Imagem: TingTing Huang
Compro pipoca, tô sentada esperando o momento certo pra abrir meus mentos, mas o filme não começa, as cortinas não se abrem.
Pandemônio, o filme sumiu, o projetor quebrou, ou a atriz coadjuvante simplesmente decidiu que queria o papel principal e, birrenta, trancou todos os atores no camarim.
Tem uma garota na minha frente, olhando pro encosto da cadeira à frente dela, sentindo-se como lixo, só e suja.
Não sei como é seu rosto, mas conheço seus cabelos e seus pensamentos.
Mais alguém grita, revoltado, que o filme já começou para as cadeiras lá de cima, que lá a pipoca é amanteigada e as pessoas não precisam se sentar no chão pra assistir ao espetáculo.
Percebo, então, que muita gente se espreme no chão, entre os espaços de passagem, entre as poltronas. Mulheres e homens negros, gente faminta, alguém me acena, mas eu desvio os olhos, encolho os pés, abro espaço, ou acho que abro, mas me agarro à poltrona, com força. Não quero descer daqui.
Olho pro lado e alguém checa o celular, esperando uma mensagem que nunca chega.
Uma mulher dialoga com a pessoa sentada a seus pés, e outra coloca os pés sobre ela, que não reclama.
Do meu outro lado, um rapaz decide pegar na mão de uma moça bonita, e eu desvio o olhar e mastigo.
Mais gente chega, pisando nas pessoas nos corredores, e aquilo me machuca. Fecho os olhos, mas não consigo, não consigo não olhar.
Atrás de mim, as pessoas se levantam aos poucos, brigam e xingam, até conseguirem sentar, dividindo a cadeira com outra pessoa, que xinga, empurra e bate, enquanto a pessoa que conseguiu forçá-las a dividir o espaço aguenta firme, e espera que as coisas comecem.
Agarro-me aos braços da poltrona com força, ocupando meu espaço inteiro, sem aperto, meu espaço, MEU espaço,
aí a vejo, sentada no chão, aos meus pés, olhar firme, desafiadora como quem diz "eu não preciso das tuas migalhas".
Tô aqui em cima e tenho medo, mas não quero mais ter, quero ser forte assim, uma vez na vida.
Chego pro lado, dou espaço.
"Vem", eu chamo.
Ela olha pra mim, olho pra ela, a gente se entende.
De forma surpreendente, a poltrona é grande o suficiente pra nós duas.
Faço as contas, olho pros lados.
Como é que ninguém percebeu que, se todo mundo dividir o lugar, ceder o espaço, vai ter pra todo mundo?
E foi assim, pensando assim, que comecei a ver o espetáculo que já acontecia há muito tempo.
Sem spoilers, caro leitor,
mas não é preciso muito.
Você pode vê-lo também.
Abra os olhos.
36x13 The view from the cheap seats
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