38x01 Lembrol

Imagem: TingTing Huang

- B.? Você ouviu o que eu disse?

Eu não ouvi.
Ando distraída, comunicativa, me sentindo horrível, insuficiente, incompetente.
Eu estava pensando sobre essa fotografia.
Eu não me lembro sobre o que estava pensando.

Tenho que estudar, tenho que agir, mas tô parada olhando pro nada há uma hora.
Eu não estou mais aqui.

E, mesmo que não consiga me lembrar de onde estive nos últimos minutos, nas últimas horas, eu sei.
Meu corpo está se lembrando.
Como um efeito tardio,
sinto me tocarem quando não tem ninguém por perto,
acordo e respondo algo que ninguém me perguntou,
sinto essa vontade de fazer algo que não sei bem o que é, de dizer algo.

Você vê,
penso em você.
Quando danço
quando como
quando dirijo
e quando calço meus sapatos.

Quando danço.

E eu estou cansada, tão cansada
de me sentir assim.
Eu estava amarrando meus cadarços, no outro dia
e amei você, toda a sua existência e cada átomo que faz parte do seu corpo.
Mas eu não quero mais.

Você me dá colo e diz que vai ficar tudo bem,
mas não vai.
Nunca mais vai.
Não importa o que você diga,
não importa o que elas digam.
Nunca mais vai.

Então eu marco meu corpo, apago as chamas nas minhas veias
e espero que o sol se ponha pra fazer um pedido
pra pedir
esquecimento.

As luzes se apagam e alguém me sussurra todas as minhas falhas
e eu quero te pedir desculpas
mas isso é só o fogo nas minhas veias querendo o seu retorno
e eu sou forte o bastante pra não dizer nada, pra ficar no silêncio que existe entre nós dois.

E eu peço
Ou penso que peço
Sem pedir nunca porque, no dia seguinte,

quando eu amarro os cadarços
quando eu visto minhas calças
ou encosto a caneta no papel

quando eu danço

meu corpo inteiro acende
queima
como uma chama presa dentro de uma redoma
até se extinguir, sem ar
e me tornar cinza

E eu volto pra casa,
cuido das minhas feridas
E peço
Ou penso que peço

Uma hora dessas,
talvez eu peça.

E aí

quando amarrar os cadarços,
vestir minhas calças

quando eu dançar

bom, você já sabe.

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