Imagem: TingTing Huang
Tô contando os carros, um por um.
Se passa um carro agora, lá em cima, então você me ama.
Passa um carro, zunindo, no último cruzamento, veloz.
Há que se pensar e há que se decidir.
Talvez, nem tenha sido um carro, sabemos que as minhas vistas não andam lá essas coisas... Podia muito bem ser o caminhão do lixo, potente e simbólico, levando embora o sentimento fugaz induzido por tortillas.
Talvez o caminhão seja o próprio tempo, o mundo, eu e você.
Tô assim agora, perdão. Metida a interpretação de sonhos, fatos históricos, carros.
Tô interpretando tudo, menos você, menos eu.
Analisando incessantemente a inflexão da sua voz, aquela coisa que você fez ao rir, a inclinação da sua caligrafia, a pausa, idas e vindas e letras na tela.
Parece que, um dia desses, não faz muito tempo, estava apaixonada por você.
Era e tinha que ser você.
Quando eu bebia água, ou chá, ou esse restinho de cor quando o sol se põe ou essa casa imensa e escura no canto do universo, na qual eu resido agora, calmaria, delírio cristalizado, respiro, incerta, como quem adquire um certo insight.
Você me ama?
Eu não sei. E preciso que você diga, que você grite.
Porque eu não posso adivinhar, eu não posso apelar para carros e estrelas, horóscopo e tarô.
Eu não quero.
Eu quero ouvir você dizer, em alto e bom som.
Eu quero te ouvir daqui, do terceiro andar, com a casa fechada, quero que ecoe pela rua azul.
Eu amo você?
Às vezes, eu questiono. Tento até duvidar,
mas sim.
Sim, eu amo.
Um observador incauto me pergunta se você sabe, com certeza.
Respondo que não.
Será que você também quer ouvir daí?
Em alto e bom som?
Talvez eu grite.
Ou, mais provável, talvez eu fique em silêncio até a manhã chegar.