26x08 Kübler-Ross, parte 1

Imagem: TingTing Huang

Denial

Acordei no chão da sala.
Você não era mais meu.
Meu.
Você nunca foi meu, você não podia ser de alguém.
Que pena.
Dei de ombros, fui pra aula.
Vi você. E te reconheci como algo a parte, alguém que não era meu, que não era eu, que não era parte de mim. Era só você e eu era eu. Fui pra casa sufocando, sabendo que quem sufocava e morria era o nós, e que eu sobreviveria a ele. A esse nós e a muitos outros que não envolveriam você.
Senti sua falta.
Comecei a esquecer coisas, números, informações, a me irritar com tudo e todos - cada comentário , cada história, cada pedaço de informação -, fiquei apática, morta, cansada. Deixei de dormir. E, quando dormi, tive sonhos vívidos, incômodos, tolos, que me faziam acordar às 3 da manhã e ficar olhando pro nada, pro teto, pro chão.
Era abstinência.
Queria falar com você. Sobre tudo, sobe nada. Sobre nós. Sobre provas finais. Sobre filmes ou pacotes de internet.
E falei.
E me senti estúpida, tão pequena, tão boba, tão mimada, tão fraca.
Passei a te escrever mensagens em origamis que eu sei, embora não vá admitir, que eu queria que você lesse.
Eu queria você. E juro que achava que não, achava que não estava sentindo nada e, talvez, não estivesse mesmo. Foi uma época estranha.
Eu te queria, como sempre, como antes, e sabia que nunca mais iria te querer de novo.
Eu já vivia minha vida como se você não tivesse existido e isso doía, mas era uma dor surda, à qual me acostumei rápido.
Ocupei o tempo. Todo ele. Cada segundo.
E você morreu em algum canto da minha mente.
Fiz as provas, falei com você, mas você não era você. O você que eu amava estava jogado em um canto de mim e, a cada vez que nos falávamos, eu percebia, com mais força: não era você.
Dessa vez, eu não podia confundir os dois, eu não ia confundir os dois.
Comecei a beber, quando as aulas acabaram. E só fiquei sóbria na manhã em que voltei pra casa. Tinha que dirigir. E, então,obtive permissão pra morrer também, pra secar e murchar.
Mas eu estava ok.
Conversamos. Você até falou comigo.
E foi quando eu entendi que te amava. Que te queria bem. E que não iríamos voltar. Que esse tempo todo eu tinha sufocado, em parte, o alívio por não estarmos mais juntos. Por não ter mais a oportunidade de te magoar.
Adoeci uma, duas, três vezes.
E quis você. Mas você nem existia mais.

Era só eu,
como tinha que ser.

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