Imagem: TingTing Huang
"Eu me sinto -- como uma pira funerária acesa na chuva (...) uma fogueira na chuva"
E se eu te disser
Sim
?
É quase madrugada, o que quer que isso queira dizer. Não é tarde demais pra dormir, mas também não é cedo.
É quase.
Aqui dentro eu juntei tudo, folhas secas de cadernos e diários com teu nome, e gravetos, mil gravetos como em um livro que li uma vez, gravetos com teu nome gravado, carvão, ervas perfumadas, tecidos, combustível que roubei do tanque do seu carro, do meu carro. Tanta coisa pequena, inflamável, uma pilha enorme de desenhos, livros, lembretes, letras, letras, letras e mensagens confusas.
Pra acender uma fogueira enorme, gigantesca.
Veio a chuva de verão, dessas chuvas fugazes, intensas, que molham os amantes em filmes, que deixam o vestido branco e florido da mocinha quase transparente, grudado no corpo prestes a ser beijado e acariciado, molhou tudo.
Mas eu esperei, pacientemente, até secar.
E agora, é hora de acender. Acender e queimar. Hoje, não esqueci o isqueiro. Nem álcool. Tudo certo, tudo pronto, tudo limpo. Chego perto, e é hora de acender a pira e queimar --
Queimar o quê?
Eu tô pronta. Tenho o fogo que falta, a centelha, eu tô pronta pra queimar. Mas eu não sei mais o que queimar. Eu não sei se essa é a grande pira funerária do nós que é, do nós que nunca foi. Se é uma fogueira pra fazer sinais de fumaça e te fazer entender como eu me sinto.
Eu não sei o que eu quero tanto queimar, eu só sei que eu quero acender, eu quero ver o fogo, eu quero sentir calor.
Eu tô cansada de sentir frio.
Mas eu também sinto medo de desperdiçar tudo isso, todo esse tempo, só pra ver, por uns segundos, as chamas coloridas transformando tudo em cinza.
Eu quero acender. Eu quero queimar.
Mas é cedo, ainda.
Eu preciso de tempo.
Preciso de mais tempo.
0 comentários:
Postar um comentário