38x18 Uma confusão de sensações, sons, pessoas e etcetera

Imagem: TingTing Huang

Não acordei meio Audrey Hepburn. Não me espreguicei e bocejei bonito,
é só mais um dia de escovar os dentes rápido demais, lavar o rosto com água gelada e tentar acordar.
Hospital, diálogos, uma discussão, jalecos, gluconato de cálcio, e a tarde livre pra não estudar quando devo estudar

Porra, eu tô cansada, perdida no espaço-tempo, 11 conversas não lidas, no mínimo, que eu não posso ler, eu não quero ler, eu não vou ler.

Não, eu durmo por umas 4 horas e depois acordo com uma puta dor de cabeça, eu me sento de pernas cruzadas no sofá e olho pra parede branca.
Estável.
Cansada, mas estável.

E meu coração fica leve porque eu tô bem. Sabe como é difícil ficar bem?
Eu sei de coisas, eu fiz coisas, que ninguém quer saber, sobre as quais ninguém quer ouvir, ninguém pode ouvir.
Eu respiro fundo e ainda sinto medo, mas
talvez eu esteja pronta pra lidar com ele.

Cansei de ficar sentada esperando que as coisas passassem ou acontecessem, que um esquecimento milagroso tomasse conta de mim e me levasse pra longe dessa necessidade constante de estar não pensando no que houve em janeiro, seja me enchendo de ocupações, de segredos, de livros, de séries, de álcool e outras coisas igualmente ineficazes.

Ah, não. Você, de novo.
Mas é só você.
Eu fico com medo, meu coração dá aquele pinote de medo de que eu me importe demais. E eu até me importo um pouco.
Mas aí uma voz na minha cabeça me lembra que a noite passada foi incrível e que você não existiu nela, nem por um segundo.
E isso me surpreende, me deixa tão feliz que eu quero que você fique feliz.
Porque querer o contrário não faz bem pra nenhum de nós.
Seja feliz, homem.
Mas longe de mim, por favor.

Aí tô em casa e sinto essa vontade maluca de entender certas coisas sobre a vida e elas me acolhem, me acalmam, me acalentam, me deixam deitar no chão e ouvir o barulho do tecido, sentir o cheiro de pano, o calor, o frio.
Elas não precisam nem me dizer pra que eu saiba, vai ficar tudo bem.
Porque eu tô sentindo, eu consigo sentir algo surdo, lá no fundo de mim, tentando voltar à tona, consigo sentir o cheiro da intensidade de mim pronta pra voltar. E eu tenho medo, sim, muito.
Mas isso sou eu também.

A mãe me beija no rosto, duas vezes, e eu sei que vai ficar tudo bem, mesmo que eu não entenda como, quando ou onde. Eu não quero saber, eu só quero esperar por isso, mesmo sem saber o que é.
Tá aqui, na ponta da língua o nome dessa coisa que tô sentindo nas costas, no peito, essa tonteira, eu sei o que é, eu já peguei isso antes, é a época do ano, é o chão de madeira da casa de um dos meus melhores amigos, a conformação dos astros, o nome começa com alguma letra que me remete à cor do pôr do sol de um fim de semana bom e era o cheiro que eu senti no cabelo do meu melhor amigo desse último fim de semana, a textura da bochecha dele na minha boca, e aquele tocar, aquele amor.

Não, calma, acho que é algo que tem a ver com o fato de que eu nunca dei tanta risada ao maratonar um seriado com alguém que amo.
E não me importo por ter perdido umas horas de sono pra ficar com ela.

Acho que essa sensação surda tem a ver com o gosto do chocolate que eu compro no mercado e como sozinha, com a silhueta desse cara na varanda do prédio da frente, um gosto de frutas vermelhas que eu não sei onde senti.

Eu nem sei onde esse texto vai dar, eu só queria escrever sobre esperança, sobre essa sensação nova e mais antiga do que tudo o que já senti, mas eu não quero só escrever que tô assim, porque eu tô mais que isso, tô de novo com saudade de quem ainda nem conheci, tem algo nas pontas dos meus dedos querendo encontrar as pontas dos dedos de outra pessoa e eu não sei como fazer isso, eu só

Eu só

tô com vontade.

É, caralho,
vontade.

Depois de todo esse tempo,
finalmente.

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