(Esse texto faz um ano no dia 20 de julho. Quanta coisa mudou, quanta coisa aconteceu... Ainda bem)
Caro Otto,
Sei que estive sumida e peço desculpas. Eventualmente, falaremos sobre isso.
Mas hoje, eu precisava falar com alguém. Eu precisava que alguém entendesse, mas ninguém entende. Então, talvez, você entenda, onde quer que esteja.
Eu perdi um paciente. Outro paciente. E estou tão cansada de perder pessoas, Otto. Ultimamente, parece que só tenho perdido pessoas.
E cada uma delas, mesmo quando desconheço seu nome ou quando me falta a oportunidade de falar com sua família, cada uma delas parece levar consigo um pedaço da minha alma.
E eu não sei quantos restam, Otto.
Eu não sei se posso mais perder pedaços.
Eu quero ser o melhor que puder pra salvar todo mundo, mas não consigo. Eu não consigo salvar a mim mesma.
Cada vez que eu volto pra casa chorando por alguém que não é mais, alguém que poderia ser seu pai, seu avô.
Sua mãe.
Minha mãe.
Você.
Eu sinto como se morresse um pouco. Como se o mundo tivesse ficado diferente, mais leve e mais pesado. O ar mais denso. As pessoas em suas rotinas diárias, como elas podem não sentir?
Por um instante, uma luz se apagou como se apaga com um desiluminador. E as pupilas dilatam, escuras feito um abismo no fundo do oceano, perpetuamente silencioso.
De repente, não se é mais.
E eu? Quem sou eu nisso tudo? Um conduíte da morte, um anjo?
Eu tento, e eu preciso tentar, mas eu não quero mais.
E diariamente alguém a me colocar o laringo na mão e a dizer que ele precisa, ele vai morrer, ele vai morrer se você não fizer nada, vai morrer se você fizer alguma coisa, ele vive e morre aqui e agora. Eu tento decidir e fazer o certo, eu tento dizer que não, mas ainda assim canto a hora do óbito.
E que hora é essa?
Chamo o pulso e ele não vem, o ar e ele não vem, chamo a alma, mas eu não sei se isso existe. Se existe mais. Se eu devo mesmo me desculpar, aos prantos, na volta pra casa, como se alguém pudesse me ouvir e me perdoar. Ou me punir. Me punir por tentar.
Eu não quero mais errar, Otto.
Eu não suporto mais errar.
Mas eu não sei como acertar.
Então, talvez, eu deva parar de tentar.
O que você acha?
Espero que esteja bem. Use máscaras. Fique em casa. Fique vivo.
Com amor,
B.
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