Imagem: TingTing Huang
- Por que você me ama?
Olho pro céu incrivelmente azul dessa Brasília louca. Matei mais uma aula e tô aqui, deitada no meio de tudo, na grama, feito louca.
- Porque você não existe.
- É claro que eu existo. Você está falando comigo. Você acredita em mim. Portanto, eu existo.
Reviro os olhos.
- Já falamos sobre isso. Você não é real. Você só existe na minha cabeça. Eu estou ciente disso, e você também.
- Mas o doutor disse --
- Disse que não teria problema desde que eu entendesse que você não existe.
Ele se deita do meu lado, segura minha mão.
- Como é que eu posso não ser real? Eu estou aqui, eu sempre estive aqui.
- Eu sei. Mas você é só um reflexo do meu subconsciente. Você não está aqui de verdade.
- Como você sabe?
Olho nos olhos dele, todos os argumentos médicos na ponta da língua, textos repetidos e decorados desde sempre, escritos e reescritos, um monte de palavras difíceis que só faz sentido pra quem não pode estender a mão e tocar o rosto dele, sentir fios de cabelo finos e curtos, quase invisíveis a olho nu, roçarem as pontas dos dedos, a textura do pescoço, o jeito como as pupilas dele se dilatam com uma rapidez impressionante.
- Eu não sei. Eu só sei.
- Talvez, só talvez, já pensou na possibilidade de eu ser real,
e você não?
Fecho os olhos, enquanto ele me fala de um mundo no qual eu sou só um eco. Eu não sinto dor, eu não me importo, eu só existo sem existir, sem ter que decidir, eu só preciso ser.
E eu sinto--
Eu me sinto bem.
- Ei. Volte. Não faça isso. - ele aperta minha mão de mansinho - Sabe por que eu te amo, B.?
- Hm --
- Porque você existe. Não é simples. Dói muito. Mas você consegue, você existe. Levanta daí, vamos pra casa. Você vai dormir um pouco e tudo vai parecer melhor. Eu prometo.
Fecho os olhos de novo.
- Mas e se eu --
- Por favor. De novo não.
Não digo nada, dobro minha blusa de frio, guardo minhas coisas e vamos pra casa, imersos em diferentes tipos de silêncio.
Tento ler a mente dele, desse reflexo do meu subconsciente e não consigo.
Não me surpreendo, afinal
existem coisas sobre as quais não penso.
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