37x16 Capitolina

Imagem: TingTing Huang

Acordo, no meio da noite.
Sonhei com você.
De novo.

Olhos de ressaca.
Olhos de ressaca.

Coloco a água pra ferver, com um saquinho de chá lá dentro.
Engulo um, dois, três comprimidos, com água da torneira, que me seca a boca, ao invés de umedecer.

Os remédios não fazem efeito rápido o bastante, porque eu começo a me lembrar
E eu não quero mais me lembrar.
Porque eu não sei o que houve.
E minha imaginação fértil teima em preencher as lacunas.

Ouço coisas,
vejo coisas,
mãos tocando corpos
esse intervalo gigantesco de tempo
eternidade

Começo a chorar, a soluçar
e a implorar
pra que ela tire as mãos de você
mesmo sabendo que isso é só uma memória
e que eu não posso mudar o final da história.
Mas eu tô tentando argumentar, com meu passado
eu tô tentando entender,
tentando descobrir
juntas as peças que eu não tenho mais
mas eu só consigo ouvir seu coração bater forte
e choro
porque não é por minha causa

Fico tonta com as possibilidades,
e odeio
odeio
rasgo meus braços com as unhas,
meu rosto,
minha dignidade,
minha sanidade.
A água ferve, borbulha, derrama, mas eu não desligo o fogão.
Perdi as forças
Mas você não se importa.
Não é do seu feitio se importar.

Procuro algo teu pra queimar, mas não tenho nada.
Eu não tenho nada.
E preciso queimar algo
pra me sentir melhor, pra me sentir inteira
Não consigo respirar, não vou conseguir respirar
se não queimar algo que tenha significado algo pra você.

Então,
Olhos de ressaca,
eu pego a panela cheia de água fervendo, com toda a delicadeza do mundo, desligo o fogo, caminho até à pia
e despejo toda a água sobre o meu braço.
A pele fica vermelha, murcha sob meus olhos.
E eu digo a mim mesma que nunca senti tanta dor, que nada poderia me causar mais dor
mas não é verdade, é?

Não é verdade,
é?

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