Imagem: TingTing Huang
Acordo com seus gritos.
Na verdade, nem sei se dormi. Às vezes, sinto que não durmo nunca, que estou sempre alerta, vigiando, olhos abertos ou fechados, corpo e mente, todo o meu espírito e a água do Nilo que corre no meu corpo, ao contrário. Sempre em guarda, à espera.
Abro as portas e adentro os aposentos escuros do grande Sol.
Passa pela minha mente o seguinte pensamento "A noite é mais poderosa do que o Sol". Mesmo agora, desperto, ele está no escuro, indefeso.
A chama da vela que carrego tremula, e eu temo que se apague.
Às vezes, confesso, tenho medo dele. Dos seus sonhos, dos seus gritos.
Todos tem medo dele.
Exceto a rainha, sua mãe. Ela não tem medo de nada.
Silêncio no quarto. Cheia de medo, me aproximo da cama enorme e dourada.
Ali, em meio às cobertas, a chama da vela ilumina o rosto assustado de um menino.
Eu sempre me esqueço e me assusto ao vê-lo.
Um rei, um deus, um homem: um menino.
Ele não fala nada, não me conta mais os detalhes. Há muito, ele já não fala mais dos sonhos, do dilúvio, Ísis, um homem elefante, um homem crucificado e a mulher com muitos braços. Mil vidas, mil mortes e uma noite de mil dias. Um dia, ele me contou, em segredo, como eu iria morrer.
Ele se arrependera, pouco depois, mas era tarde demais. Agora, eu já sofria da mesma doença de meu pai, eu já tentava desesperadamente escapar da morte e definhava a cada dia, por senti-la próxima.
Sem dizer uma palavra, eu encostei meu rosto no rosto dele, testa contra testa, olhos fechados, murmurei uma prece para espantar os sonhos ruins. Uma prece antiga, com a qual eu também sonhei um dia, capaz de varrer pra longe a tríade de deuses que sopram nos ouvidos, a certeza solitária de que o mundo em que vivemos fica na junção entre todos os tempos, no ponto central de todos os universos que são, que foram, que serão.
E eu cuspo palavras mágicas, capazes de antagonizar dopamina, até você tremer, boca e mãos, até seu corpo todo travar, até que você durma.
Um sono profundo, sem sonhos, sem mágica.
Sem medos.
Até o efeito passar.
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