Imagem: TingTing Huang
Ele desperta, no meio da noite (sim, ele também) e pensa, com calma e cuidado sobre a possibilidade de -
Feito um jorro de água, inicialmente fria, e depois morna, ele sente que é certo.
Lava o rosto e olha-se no espelho, toca o vidro. Gelado, ingênuo.
E não se reconhece mais.
Está cansado, cansou-se, da máscara, da farsa, da inverdade que pesa em casa passo e expressão dita ou não dita.
Acendem-se as luzes, lá fora, ou amanheceu, e seus punhos continuam em riste, já não dorme, não come.
Tem coisas, ele se lembra, que não tem mesmo jeito.
Toma 01, 02 cps e mastiga, com força, até sentir o amargor, sob o olhar atento da esposa. Tão ansiosa, tão querida, tão (tola? crédula?).
Respira fundo e força um sorriso, só mais um, ou outro, sentindo cada músculo rijo e dolorido, uma máscara aterradora.
Pergunta-se se é possível mesmo viver dessa forma mais uns 30 ou 40 anos. Só mais um pouco, sem que ninguém saiba.
A ideia causa taquicardia. Pensa nas noites insones e no medo.
O medo é o pior.
Engole comida quente sem sentir o gosto, sem prazer. Mastiga quantas vezes for preciso até engolir os pedacinhos.
Mastiga. E sente medo. Mastiga. E sente medo.
Medo que não passa nunca.
Mastiga comprimidos.
E sente medo.
Ele só quer não sentir mais medo.
As portas se abrem e fecham, e fecham, e fecham, até que não se abrem mais.
Vira a chave na porta e, quando só, uma voz grita:
"Vai!"
"Coragem!"
Ouve baterem à porta, e sabe que o tempo urge, o corpo urge.
Olha ao redor e se vê no espelho, aos 20 anos, mal se reconhece. Deixa de ser homem e se torna, de novo, bicho. Pronto para matar.
"Coragem!"
Tenta lembrar o lema do príncipe do livro de contos de fadas que possuía quando era criança. A divisa do príncipe aventureiro.
"Coragem!"
E, num rompante, ele finalmente insipira, expira, sangra e deixa cair no chão
o caco de vidro,
o sangue,
o medo,
a vida.
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