39x11 The breakfast club

Imagem: TingTing Huang

Aperto o interfone, a voz de Larissa me deixa subir: eu trago oferendas, pão, leite.
Tô feliz, é dia de reunião de família.

Família antiga, desajustada, minha, entro na casa imaculada, branca, clara feito hospital, cheiro de desinfetante.
Cumprimento a empregada com um bom dia que eu acredito ser simpático e ela sorri, devolve.

dia bom, dia diferente, sem drama, sem coisas quebradas, todos de banho tomado, até mesmo eu.

Entro na cozinha, não tem abraços, mas todo mundo sorri pra todo mundo. Larissa, magra feito um espeto, corta frutas na bancada. David pega queijo na geladeira, peito de peru, ele parece animado, sempre animado.
Falta gente na nossa reunião, sobram lugares à mesa, Sofia, Al, Ulrika, Marcela, Gideon. Felipe. Mas não falamos sobre eles.
Só dessa vez, só hoje, queremos ficar estáveis.
Só hoje, Larissa finge que não tem medo de altura, velocidade, de certas cores e assuntos. David fica manso, relaxa, deixa caírem as barreiras.
E eu finjo que tá tudo bem, que eu não consigo ouvir mais nada, que eu não sei de nada.

Comemos, até explodir. Larissa me conta sobre esse livro que está lendo, David me pergunta sobre coisas amenas, minha família, minha escrita, só uma família de margarina tomando café da manhã, sem um pingo de sangue pra manchar o chão.
É tão normal, tão natural, tão bonito que eu quase acredito.
Eu quero acreditar na nossa estabilidade, na nossa capacidade de ficar assim, exatamente assim, e eu não quero voltar pra casa, eu não quero sair desse lugar, eu quero ser presa aqui também, no seu manicômio de luxo, onde eu posso ser normal.

Onde o normal é ser assim, onde tudo é claro, ninguém me toca, ninguém me força, ninguém finge saber o que tá acontecendo na minha cabeça.

Mas a comida acaba mais rápido do que deveria, o domingo de manhã escorre por entre os nossos dedos e meu telefone já apita, já me chama de volta. Só que eu não quero voltar.

Nos despedimos, Larissa me abraça forte e ela cheira tão bem, não tem cheiro de medo, de suor, de álcool. David me beija a testa, me oferece a força que um dia eu já tive.

Eu só quero sobreviver até o próximo domingo.

Eles entendem, sem que eu precise dizer e me cobrem de beijos, de até logos, de obrigadas, de voltes, de qualquer coisa que só quem conhece esse tipo de insanidade consegue passar.
Uma vontade gigante, desesperadora, de conseguir chegar até o próximo ponto fixo.

- A gente se vê? - ela me diz.
E eu aceno com a cabeça, várias vezes.
Ela acena também.

A gente se vê.
A gente consegue.

A gente sempre consegue.

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