Imagem: TingTing Huang
N.A.: Eu não tenho coragem de digitar o texto original, não por completo, seria desnecessário. É raiva pura, tristeza, decepção. Mas está aqui porque tem que estar aqui. Eu conto histórias. Mesmo quando não gosto delas. Esse texto é sobre mulheres que conheci, mulheres que seguraram caladas, seguraram o choro até quando deu pra segurar. Digam, mulheres, digam: viver assim dói.
Seu nariz tá sangrando, eu tô sangrando, minto, esse sangue não é meu, largo a pedra no chão e corro pra casa, tranco a porta do banheiro e tomo banho, longo, pra me sentir limpa.
Mas continuo sangrando, um sangue que não é meu escorre das minhas unhas com esmalte descascado, gosto ruim na boca. Por que?
Porque sim, porque a vida é sim.
Ou não é? Como é que se diz, como é que eu grito as coisas que não se diz a ninguém? Se eu não consigo dizer pra mim, se eu não consigo traduzir e entender, eu tô pensando, eu tô me esforçando, mas não quero passar os dias a colocar e tirar máscaras de mulheres, crianças e monstros. Eu quero dizer as coisas que não podem ser ditas.
Mulher, diga. Diga.
Precisa doer se dói, mas ela tá com medo, tá com medo de, tá com medo de quê? Diga, mulher, diga.
Não digo. Me queima a boca, me queima a boca, me queima, não digo. Diga, mulher, só diga o que precisa ser dito.
Não dá, não dá.
Filha da puta, abra a boca e diga o que tem pra se dizer, você tem tanta gente junta lutando pra sair, diga o que não se diz.
Pois bem.
Eu tô chateada, eu tô me sentindo vilipendiada, enganada. Porque ninguém é obrigado, mas eu faço o que é preciso. E não é só hoje, nem até amanhã, por um ano ou 500 dias. Demora a passar, fica grudado feito o suor em dias quentes.
Não me machuque. Eu não quero me machucar. Nem antes, nem durante, nem depois. E eu tô machucada, eu tô triste com essa porra de ferida que não sara nunca, que vai e volta (às vezes, até pior do que antes). Vá tomar no cu.
Filho da puta, escroto, fodido, nojento, porco maldito, eu odeio você.
Porque você está me machucando e ninguém pode fazer nada sobre isso. E eu não consigo deixar de ser isso, você não consegue deixar de viver porque, bom, você já sabe o porquê.
Essas coisas não devem ser ditas a ninguém, mas eu te odeio. Você é nojento e revoltante, te falta tato, senso ou qualquer coisa que me obriga a tentar ser sempre ok, que me faz não te apedrejar nas ruas e rasgar seu peito. A falta disso me faz ter nojo de mim mesma, da minha pele, do meu passado, das minhas palavras e da minha voz.
Eu odeio você.
Odeio odeio odeio, e isso não se diz, talvez nem seja verdade. Mas alguém tinha que dizer.
E eu disse.
E quero continuar dizendo, dizendo e dizendo que não quero magoar ninguém, que eu digo a verdade, que eu não machuco as pessoas, que eu amo e sou capaz de amar as pessoas sem machucá-las. Você não é. Eu sou capaz.
E mesmo quando não pareço ser, eu tento e tento o quanto posso, e vou continuar tentando.
Eu te odeio.
Tanto, tanto que machuca e confunde.
E eu não deveria dizer isso a ninguém, mas você não vai mais me queimar, cortar minha língua e me partir em pedaços.
Eu te odeio e não sinto muito
por sentir tanto.
(Queria ter te dito isso, mas não por telefone. Eu precisava voltar. Colocar as coisas sob uma perspectiva diferente. Entender, fazer sentido. E percebi que, realmente, essas coisas não devem ser ditas a ninguém. E nem sentidas por ninguém)
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