Imagem: TingTing Huang
Era minha.
Ela veio, trazida ao templo. Eu podia ouvir os gritos, mesmo de longe, do meu quarto.
Calcei as sandálias e prendi os cabelos. Tentei parecer calma, mas, como sempre, o coração vinha à boca.
Tenho urgência em ir, medo. Ao mesmo tempo, uma certa calma.
Há tempos que o sofrimento não me parece urgente, como pareceu outrora.
Acendo as tochas e faço uma prece a Apolo, secreta e única, pra que ele me guie, me tranquilize.
Os gritos da família irritam meus ouvidos sensíveis, eu peço silêncio.
É mais um caso de espírito maligno aprisionado no corpo de mulher, se alimentando dos seus sonhos, da sua força vital. É uma sombra e eu sou a sacerdotisa da luz, a portadora da centelha. Eu trago a cura.
Trago-a para o centro do círculo, onde ficamos sentadas, uma de frente para a outra.
Peço à sombra que me conte sua história e ela conta, com calma e zelo, e febre, e sonho, delicadeza, medo, raiva, angústia. Sem lágrimas, sem gritos, a sombra me explica o mundo, e as histórias dos livros, a fantasia das almas, a união dos corpos, e que a morte não é a escuridão. Ela me olha nos olhos e arde, e queima, e eu posso ver
ela dança uma música que só nós duas ouvimos.
Ela quer sair, mas não quer sumir, não quer desaparecer.
Quer morrer, mas quer viver.
Estendo a mão na sua direção e vejo o medo, insisto, e ela agarra.
Meu coração bate tão forte que parece que vai explodir no peito. Ao invés de alívio e certeza,
sinto medo e não sei o que isso quer dizer.
Sinto uma angústia brutal, um cansaço. Uma dor.
E acaba. Ela se levanta, sã,
um milagre.
A família me agradece e chora, deixa oferendas, beijam minhas mãos.
E eu atordoada, gelada.
Ela me olha, e arde e queima,
e dançamos em silêncio uma música,
aquela música
que só nós duas ouvimos.
Não sei o que isso quer dizer,
não sei.
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