46x02 Os donos dos corpos

 

Imagem: TingTing Huang

Essa mulher, ela se senta na minha frente, e ela me diz a melhor e a pior coisa de se ouvir:
ela me diz que vai me contar uma coisa que nunca contou a ninguém. 

E, ao mesmo tempo em que eu quero decifrar o enigma da esfinge, ao mesmo tempo em que eu quero desbravar os limites da mente e dizer que eu vi seu ego nu, que eu sei as cicatrizes da sua alma, 

eu não aguento mais nada. 

E, ainda assim, a despeito do meu pavor de que me dê uma história que eu nunca vou poder contar, ela conta. 

E eu entendo o porquê de essa mulher tão pequena e morena morrer um tanto todo dia. 
Porque agora eu também morro um pouco todo dia. 

Era uma vez amor,
quando um homem e uma mulher se amam, 
e ele também ama outras mulheres, 
mas nem foi aí o início da história. 

O início é antigo, milenar, alguém um dia deixou que os homens pensassem que eles são os donos dos corpos das mulheres. 
Que amor é um certificado de posse.

Enquanto ela me descrevia o sangue e a noite, a culpa e o arrependimento que só quem carrega por anos é que conhece, eu fiquei nauseada. 
Não é das histórias que me canso, eu me canso do mundo, eu me canso não de você, moça, nunca de você e da sua voz, eu me canso de existir em um mundo tão brutal e injusto, 
não, não, eu não tô exausta pelo seu sofrimento, eu estou cansada de ter que te ver resistir e carregar um peso que todo o escitalopram do mundo não tira, um vazio que esse depakene não vai preencher. 

Perdão. 

Eu queria poder fazer melhor, eu quero poder fazer melhor. 
Por mim, por você, por nós duas.
Por nós todas. 

Mas hoje, só hoje, o que eu tenho é isso: dois ouvidos, uma boca e a capacidade de guardar segredo. 

Serve?

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