Imagem: TingTing Huang
Encosto a caneta no papel e minha mente fica automaticamente vazia.
Eu não me sinto vazia, me sinto derramando.
Caminho pelo labirinto. Às vezes, é dia. Às vezes, é noite. às vezes, um meio termo, sem nunca passar pelo mesmo lugar duas vezes.
Ou, talvez, sem jamais ser a mesma pessoa passando pelo mesmo lugar duas vezes.
Complicado.
Vou deixando migalhas, que os pássaros e as pessoas comem, me perco,
Feito Ariadne, ou era Medeia?, ou eu sou Medéia, nem me lembro, desfio as roupas e amarro pelos galhos, deixo um rastro de fios pra trazer de volta alguém que já foi embora.
(Às vezes, tenho a impressão de estar vivendo a história toda ao contrário. Não era pra eu estar lá fora? Quem é o herói dessa história, tô entrando ou tô saindo?)
Já nem me lembro.
De vez em nunca, até me pergunto, olhando meus cascos brilhantes, patas peludas, se---
Não.
Sacudo a cabeça, como se a ideia fosse uma mosca a fazer zoada no ouvido.
Pra onde ir?
Estou saindo, estou chegando.
Onde fica o meu lar?
Minha respiração solitária vai se adensando, quase um pequeno fantasma de névoa, uma companhia.
Sinto falta da voz de alguém. Há meses, meses que não ouço, 1 ano já. Tudo agora me parece tão vago, cinza.
Na minha mente, a voz de minha mãe, a bênção, o cheiro do ar e do mar.
Sinto que andei tanto, que me distanciei tanto do centro, meu coração bate na goela, rápido.
Sinto o gosto do meu sangue, o gosto do sangue de homens e mulheres que se sacrificaram pela minha divindade, pela minha sobrevivência. Eu os honro sob a lua negra, e sigo em frente, rasgo meus braços na sebe crescida, os galhinhos puxando meus cabelos e ricocheteando no meu rosto.
Corro.
Eu sinto como se pudesse sair voando, eu sinto o gosto do sal, eu sinto a textura da pele, da carne, eu sinto o cheiro do útero da minha mãe, eu sinto como se nada, absolutamente nada, pudesse me derrotar, eu sinto como se fosse eu a dona do meu próprio destino.
Então eu corro, e corro e corro até
Antes de vê-lo, eu sinto o seu cheiro, de suor salgado, jasmim e menta. Eu ouço sua túnica e seus sapatos em contato com a pele, eu sinto sua hesitação pulsando nas minhas veias. Eu sinto o cheiro do seu medo, azedo. Ouço seu coração bater rápido como o de um beija-flor.
Instintivamente, eu me escondo nas sombras pra vê-lo melhor, prendo a respiração.
E ele aparece, parcialmente iluminado pela lua negra. Um homem, mas diferente. Empunhando uma espada e uma bola de fios carmesim, que brilha, pulsa.
Um herói.
Um herói, como os das histórias dos homens, enviado pelo Pai pra me libertar das correntes do centro desse labirinto infernal.
Um herói, pra me reconduzir ao trono.
Quero avançar na direção dele, mas paraliso. Não consigo me mover, não consigo ir até ele.
Não sei o que é isso que estou sentindo, mas espero um momento, um segundo, inundada por algo que nunca senti antes, que nem sei se sei nomear,
meu corpo todo, eletrificado,
alerta,
os pelos eriçados
coração explodindo no peito
vontade de correr e gritar
Ele se aproxima e eu só tenho um segundo pra decidir
se é amor ou medo,
antes que tudo se dê como era de se esperar.
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