30x15 Fuerte - A walkthrough

Imagem: TingTing Huang

Passo a mão nos cabelos que não tenho.
Me olho no espelho, avalio meu corpo.
E eu não sou bonita.

Minha pele não é bonita, minha cor não é bonita, nem as costas, os ossos, a bunda.
- Você não é bonita, o espelho diz, e eu já ouvi isso tantas vezes que nem ligo.

Esse cansaço estampado no rosto, esse medo, o gosto estranho da boca. Eu não sou bonita. Os rapazes não me olham nos corredores, não me admiram, não me vêem.

E eu percebi, espelho, que não me importo tanto assim.

Ser bonita, moça bonita, deitada na grama, com laço de fita, linda e cheia de graça, possuir o essencial, -- bom, é bom. Deve ser muito bom.

Mas
Eu me interesso pelas pessoas.
Eu faço rir.
Eu sei cantar "Ainda é cedo".
Eu já li "Os meninos do Brasil", tenho HQ's favoritas. Eu gosto de seriados, eu conheço coisas, eu faço coisas.

Ser bonita deve ser muito bom, mas
eu não trocaria aquele momento em que você descobre que sua banda favorita é a banda favorita dele.
O momento em que ele diz que seus olhos são lindos, em que ele encontra beleza em você, beleza que você nem sabe que tem.
Aquele apaixonar-se pelos seus detalhes, aquele te achar bonita quando as luzes se acendem.

Eu não sou bonita para os padrões atuais.
Nem para os meus padrões.

Mas eu consigo gritar a letra de Elastic Heart,
sei multiplicar frações.
Ô moço, eu sei tanta coisa e não preciso provar que sei.
Nem preciso ser melhor do que as moças bonitas, nem sou melhor do que elas.

Eu sou quem sou, e você pode achar bom ou não.

Eu fico zangada. Muito facilmente.
Sou mal-humorada, assusto criancinhas, agressiva, acordo com o cabelo todo bagunçado, cheia de frescuras com comida, tenho medo do mundo e daquela cor que não é verde nem azul. Não gosto de gente conhecida, nem de bicho, nem de nada. Gosto mesmo de livros, muitos, vários.
Leio tudo na ordem.
Assisto tudo na ordem.
Amo na ordem.
Mas sou um caos.

Eu beijo. Até o som da palavra beijar me deixa feliz, falo com gosto. Eu beijo.
Mas eu magoo as pessoas.
Durmo tarde, acordo tarde.
Não gosto muito de limpar a casa, mas gosto de arrumar o guarda-roupa.
Amo vestidos.
E amo ficar bonita pras pessoas de quem gosto.
Sou muito muito orgulhosa. Demais pra certas coisas. Então, se eu disser que errei, valorize isso.
Peço desculpas o tempo todo. E me sinto um pouco lixo quando o faço muitas vezes. Sinto como se estivesse me diminuindo. Então parei um pouco. Tô tentando substituir desculpe por "obrigada".
Não gosto de conflitos, mas não consigo evitá-los. Parte de mim tenta a todo custo dizer "vamos parar aqui, vamos não brigar", e a outra parte só quer chegar distribuindo socos.
Eu afasto as pessoas. O tempo todo. Estou sempre afastando alguém. Geralmente, essa pessoa que afasto é alguém próximo demais. Proximidade me assusta. É como se, de repente, fosse tudo ou nada. Eu tenho que me mostrar por inteiro e, ao mesmo tempo, eu tenho que tirar essa pessoa de perto, eu não quero que ela veja o que tem pra ser visto.
Sinto que ninguém me conhece de verdade. Ao mesmo tempo, tento ser o mais previsível possível. Segura.
Acho que sentir-se seguro é algo que todo mundo quer.
Sofro de insegurança crônica. Em todos os aspectos da vida.
Eu nunca serei boa o suficiente.
Pra mim.
Nunca.

Às vezes, me pergunto se preciso de ajuda profissional mais específica.
Eu falo sobre isso com o Dr. House, como falava com o Teleborian. Mas tenho dificuldade em entender que parte de mim tem conserto.
Eu posso não ser mais insegura? O mau humor é parte da minha personalidade?

Tenho medo de mudar.
Eu finjo. Muito. Adquiro capacidades. Mas não mudo.
Percebi isso há uns meses quando comi um filé de alcatra (quando o que queria mesmo era comer umas batatas com sorvete de casquinha)
A verdade é que tenho medo de que a mudança me mude.
Há que se mudar para que o mundo não mude. Mas eu não me importo com o mundo.

Eu me importo com pouquíssima coisa, a bem da verdade.
Minto, eu me importo com coisas pequeninas.
Muitas, muitas.

Minhas unhas dos pés estão azuis.
E eu não sou bonita.

Mas isso é lindo, uma combinação única de coisas, de cores, de sabores,
que me faz ter pena de você
e de quem quer que ela seja.

Porque ela é bonita. Ela é inteligente. Ela tem uma saia vermelha e já viajou pelo mundo.

Mas ela não lia Harry Potter debaixo das cobertas, não tem um conto de fadas favorito que envolve gigantes e olhos cor de violeta, ela não sonha que é uma princesa azul brilhante nem usa o casaco do avô quando precisa ser forte.
O cabelo dela pode estar lindo pela manhã, mas ela nunca vai sentir o seu cheiro como eu posso. Ou enxergar suas cores como meus olhos fazem. Pode até ter lido o livro da Rebecca Brandenwyne e achar que o último livro que vai ler na vida tem uma menina de olho azul na capa, mas ela nunca vai sentir o mesmo aperto no peito quando tua voz lê a dedicatória de um livro pela primeira vez.

Ela é sensível, incrível, maravilhosa, beija melhor do que todo mundo no mundo, cheira bem, come toda a comida sem frescura, está feliz 24 horas por dia, não assusta nem afasta, mas homem, ela nunca foi atrás de uma poesia desaparecida com tanto afinco.
E nem evitou beijar quem pudesse amar, só pra não trair a memória de outra pessoa.

Pode ser que ela também tenha ouvido a trilha sonora de Once e se apaixonado por McCandless, mas será que ela já usou a palavra Mazelas? Talvez ela faça os melhores mojitos e goste de Girls, saiba cantar "Tompkins Square Park" e recitar até Camões.
Vai ver o pai dela também não é muito presente e não deixava ela brincar de casinha.
Mas ela nunca, nunca
vai sussurrar as mesmas músicas que eu sussurrei no escuro, enquanto desejava que você chegasse.

E ela pode até conhecer a força de que se precisa pra acordar pela manhã e encarar um dia medíocre no qual você não está presente - ou pior, está. Pode até saber de quanta força eu preciso pra chegar em casa e não chorar, de quanta força eu preciso pra não pensar nas coisas nas quais não penso.

Mas ela nunca vai saber, e nem você,
da força necessária pra te colocar fora da visão, pra deixar cair as roupas na cama e notar que todas têm um pedaço seu, a força necessária pra apagar da mente os pedaços exatos que me dizem algo de bom. A força pra reconstruir mentalmente certas luzes, a penumbra, as nuances de cor, o horário preciso, a sensação, a dor, o gosto.
E a força que se faz pra guardar tudo isso no canto mais escuro da mente, inacessível, trancado, guardado por cérbero, maldições de todos os professores de Hogwarts.

Disso só eu sei.

E continuo a não ser bonita,
mas sou forte.

Aí você diz que não é o bastante.

Bom,
você é um babaca.

Boa noite

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