só quero ir pra casa ficar só. Não sinto vontade de mandar mensagens dizendo o quanto o dia ou a noite foi especial pra mim. Não sinto vontade de dividir meus segredos ou contar sobre o meu dia. Ou dizer o que penso. Ou dizer coisas que só fazem sentido pra mim.
Eu me sinto perdida. Tão perdida. Não acho que seja só porque você não está aqui, acho que acabaria por acontecer um dia desses. Eu me sinto perdida e preciso me encontrar. Não quero ninguém aqui enquanto faço isso.
Eu não rezo. Eu não vou à igreja, não leio a bíblia. Não falo sobre Deus. Até nisso acabei me perdendo.
Eu não estou pronta.
Esse cara, eu acho que posso gostar dele. Pode ser bom. Ele é uma boa pessoa. Acha que sou normal. Gosta do meu jeito estranho de pensar, do meu cabelo, do meu corpo. Diz que quer me ver, sinto borboletas no estômago. Descubro que quero vê-lo também. Acho que isso é bom.
Mas ainda não superei.
Ainda fecho meus olhos ouvindo Pompeii e consigo sentir meu coração bater daquele mesmo jeito que batia na Disney quando eu me sentava pra falar com você, do jeito que batia quando eu ia pra uma reunião do C.A. e você estava lá sentado no sofá, do jeito que bateu quando você segurou minha mão na palestra de Anatomia do Amor, quase consigo sentir o seu cheiro e a sensação de certeza que tive de que queria arriscar, de que queria que fosse você e mais ninguém a me magoar quando saí do cinema depois de assistir “A culpa é das estrelas”, depois de te beijar no seu carro usando aquela blusa de zebras que eu quase nunca uso porque ela é sua, é nossa e sempre vai ser.
Eu nunca achei que fôssemos ficar juntos pra sempre. E isso não quer dizer que eu não tenha acreditado. Eu acreditei. Em quase todos os segundos. Eu acreditei tanto, como nunca pensei que fosse possível. Eu te amei tanto - ainda te amo tanto, embora não do mesmo jeito - , de um jeito que eu tenho até medo. E, lá, naquele show da Banda do Mar, quando eu cantei olhando nos seus olhos, eu só disse a verdade 
"Olha só, moreno do cabelo enroladinho
Vê se olha com carinho pro nosso amor
Eu sei que é complicado amar tão devagarinho
E eu também tenho tanto medo
Eu sei que o tempo anda difícil e a vida tropeçando
Mas se a gente vai juntinho, vai bem
Eu não sei se você sabe, mas eu ando aqui tentando
E a gente tem o eterno amor de além".
Era tudo verdade. Eu fiz o melhor que eu pude, mesmo que não tenha sido o suficiente. E mesmo que eu me arrependa de muita coisa, não sei se faria diferente, porque eu sou assim, eu cometo esses erros. Não cometê-los seria não ser verdadeira com o que sou, seja algo ruim ou bom. Mas eu te amei de verdade. Eu te amo de verdade, acho que sempre vou, after all this time...
Eu ainda não segui em frente.
Mas vou fazer isso uma hora dessas.

Com amor, todo o amor que eu te dei, meu coração inteiro – até os pedaços que você acha que não conhece -,


B. 

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