46x10 Estrabismo e outras tempestades

 

Imagem: TingTing Huang

Vou te contar um segredo, um que eu nem mesmo sei. 

(Tapo um pouco os olhos com as costas da mão. A luz no seu ombro incomoda meus olhos, sabe? Meus óculos não tem lentes antirreflexo)

O que eu tô tentando dizer é bem simples, na verdade. Mas, ao mesmo tempo, é complicado. 

Tem a ver, como tudo na vida, com a minha mãe. Não, na verdade, talvez com o meu pai. 

Quero dizer, tem o bigode, as laranjas e um cheiro peculiar de toalha molhada, critérios de um DSM que ainda nem sequer foi escrito, critérios nos quais você não se encaixa. 

Ele gostava de discursos, de política, de gente. 

E eu gosto de brigadeiro branco, cogumelos e desse devaneio que tenho com a sua boca.

Olha, não me leve a mal, eu estou tentando te contar que 

Eu não me lembro direito, mas sei que tem a ver com a forma como meu coração parece sair pela boca quando você chega, ou com meus atos falhos, ou com minha dificuldade imensa de controlar esse impulso que sinto de te dizer o que me vem à cabeça, a sensação de me afogar no silêncio entre a gente. Tem a ver com a vontade de tocar a sua mão e a sensação rascante de que eu vou morrer se não invadir seu espaço pessoal no meio da noite. 

Sabe, eu não sei do que se trata isso tudo, mas talvez tenha a ver com a sensação de que vou enlouquecer longe de você e perto de você também, ou talvez isso também já seja parte de um quadro psicótico. Não sei, pode até ser. 

Eu quero te falar que tem essa coisa, essa alguma coisa, que eu quero saber o que é, que eu te analiso inteiro e procuro dentro e fora, que eu quero arrancar ou quero, que eu nem sei o que eu quero. 

O que eu quero te explicar é que você faz chover dentro de mim, transborda tudo, destrói o que eu tenho de meu, de seguro, de certo, escorre feito cera de vela acesa pra dentro dos meus sonhos, dos meus dias bons, contamina tudo e eu nem sei mais como tenho conseguido silenciar o animal que ruge seu nome. 

Tô aqui contando carros na varanda e pensando se isso mata, se se morre disso,

vontade. 

Se der pra morrer de vontade, 
meus dias estão contados. 

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