Imagem: TingTing Huang
Acordei no meio da noite, boca seca.
Enchi um copo com água quente da torneira, gosto doce, rascante, água que deixa com sede.
Como pode isso? Satisfazer um desejo gerar mais vontade?
Faço silêncio. Tento ouvir a sua respiração através da parede. Nada.
Nem um ruído sequer.
Fico parada no meio da noite, pensando, esperando por aquele momento prometido pelos livros de Jane Austen.
O momento em que você vem.
O id todo pulsa, terremoto inconsciente, tonteio.
Ê, homem.
Sacudo a cabeça com força, como se espantasse o fantasma das coisas não vividas.
Tô tranquila, vou ficar bem.
Você nem existe.
O você que eu quero só existe na minha imaginação, repito, feito mantra.
Você é só você, não tem nada do homem que eu, às vezes, no meio da noite, e até algumas vezes durante o dia, manhã e tarde---
Bom, isso não vem ao caso.
Intrusivo, egodis, digo, sintônico, penso no cheiro do seu pescoço e fico meio taquicárdica, só um pouquinho.
Ou, talvez, eu tenha uma arritmia, uma disritmia.
Era só o que me faltava.
Ego ferido, coração ferido.
Puro suco do clichê.
Bebo mais água, sinto mais sede.
Mas que droga.
Fico de pé olhando os prédios pela janela da cozinha escura, esquecendo que tenho medo do escuro, que acordo cedo amanhã, que não posso querer você.
Quase esqueço de tudo, dissocio, hipnotizada pelas janelas minúsculas e escuras onde mora gente que sabe ser amada.
Quase lá, sou despertada bruscamente do meu transe hipnótico pelo ruído do seu interruptor, seus passos, sua porta que se abre.
Esse é o momento.
O momento em que você vem.
Meu coração bate tão rápido que tô com medo de que você possa ouvir daí, que a sua mãe escute lá da casa dela, de que meus antepassados escutem.
Acho até que acabei de acordar um homem na Austrália.
Imagino brevemente o susto dele, "What the fuck", ele tá ouvindo trovejar, mas o céu tá limpo.
Enfim, você chega.
Não diz nada, pega um copo, enche de água da torneira.
Bebe um copo, depois outro.
E outro.
E outro.
E outro.
Você me olha, em silêncio, o silêncio mais angustiante já concebido. Uma mistura delicada e única daquele choro silencioso, do som que fica depois que alguém vai embora, e do silêncio de espaços em que a gente não deveria estar, espaços em que a gente não cabe.
Esse é o momento.
É o momento em que você vem.
Por favor, não venha.
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