47x17 Stendhal syndrome

 

Imagem: TingTing Huang

Um turbilhão de luzes e ruídos, acordo, não sei se por causa do frio ou do ruído ou dos pingos de chuva gelados no meu rosto. 

Meu coração bate forte, alto, dolorido. 

Eu tento falar, e não consigo. Não sei onde, nem quando, nem quem eu sou. 

Alguém fala comigo, mas eu não quero ouvir. Eu não quero ouvir, eu não quero falar, eu não quero cheirar, ou tocar. 

Eu quero ver. 
Eu quero ver você. 

Encontro forças, ignoro orientações, eu empurro tudo, eu quero um campo de visão limpo de tudo o que não é você. 

Sentado no chão, eu te venero. Sinto de novo a mesma tontura, a cabeça pesada, e luto contra a sensação intensa, angustiante, o êxtase de estar na sua frente. 

De existir com você. 

A luz e os anos cor de azul cobalto, te tornam ainda mais bonito, e eu tremo, meu corpo todo treme, e eu choro, como se abrisse os olhos pela primeira vez. 

Eu quero me controlar, acredite. Eu estou tentando, desesperadamente, e eu quero dizer a coisa certa, eu quero fazer a coisa certa, me levantar do chão, seguir adiante. Minhas pernas bambeiam e eu torno a cair, então paro de tentar. 

Eu só me sento, e decoro cada detalhe da sua composição perfeita. 
Choro mais um pouco, logo eu, que não choro nunca. 

Coração volta a rasgar o peito, ferve, queima. 
Sinto medo e desejo, medo do que disse um homem sobre uma calopsita, que a vida perde a razão quando você passa por uma experiência tão intensa. Perde o significado. 

Meu peito dói, e minha pele fica úmida de suor gelado, sinto náuseas, e tento desviar o olhar. Mas eu quero ver. 
eu quero te ver, e só você. 

Definho, e não sei mais há quanto tempo estou aqui, esperando, sem saber pelo quê. 

Às vezes, é noite, outras, é dia. Falam comigo, mas não entendo, não quero entender. Eu quero olhar você. 

Sinto, e sei: estou enlouquecendo. A certeza disso me traz alívio, e tristeza, não medo. 
Como se fosse um desses caminhos que a gente trilha sem perceber, fui enlouquecendo, insidiosamente. 

E, agora, me encontro numa encruzilhada, mas não posso voltar, e nenhum dos caminhos me leva à segurança, à sanidade. 

Eu sou o que esse momento, o que você
fez de mim. 

Eu não sei quem eu sou.
E eu não quero saber.

Eu só quero olhar você. 

47x16 01 angry woman

 

Imagem: TingTing Huang

"Você podia ter me escolhido", Eurídice disse. 

Quero dizer, não sei. Talvez ela tenha dito. 
Talvez não. 

Caminho na sua frente e eu quero olhar, eu quero saber, eu quero ver se-

Não sei mais o que é real e o que não é. 

Medito sobre flores novas nascidas do seu sangue, enquanto tento entender se sou ou não um oráculo, e se isso que vejo é dor. 

Penso em mim, em você, em nós. 

E penso muito, até demais, sobre caminhos. 
Aqueles que seguimos e os que escolhemos seguir. 

Você não me escolheu. 
E você podia.
Você pode. 
(?)

Mas aí, você teria que admitir que iria até o submundo pra me encontrar, 
que trilharia todo o labirinto de volta pra mim, 
e que derrotaria pretendentes e os mataria pra dormir ao meu lado. 

Tantas histórias, prosa e poesia, 
eu sou a porra de uma Argonauta, uma constelação. 
Eu sou Vênus e Psiquê, e Atena, e Diana. 

E eu quero, eu te daria de beber no centro da sua tortura, da sua tragédia pessoal, semear dentes de dragão, colher guerreiros e lutar por mulheres e terras e deuses ao seu lado. 

Você só tinha que ter me escolhido. 

mas eu não sou tão

bonita
magra
inteligente
bondosa
agradável
otimista
criativa
falante
desenrolada


branca

quanto você gostaria. 

47x15 The you that loves me in the dark

 

Imagem: TingTing Huang

Acordo no meio da noite e caminho, no escuro, até o seu quarto.
Sento na beira da sua cama e te observo dormir. Febril, você sussurra velhos encantamentos, 2 ou 3 gritos de guerra e o meu nome.

Eu sou o fantasma que te assombra à noite? 

Sou a matéria-prima dos seus pesadelos, como você tem sido a dos meus? 

Quero te acordar, quero que você fique bem.
Mas não acordo. 

Não sei bem o porquê, mas eu não acordo. 

Eu não quero conversar, eu não quero assustar, eu não quero não entender, de novo.
Eu não preciso de mais do que acontece quando as luzes se acendem.
Fico perfeitamente satisfeita, hoje, em ser apenas o fantasma. 

Um fantasma. 

Não quero mais significar nada, eu não quero mais ter que lidar com essa angústia terrível do presente.
Só quero que passe. 

Você esperneia e agoniza, e luta as suas próprias batalhas inconscientes, e eu entendo, agora, que não é meu dever lutá-las por você, ou com você.
Você escolheu isso, milimetricamente. 

Cada peça desse pesadelo organizada com cuidado e carinho pra te ferir.
Você escolheu ganhar ou escolheu ser derrotado, no final. 

Você escolheu tudo, menos eu.

Então, por que eu te escolheria agora? 

Eu espero, em silêncio, pela chegada da manhã, enquanto eu torço por você - seja lá o que isso queira dizer - e, quase que secretamente, espero que esteja lutando por mim. 

Aos poucos, as luzes invadem o quarto, fresta por fresta, e vão se derramando no seu rosto, pescoço, tronco, e vão me alcançando. Tento permanecer, só mais um pouco, eu quero saber quem vence no final, mas não consigo, vou desaparecendo, voltando pro lugar onde os fantasmas talvez existam. 

Eu quero saber, quero saber quem vence no final.

Mesmo sabendo que não sou eu. 

47x14 Tolerância

 

Imagem: TingTing Huang

Começa devagar.
Experimento, uma vez aqui e outra ali.
É repentina a perda de controle, até demoro a perceber o que acontece.
De um dia para o o outro, começo a pensar em você o tempo inteiro, o dia inteiro, toda hora.
Já não consigo mais pensar, não consigo me concentrar. 

Penso em você enquanto dirijo, enquanto despelo uma laranja, etc etc. 

Eu tento parar, tantas e tantas vezes.

Na primeira semana, quando você partiu meu coração pela primeira vez.
E depois, e depois, e depois. 

Sinto um desejo incontrolável, súbito e intenso, marcante, como se você fosse o único do mundo, o último.
E, quando você vai embora, tento preencher o seu espaço como se uma cratera se abrisse no lugar onde você esteve antes.

Sinto dor, taquicardia, ansiedade, carência, medo e tristeza, tudo junto, ao mesmo tempo, no mesmo lugar. 

Mas a pior parte mesmo é precisar sempre de mais.
Eu quero sempre mais.
Eu quero mais de você, eu quero mais que isso, eu quero muito muito mais do que isso.
E, quando conseguir, vou querer muito mais do que você me der.
Cada vez mais, até te destruir por inteiro, até te devorar. 

Até me destruir, por completo. 

47x13 Ophelia, parte 2

 

Imagem: TingTing Huang

Dessa vez: Ophelia drowns in a pool of sorrows and misunderstandings

Mergulho a cabeça, bem fundo. 1, 2, 3 vezes. 

Tô tentando me manter sobre a superfície, mas fica cada vez mais difícil. 

Eu não entendo nada, nunca entendo nada. 

Finjo que isso não importa, mas até esse fingimento me exaure, fico cansada e durmo, um sono raso feito esse lago em que flutuo sem saber pra onde a corrente vai me levar. 

Bebo da taça de um estranho qualquer, a despeito de alguma promessa que fiz, e da qual já me esqueci. 

E quero mais, cada vez mais. 


47x12 Trilha

 

Imagem: TingTing Huang

Um só caminho, ida e volta, parece simples, a princípio.  

Viagem longa, acidentada, potencialmente fatal. Sinto um medo como nunca senti antes, e nem sei se vou, e nem sei se sei voltar. 

Não sei se quero, não sei o que quero, mas tento de todo jeito voltar atrás, voltar no tempo.

Sinto raiva, cansaço, medo.

Não me sinto poderosa ou valente. 

Me sinto só no universo, na estrada instável, sol a pino, no meio do mato e dentro da minha cabeça.

Trilha longa e acidentada, pouco sinalizada e arenosa, pedregulhos pontudos e escorregadios. 

Você nunca disse que sim e nunca disse que não e eu te digo não todo dia enquanto escalo e escorrego, eu me molho e me assusto com a possibilidade iminente de cair no abismo. 

Eu quero cair no abismo. 

Afundo na água cor de mel ou xixi e Ofélia me vem à cabeça, tudo é sempre tão confuso ou eu é que estou confusa, eu é que não sei onde começo e onde termino e onde isso começa e onde termina, uma trilha infinita, um caminho só, disse o homem, ida e volta. 

Setas brancas mostram o caminho mas eu não sei pra onde, se pra perto ou longe, se aqui e agora ou se séculos atrás. Piso em falso, e me levanto, eu chego até o fim, mas o que é o final do caminho? 

E se eu não quiser chegar ao final do caminho, se eu não quiser saber o que tem pra ver de cima do mirante? 

Eles chamam de janela, e eu só quero que seja uma janela pra ver o que acontece depois e o que tem depois do caminho. 

Vou e volto, ou tento, mas a estrada não tem nenhum tijolo amarelo, e ninguém me oferece sapatinhos escarlates. Tudo é difícil, como sempre é. 

Subidas íngremes, descidas escorregadias, joelhos esfolados, coração saindo pela boca, eu continuo, mesmo sem saber o porquê, mesmo sem razão pra continuar no caminho que já nem sei mais se é de ida ou de volta. 

Peço pra ninfa d'água que um dia habitou algum lugar pra me dizer o que fazer, pra me mostrar pra onde ir: setas brancas no caminho, setas brancas inconfundíveis e inegáveis me mandando fazer o caminho de volta, de volta pra ida, de volta pro fim, ou seria o começo? 

Eu trilho o caminho que você quer que eu trilhe, eu te sigo, eu te vejo, eu te busco, mas a sensação persiste:
Existo e não existo ao mesmo tempo, no mesmo lugar. 

Olho de cima e olho de baixo, coexisto, tão instável como jamais fui, e como nunca serei de novo. 

Eu andei o caminho, eu estive no escuro e não vi a Luz. Volto como fui (só que mais cansada, exausta), ou ainda vou,
ou estou indo e tudo isso é parte da trilha,

 
ao contrário do que diz a sinalização.

47x11 Ophelia, parte 1

 

Imagem: TingTing Huang

Ophelia drowns in a pool of possibilities, eu repito, feito uma louca, feito uma prece. 

Tenho um sonho recorrente, no qual me encontro e te encontro, morto, ambos mortos, afogados numa piscina enorme e cheia de possibilidades infinitas, sem bordas. 

Confundo mitologias, sinto como se um encanto de Merlin me pusesse completamente louca, eu ouço a sua voz e eu sei, eu consigo lutar contra irmã-irmão, mas eu não consigo lutar contra Morfeu no seu próprio reino. 

Então, eu acordo, noite após noite, no mesmo sonho, ou do mesmo sonho. 

Se me pergunto o que é real, já não sei. 

Tudo o que sei é que Ophelia de afoga numa piscina de possibilidades e eu não posso. 

Eu não posso, não posso, me afogar nessa piscina, 


mas eu não sei nadar. 

Early Cuts: Eurídice

 

Imagem: TingTing Huang

Horas de caminhada, e apenas silêncio.
A jornada é longa e solitária.
Estendo as mãos para trás, eu quero que me toque, eu preciso que me toque.
Mas ela não toca.
Só silêncio.
Eu sei que ela está ali, mas 

Onde? 

Nem um pio sequer. 

- Você está aí? - eu pergunto. Ela não responde. 

47x10 Mind tricks & unseen volcanoes

 

Imagem: TingTing Huang

Agora você vê,
agora não vê mais.
Entendeu? 

Feito um truque de mágica, por um breve segundo, eu o vejo:

Eu me sinto oca, uma árvore velha. 

E eu queria,
eu quero dormir sob as estrelas, ao pé de um vulcão ativo. 

Quero esperar com você, de você e em você. 

Dias, horas, minutos e segundos entre os planetas que não habitamos mais. 

Jet lag. 

Dividimos pão, ceia, casa, átomos e o silêncio que contém o segredo da morte das nevascas. 

Acendo velas e mais velas, sem fósforos, com o calor dos meus dedos, pra que você encontre de novo o caminho. 

E eu rezo pra uma ninfa cor de rosa pra que ela te guie de volta do mundo dos mortos, mas você olha pra trás. 

Você só existe lá atrás. 

E aqui, mas não agora. 

Ontem, amanhã. 


Agora eu te vejo
Agora, não mais.
Entendeu? 

47x09 Blood that I have bled

 

Imagem: TingTing Huang

Instável. 

É assim que ele me chama, nos meus pesadelos, uma voz no escuro, dizendo que sou instável, que nunca vou sair deste quarto. 

Mulher-loba, eu rosnava em um quarto dentro do Ragnarok, sempre junto, sempre só. 

Eu existia, naquela época, à parte do espaço e do tempo que definiam o correr dos dias e o passo da história que nunca era minha. 

Estava louca, mas eu era, e eu sou. 

Ele dizia que estava no meu sangue, uma mistura de linhagens infrutíferas e soturnas, que me tornava propensa à melancolia e me dizia, e profetizava que meu destino era matar ou morrer. 

Ou matar e morrer. 

Ele tatuou as minhas costas e meu cérebro, alquimista mortífero que tentava, desesperadamente, transformar morte em ouro, enquanto eu cuspia, vomitava e escondia o seu precioso lítio. 

(Eu não sou quem você pensa, mas eu sou quem você fez e eu serei quem você desejar)


E me dói e me alivia e me liberta saber que você estava certo. 

Está no meu sangue: mulher-loba louca, boca suja de salica seca correndo sob as luas cheias e quartos crescentes, até passar. 

E passa. 


Sem antídoto, sem o seu veneno e sem o seu sangue.
Passa.
Mas você estava certo, no entanto:
está no meu sangue. 

Não posso, portanto, deixar de me perguntar:
se você estava certo sobre isso, estava certo sobre tudo?
Meu destino é matar ou morrer?
Ou matar E morrer?

Se for, espero que nos encontremos de novo, em breve. 

Sinto que vamos, Teleborian, e você?

47x08 As mulheres que odiavam

 

Imagem: TingTing Huang

Tem um tipo de ódio que não consigo explicar, geracional, intenso, transformador, quente feito lava e frio feito a neve no topo das cordilheiras. 

É um ódio específico, ora líquido, ora viscoso, que eu tenho que experimentar, digerir, entender, ressignificar, ocultar feito o vestígio de um crime que nenhuma de nós cometeu. 

Sinto ódio, e não nego. 

Nomeio e semeio, homem, o ódio que recebi de herança é meu, até que eu passe adiante. 

Tenho ódio do que você fez e faz e fazem e fizeram e fará e farão. 

Dos dedos e medos e da chuva fina que caía sobre o meu cabelo mestiço na noite em que você não me disse não (e nem sim). Eu quero o seu bem, mas hoje não. Hoje eu me dou o direito único e irrevogável de lhe querer mal. 

E eu quero. 

Hoje eu quero que você seja infeliz, solitário, arrependido. 

Hoje eu quero que você pereça a medida em que eu floresço e escolho e sou escolhida. 

Eu desejo que você hesite e faça a escolha errada, contrária. E eu desejo, também, ardentemente -


(você)