Early Cuts: Magnificent Beast

Imagem: TingTing Huang

"You are a magnificent beast"

Tô olhando pra cada pedacinho da minha parede, e cada um conta uma história, tem uma marca, uma cicatriz.
Eu não me amo.
Eu detesto acordar no meu corpo,
com meu rosto.
Detesto minhas maneiras,
a maneira como minha cabeça funciona,
eu nunca nunca nunca me sinto suficiente.

E isso cansa,
exaure.
Tanto que nem sei como consigo me levantar de manhã.

E, ainda assim,
eu ouso.

Eu ouso olhar as cicatrizes e tentar.

Eu quero, eu sonho
em ser aquela garota.
Aquela, você sabe qual.

Eu quero ser como ela.
Não sei se algum dia vou deixar de querer isso.

Mas, enquanto não acontece,
eu devo dizer
que meu namorado me acha linda. Mesmo de manhã. Mesmo quando eu choro.
E que eu amo meus cabelos de molinha e meus pés.
Minha pele tem milhões de tons diferentes, cada um com uma história pra contar, de sol, chuva, carnaval e luta.
Tenho boas orelhas. Talvez eu devesse usar menos o cotonete, brincos maiores. Mas os fones encaixam direitinho. E isso é bom. Incrível.
Bons olhos castanhos. Uma mistura dos olhos de tanta gente, mas que são só meus. Um castanho que é só meu e de mais ninguém.
Tem também essa boca que minha mãe sempre disse que era fina demais, mas que tá de bom tamanho.
Dentes de criança, mas que eu amo, que servem pra experimentar uma ou outra coisa, doer quando como doce.
E essa língua que já me levou pra tantos amores, que sente seu gosto.
Tem essas mãos meio desajeitadas e braços longos, que servem pra escrever - que eu amo -, pegar livros, mandar mensagens, pegar na tua mão,
Te abraçar à noite quando ficamos de conchinha, pegar minha irmã no colo pra levar pra cama, cozinhar arroz e milho,
e sentir. Folhas e cores, sons e pele.
Essas pernas que me fazem lembrar minha avó. Me fazem pensar que ela vive em mim, de algum jeito.
Tem meu umbigo e a história de quando minha avó colocou uma moeda nele.
Tem essas pintinhas, essas manchas, que eu não sei pra que servem, nem se vão me fazer mal, mas estão aqui.

Tem tanta coisa boa pra ver, pra mostrar.
Mas eu ainda quero ser aquela garota.

Eu só espero que, um dia, eu queira ser essa garota.
Espero que eu entenda que assim tá melhor que bom, mil vezes mais.

Mas, enquanto não acontece,
eu vou vivendo,
tentando me lembrar, tentando lembrar as pessoas de que
aquela garota nem existe.

Mas essa existe,
e é magnífica,
incrível,
maravilhosa,
sen sa cio nal.

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