Imagem: TingTing Huang
Caro amigo,
eu tenho medo. De você, de mim, do futuro.
O que está acontecendo?
O que você está pensando?
Você não tem medo?
Das pessoas nas ruas, dos seus amigos que demoram a voltar pra casa nas noites de domingo, dos amigos que aos poucos precisam deixar de ser quem são.
Tenho medo, confesso, de estar enlouquecendo. De estar errada. De que você esteja certo. De que ele seja mesmo o melhor para o país.
Mas se eu estou errada, a imprensa internacional está errada, se tudo em que acredito é mentira, se estou sendo manipulada e você não, então eu não entendo mais nada.
eu não entendo mais de livros, de história,
do medo do povo que queria poder escolher - e que você talvez acredite que era bandido,
não entendo mais de tortura, e de como é uma coisa horrível e revoltante - que você talvez ache que foi feita só com gente que merecia, mas que ninguém merece, ninguém, por pior que seja. E me olha no olho, não grita comigo, eu não discordo de punições, eu discordo de estupro corretivo, de choques elétricos e de colocar animais vivos nos genitais das pessoas.
Meu amor, se você tá certo, eu não entendo de gente que apanha, que morre só por existir, que morre só por estar ali, por ser, por querer.
Se você tá certo, então eu tô errada em querer mais do que eu tenho, em querer ser igual, em querer ter voz.
Meu amor, você tá me dizendo que eu não entendo, então você deve entender porque você sabe tanto, eu te amo tanto, porque você talvez vá ser médico um dia, ou vai cuidar de pessoas de algum modo, vai educar filhos, você tem pai, mãe, irmãos, você me tem,
e tá me dizendo que não liga,
que a solução do Brasil é a morte de quem pensa diferente, de quem é diferente, de quem quer diferente do que você quer.
Se você tá certo, então eu tô errada em achar que tá tudo perdido, eu tô errada em ter medo de dizer em voz alta o que penso porque eu tenho medo de que a minha família pague por isso em alguns dias, alguns meses. Tô com medo de sair na rua com a camiseta errada, com o adesivo errado, com a opinião errada.
Se você tá certo, então eu tô errada por achar que muitos dos meus vão se machucar, que o sangue deles vai estar mais e mais espalhado por aí, pelas esquinas, nas próprias casas, canivetes, nas mãos de homens e mulheres comuns.
Se você tá certo, então eu tô muito errada, muito errada, sonhando com um mundo absurdo onde as pessoas podem se amar, opinar, andar nas ruas, onde eu posso ser quem eu quero ser, onde eu não preciso me preocupar com qual banheiro meu amigo vai usar, e com quem ele vai encontrar sozinho nas ruas, ou se ele vai andar de mãos dadas.
Se você tá certo,
então eu não quero estar.
Eu amo você,
e eu ainda morro se for preciso pra defender a tua opinião divergente,
morro por causa dela,
mas jamais concordar com ela.
Nunca.
Nós talvez não sejamos mais amigos - como podemos ser amigos assim? Você me fere, me machuca. Você não é estúpido, é a pessoa mais incrível do mundo. E, ainda assim, escolheu seu lado. -
Mas eu amo você,
sempre vou.
Se um dia nos encontrarmos de novo, não desejo que um de nós esteja mais certo do que o outro, não.
Eu não quero dizer: "Eu avisei"
Eu quero dizer "Olá". Eu quero estar bem. Quero que você esteja bem.
Quero que esteja tudo bem.
E que possamos caminhar juntos.
Agora não dá,
mas quem sabe um dia?
Com amor,
todo o amor,
B.
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