Imagem: TingTing Huang
Caro Otto,
eu sempre volto pra você quando estou confusa, certo?
Acho que, a essa altura, já entendemos que escrevo mais pra mim do que pra você.
Preciso de alguém.
Homem ou mulher,
preciso de contato, profundo, intenso, doloroso.
Está em todos os lugares, nos meus sonhos,
nas casquinhas de machucado que eu arranco da pele.
Você sabe o que eu quero dizer?
Meu aniversário.
Eu não consegui escrever nada, manter a tradição de escrever algo pra mim.
Então escrevo pra você.
Porque preciso de você.
Tantos anos desde nós, e eu ainda preciso de você pra entender que estou viva.
26 anos já, e eu não sei pra onde ir.
Eu sei quem sou.
E sei que não sei quem sou o bastante, porque eu sou muito, fui muito e serei muito mais.
Mas mais o quê?
White noise,
nas ruas,
em casa,
à noite,
em você.
Estamos vivos.
Você.
eu.
Mas às vezes nem parece, porque tudo simplesmente flui, a vida acontece sem que eu tenha que fazer nada.
Se eu não quiser, não preciso fazer nada, nunca mais.
Só preciso esperar,
e tudo vai sendo decidido, encaixado, aprontado.
Eu não sei o que quero,
eu só sei querer.
E fingir que não quero, aparentemente.
Nasci outro dia, sabe? e já me botaram coisas, ideias, um nome, um número,
umas ideias tortas de pais e mães,
umas ideias tortas de mim.
Cabelo de molinhas,
e mais o quê?
Não tenho nada pra mostrar, não tenho documentos pra provar que eu sou como você.
Só tenho a minha palavra,
e ela não vale absolutamente nada.
Eu sofro.
Estranho dizer,
estranho admitir.
Eu sofro.
Dói pra caralho, e eu também não quero me levantar amanhã,
eu não quero me levantar e não quero que amanhã chegue,
mas chega.
Com você, sem você,
o tempo vai, aos poucos, deixando de fazer sentido.
O hoje, o agora, amanhã, pra sempre.
Eu deito na cama, me espreguiço, e meus pés tocam o futuro, meus dedos da mão ficam úmidos e gelados ao tocar as gotas de chuva da noite em que eu decidi que a gente não era pra ser.
Que foi ontem, ou é amanhã,
daqui a 100 anos,
tanto faz.
Talvez eu não queira nada porque eu já tive tudo.
Já fui mãe,
já cometi o erro de não ser perfeita.
Já fui importante,
até não ser mais.
Já fui boa,
e ruim.
E agora eu só estou.
O tempo se dissolve debaixo da minha língua, efervescente,
e é tudo de que preciso pra entender que estou exausta,
tonta com as voltas do tempo a minha volta, feito um redemoinho,
enterrando e desenterrando as coisas,
me confundindo,
me fazendo sentir que o agora é ontem, e o amanhã é hoje.
Segura a minha mão.
Não me deixa afundar na areia que escorre da ampulheta.
Segura a minha mão, Otto.
Eu só preciso saber que dia é hoje,
que ano é hoje,
quem é hoje,
onde é hoje,
quando é hoje,
por que hoje, Otto?
Por que hoje?
Com amor,
B.
P.S.: Feliz aniversário pra mim, de mim.
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