39x10 Magnetic North

Imagem: TingTing Huang

Eu não sei que música colocar. Eu não sei que roupa vestir.
Eu não quero vestir preto pro teu funeral.
Eu não quero ouvir a música que tocava naquela noite, eu não quero ouvir algo que queira dizer algo.
Queria que chovesse, mas faz um calor ameno e o céu continua lindo. Você morreu e a temperatura nem mudou, e o mundo não age de acordo.

Meu celular apita, descontrolado, nenhuma prova foi cancelada e nem as pessoas me deixam chorar em paz.
E eu também não quero chorar.

Tudo errado.

Essa música triste tomou um significado feliz, tem até um cara sorrindo nesse vídeo, por Deus.
Coloco minhas roupas, um vestido colorido pra dançar, que faz um efeito incrível quando eu giro. Eu não quero me sentar e chorar, eu quero sair pra dançar, meu coração tá batendo, tem sangue fluindo por todo o meu corpo, pequenos focos de energia que aparecem e desaparecem e me tornam capaz de sentir milhões de coisas em um segundo. De sentir a tristeza pela sua morte, a felicidade pela sua breve existência e a vontade de descobrir o que mais tem por aí.

Meu cabelo tá macio, cheiroso, enrolado, meu corpo tá pedindo atividade, uma massagem nas costas e um beijo na boca daqueles que demoram uma eternidade pra acabar.
Eu quero chorar, quero acender uma vela pro teu cadáver, eu quero limpar meu batom e prender meus cabelos em um coque austero, sair em um dia cinzento pra chorar tua morte atrás dos meus óculos escuros, mas a verdade é
já faz muito muito tempo que você morreu pra mim.

Eu já vivi essa dor incontáveis vezes, choramingando no balcão de alguns bares, mesas de cafés, fast-foods, sob as páginas arrancadas dos meus livros, diários e guardanapos, abraçada ou não à garrafas de vinho, catuaba e latas de guaraná.
As cartas do tarô previram sua morte incontáveis vezes, pra que eu me preparasse e eu acho que eu finalmente fiz isso, então não é uma grande surpresa que tenha acontecido.

E é, talvez você mereça uma cerimônia bonita, umas flores, algumas palavras e eu juro que esse texto correu na contramão da minha vontade de colocar uma música bem triste e escrever sobre o quanto você é incrível, mas sabe, será que você foi mesmo? Quero dizer, eu nem sei se você realmente existiu ou se eu montei seus pedaços e preenchi as lacunas com coisas que eu queria que tivessem acontecido.

Minha intenção era escrever um texto bonito, Magnetc North, sobre como eu sempre acabo onde você está, mas a verdade é que meu norte tá apontando pra quilômetros de distância de você, um mundo novo que eu ainda vou desbravar, onde eu vou sangrar, eu tô a dezenas de livros de distância de você, dezenas de episódios, de histórias e de lágrimas.

Um dia desses, eu prometo visitar seu túmulo, comprar flores, quem sabe, eu prometo contar boas histórias sobre você, Mas isso é tudo. Porque a única coisa que eu me lembro de verdade sobre você, nesse exato momento, é que você não tinha nada pra oferecer.

Bom, eu tenho.

A gente se vê.



Sem pressa.

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