Imagem: TingTing Huang
Silêncio, mas não do tipo bom.
Silêncio demais, dentro do quarto, na sala no jardim enorme, interno.
Por um instante, ela se perguntou se estava mesmo viva.
Palpou o pulso no pescoço magro, batendo no dedo, tum tá.
Tinha sangue nas veias, a pressão adequada, um músculo pulsante, eletrizado, sinapses piscando sem ruído algum em meio à tarde quente de janeiro.
Dentro dela, um turbilhão de células, neurotransmissores, segundos-mensageiros, um liga-desliga insistente, até irritante.
Tinha vida ali.
No entanto, todavia -
Sentiu dor. Uma fisgada no céu da boca. Dor. Outrora lancinante, intensa. Agora, só dor.
Correu a pegar o comprimido e colocou sobre a língua úmida, foi chupando como se fosse bala, sentindo o gosto amargo até o fim. Nem tinha ainda acabado de derreter e já se sentia melhor.
No que era mesmo que estivera pensando?
Ah, sim.
Paro, na frente do espelho e examino meu rosto sem vaidade, digo a mim mesma, vaidade pra quê?
Pra quem?
Eu sou mesmo uma mulher partida em pedaços. 42. Um número cabalístico. 42 pedaços, talvez. Eu pauso, pra me ajuntar, mas não tenho como colar o que sobrou.
Faltam peças, tantos pedaços, o septo e palato, ossos e células boas, bem feitas, receptores bem postos.
Mãos pálidas, dedos artríticos, a mil anos luz de quem eu realmente fui.
Uma artista.
O substantivo me machuca feito um soco que levei entre as costelas, machuca feito traição.
Artista.
Eu fui, eu sou. Eu era.
Agora, estou. Eu não sou nada.
Silencio a dor com mais um comprimido amargo a derreter.
Conto comprimidos.
Um pra dor,
outro pra outra dor. E mais essa e aquela.
Manhã, tarde e noite passam feito a memória dos sussurros de velhos amantes, gélidas e cinzentas, fugazes, nubladas.
E mais um dia e outro.
Ouço um pássaro cantar. Longe, bem longe.
Dentro de mim.
Há muito tempo que não o ouvia.
Fecho os olhos e aprecio a melodia.
Talvez, seja a última vez.
Espero que seja a última vez.
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