Imagem: TingTing Huang
Já considerou o fato de que já nos conhecemos?
Eu te peguei no colo pela primeira vez,
fui seu pai,
sua mãe.
Eu dei o seu primeiro beijo,
eu cortei sua garganta e corri, suja com seu sangue.
Estamos destinados um ao outro, magneticamente atraídos, estrategicamente colocados em milhares de tapeçarias, que repetem diálogos, alterando detalhes, alterando cenários.
Você teima em nascer sob a mesma lua, enquanto eu dou meu primeiro grito ao pôr-do-sol.
Já nos conhecemos em uma praia, sob o sol escaldante de um deserto, enquanto você corria pela sua vida, quando eu nem sabia o que era viver.
Eu fiquei enjoada com o balanço das ondas e você voava pelos mastros e deu nós certeiros e seguros.
Eu queimei sua pele com o fogo dos meus ossos,
eu queimei sua pele em uma pira funerária e sobrevivi à você, na esperança de nos juntarmos novamente.
Minha carne febril tocou seu rosto,
e você foi o último homem do meu universo,
o primeiro,
o único.
Você me acolheu na noite da revolução,
e caminhamos pelos trilhos de trem na noite escura e fria,
seus óculos embaçando, com a fúria e a paixão das nossas expirações.
Eu dei banho no nosso primeiro filho em uma manhã fria,
você voltou pra casa cansado
e assistimos à TV usando pijamas.
Eu conheço as pontas dos seus dedos como se fossem as pontas dos meus dedos
e a sua boca é um extensão da minha.
Eu não me lembro de outras, mas me lembro da sua, mesmo sem jamais tê-la beijado,
porque eu a beijei antes.
Em outras épocas, outros mundos,
daqui a alguns anos,
décadas,
milênios,
em outro universo,
outra galáxia,
num mundo de cabeça pra baixo,
com teletransporte e um sol que faça sua pele ficar cor de rosa.
Eu termino de escrever esse texto,
aperto a sua mão
você me diz que anda tenso, que tem medo que a gente se separe, se perca,
mas eu não tenho medo,
não tenha medo
nós temos essa vida toda pela frente
e outra
e outra
e outra.
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