Imagem: TingTing Huang
Ela me conta um segredo e eu sinto que tenho um milhão de anos. Ela me conta que está esperando.
Eu envelheci à espera. E eu não posso mais esperar. Eu sei o que eu disse, sei que fizemos uma espécie de pacto antigo, com sangue e ossos, eu me lembro.
Eu me lembro da sua voz rouca sussurrando um feitiço, eu me lembro da tinta preta da caneta no papel que assinamos, eu me lembro do ruído que seus cabelos fizeram enquanto cresciam, cheios de promessas.
Eu me lembro do pavor dos seus dedos. Cada cláusula, cada desejo, cada noite insone, cada sonho. Eu me lembro do seu cheiro de dia nublado. Eu me lembro do chão. Eu me lembro daquela noite. E das outras. Do tapete, da manhã.
Eu me lembro, mas eu também não me lembro, quando foi isso? Quando foi que eu percebi que eu não podia mais? Quando foi que eu comecei a dizer pra mim mesma que você me destruiria, quando a verdade é: eu destruiria você.
A verdade é, e eu só vou dizer isso mais essa vez, embora não seja mentira, e embora eu possa dizer em voz alta, mas - eu amo você. Tanto, mas tanto, que me machuca. Machuca minhas convicções, machuca quem eu também amo. Eu te amo tanto que me assusta, que te assusta, eu sei. Você não sabe como isso funciona, sabe?
Eu te amo tanto que mataria nós dois. Você, de medo, de pavor. E eu, de solidão.
Eu te amo tanto que criei na minha mente essa bolha, essa realidade alternativa em que isso poderia, talvez, funcionar. Eu te amo tanto que sei que não vai.
Eu te amo tanto que vou te deixar nunca sentir isso, essa intensidade, esse terremoto, tempestade, eu nunca vou te deixar molhar os pés em mim, se afogar no oceano do que eu tô sentindo agora.
Eu te amo tanto que vou te deixar dançar sozinho, ou acompanhado, e não vou interferir. Eu te amo tanto que vou brindar à sua felicidade. Eu te amo tanto e eu estou tão apavorada, paralisada de medo, de nunca sentir o gosto da sua boca e o seu coração batendo perto do meu peito, com tanto medo como se minha vida dependesse disso pra continuar. Mesmo assim, eu brindarei e desejarei felicidade, de verdade.
Eu te amo tanto que estou te deixando ir - o que não quer dizer que vou deixar de te amar.
Eu te amo tanto que vou te deixar sozinho, na sua própria escuridão, pra achar seu próprio caminho.
E mesmo que meus ossos estremeçam, mesmo que meu sangue cante seu nome e mesmo que eu encontre seu rosto em um estranho na floresta, mesmo assim,
apesar das juras, e do pacto, e das profecias tecidas em tapeçarias e mesmo se seus pés sangrassem de tanto andar pelas encruzilhadas do submundo até o meu templo, e mesmo que você seguisse o fio de lã vermelho até o centro do labirinto, mesmo que você voasse sob o oceano, mesmo se você enfrentasse novamente os ciclopes, feiticeiras, tempestades, donzelas amaldiçoadas e pretendentes, nem mesmo assim
Não.
Nem mesmo assim.
Eu te amo tanto, que acabou.
0 comentários:
Postar um comentário