Imagem: TingTing Huang
Não me lembro do seu nome, da bruxa no quarto, à beira da morte, da bruxa na jaula, esperando a fogueira.
Não me lembro do seu rosto.
- Não foi um feitiço, foi um milagre, ela disse.
Mas eu não vim julgar, eu vim pra aprender.
Ela me conta sobre as noites, cicatrizes, dedos quebrados e gritos, e ele, o demônio, um homem, e o medo e o terror.
Conta, delirante, febril, sobre o pavor, a coragem, uma semente, um desejo, um
feitiço.
- Mas eu não sou bruxa, ela disse, eu não sou bruxa.
Peço que continue, não temos muito tempo.
Ela me conta que decidiu que nunca mais sentiria aquilo.
Decidiu? Desejou?
Naquela noite, ele saiu em meio à chuva torrencial.
E não voltou pela manhã.
Foi encontrado em um buraco, tetraplégico.
- Mas não fui eu. Foi Deus. Ele me ouviu, Ele me ouviu.
- O que foi que Ele ouviu?, perguntei, o que você disse?
Ela chorou, só chorou sem parar, sacudindo o corpo inteiro.
- O que? - eu quase gritei
Podia ouvir o barulho dos passos no corredor, próximos.
Ela moveu os lábios, sem que saísse som.
- O que? Fale mais alto. O que você disse, naquela noite, o que você desejou?
Aproximei meu rosto do seu, queria ouvir, precisava ouvir, mas, quando cheguei meus ouvidos perto o suficiente dos seus lábios, a porta se abriu, o tempo acabou e eu desapareci no ar, infelizmente, muito mais rápido do que o som do seu murmúrio, como se nunca tivesse existido, um borrão de tinta e pequenos pontos de poeira.
- Não sou uma bruxa, foi o que ela disse - contei a Lilith, que me esperava, pacientemente, bebericando café.
- Ela tem razão. Bruxas não existem.
E, como se apenas para contradizê-la, como se viajasse atrás de mim em uma velocidade infinitamente menor,
ouço o feitiço-desejo, baixinho,
um segredo.
- Sim, você tem razão.
Bruxas não existem.
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