43x21 Dinâmica uterina

Imagem: TingTing Huang

Ela estava chorando, gritando, me implorando pra deixá-la sair correndo.
Mas não tinha mais como fugir.

- Ele vai te dar um remédio agora. Vai fazer mágica. A dor vai desaparecer como se nunca tivesse existido.

Eu disse, sem perceber, percebendo
que queria que ele fizesse o mesmo por mim.

Que minha dor era como a dela,
regular,
intensa,
dessas que não melhoram com os remédios comuns.

Que eu precisava estar no lugar dela.

- Relaxe, relaxe os ombros, abaixe a cabeça

E, de repente, as mãos de Houdini, me fazendo massagem, destruindo a tensão com os dedos,
com amor,
com otimismo,
mas sem bupivacaína.

Parecia suficiente,
mas não,
não é.

Ainda dói,
fundo,
surdo.
Dói, rasga, vai e volta,
mas nunca some, nunca melhora.

"Quanto pior a dor, mais perto do fim estamos chegando", eu prometo.
Mas quanta dor eu consigo aguentar?
Minha verdade é verdade pra tudo,
pra todas?

- Eu só quero que tirem isso de mim,
34 semanas e diabetes me diz.
E eu digo a ela pra ter paciência, esperar mais um pouco,
mas eu também só quero que tirem isso de mim.

Agora,
agora.
Eu não quero mais sentir dor.

Mas tudo o que eles sabem - eles sabem de alguma coisa? -
é fazer perguntas,
sangue ou líquido ou contrações, queixas urinárias, se ele se mexe,
e então desaparecem e não me dizem nunca quando passa a dor.

Mulheres gritam, mulheres choram,
aqui e em outros lugares,
no escuro,
em casa,
na igreja,
paradas de ônibus,
no meio do nada,
sem poder pedir ajuda.
E eu posso,
eu posso,
mas pra quem?

Tem sangue,
e líquido escuro nas minhas mãos,
ele não se move,
eu sei que tem algo errado.
Quando o mundo está em silêncio,
eu quase posso ouvir seu coração bater.

Mas caminho,
caminho,
está chegando a hora,
mas dói,
dói tanto,
que eu não sei se consigo aguentar,
que eu não sei se quero aguentar.

mas eu queria tanto.

Deus
é bom e justo

e o interior do meu corpo é quente, febril,
me diz
quantos centímetros?

Quantos centímetros de dor eu preciso aguentar até que você decida que não preciso mais aguentar?

Então a hora chega e eu grito seu nome,
eu quero segurar a sua mão,
eu não quero passar por isso sozinha,
me dizem pra prender a respiração,
fazer força,
mas eu não tenho forças sem você aqui.
Só que você não vem,
você não consegue me encontrar,
e eu tenho, mais uma vez, que fazer tudo sozinha.

Sempre sozinha,
mas agora eu tenho isso,
então eu seguro o grito entalado na garganta e faço força,
minhas últimas forças,
depois de tanta dor,
tanto medo,
tanta procura,
eu não vou mais ter que ficar sozinha.

Então,
força
força
força
não para
assim
empurra meu dedo
força de coco
prende a respiração
descansa
ele precisa nascer

mas eu não consigo
você consegue
e eu dou tudo de mim
tudo de mim pra você,
mas você não vem
você não sai,

não é seguro aqui
e você sabe
e sofre

alguém te empurra,
te obriga a sair
e você sai,
em silêncio,
se recusa a chorar,
se recusa a respirar,
se recusa a viver

se recusa a ficar

e me deixa só.

- A dor vai passar assim que ele nascer, ela disse.

Mas não passou.
Não passou.

E agora?

- Alta.

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