46x21 O amor que não posso dar

 

Imagem: TingTing Huang

Caro Otto, 

como você está? Por onde anda? 

Pergunto por educação, não sei se ainda me importo. Às vezes, acho que sim. Só às vezes.
Tem algo dentro de mim, e me sufoca. Abro todas as janelas da casa, me ponho nua, ligo o ventilador, preciso de ar, preciso respirar.

Preciso de silêncio e de música.
De afeto e de distância.
Preciso de um incêndio e de chuva torrencial.
De você e do não-você. 

Tem algo dentro de mim, que precisa sair, que eu quero que saia. Eu preciso que saia.
Mas eu não sei colocar em palavras, Otto.
eu não sei falar.
Sinto como se estivesse doente, meu corpo todo me diz que estou doente.
Talvez eu esteja.
Puxo o ar, tem ar aqui, eu tento convencer meus pulmões, tem ar aqui. E, mesmo assim, parece que me afogo. 

Eu quero tudo, Otto. Eu não quero nada.
Se eu puder, 

Finjo que você está aqui. Uma cadeira vazia, na frente do sofá.
Olho nos seus olhos de fantasma.
- Eu quero muito, mas não sei como.
E você não responde, você nunca responde.

Otto, o que é amor?
É o que ensinaram pra gente?
Por que eu insisto que seu amor é me dar as respostas pras perguntas que eu não sei formular?
E quem foi que te disse que amar é ficar em silêncio?
E o que era pra ser?
Você acha que a gente já amou alguém?
E como, como eu seria capaz de aceitar o amor que não consigo retribuir?

Tô pensando em Drummond, tô pensando nos meus pais e em quantas vezes o amor bateu à porta e eu fingi que não estava em casa.
E em quantas vezes ainda vou fazer isso.
E que o mundo é um lugar hostil e cheio de adultos feridos, como nós. 

Tô pensando se amor existe e que controlar nossos impulsos é o mais sensato.
E penso na textura do seu cabelo recém raspado e no cheiro de xampu.
Você acha que eu te amo?
Como? Como é que se ama uma coisa que não existe mais, um fantasma, uma alucinação, um delírio.
E, se eu te amo, por quê?
Tanta gente no mundo que merece meu amor e que pede os meus sentimentos, e eu insisto em guardar todos em você.
Porque você, Otto, não pode retribuir. 

Lembra-se daquele conto japonês sobre a garota que recebeu um bilhete: "amar ou ser amada"?

Todos esses anos, Otto.
E eu ainda não estou pronta para ser amada.
Eu nunca vou estar, desconfio.
E me dá medo, um pouco. 

Eu amo esse homem, como você sabe. E ele me ama. Mas eu não sei ser amada.
É complicado, mas funciona, de algum modo.
Não sei onde vai dar. Mas espero. Isso eu sei fazer com maestria. 

Mas. 

O que acontece quando uma pessoa que não sabe ser amada tem filhos?
Como se ensina algo que não se aprendeu? 

Tem algo, Otto, algo dentro de mim.
Você poderia, só desta vez, me responder o que é? Pra que serve? Só dessa vez, será que você poderia me dizer

Eu juro, só dessa vez, 

quem sou eu? 

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