38x03 Somebody else


Imagem: TingTing Huang

Penteio os cabelos, alheia ao fato de que as coisas estão mudando, de que os deuses possuem planos que não compreendo, de que meu corpo manda mensagens que não visualizo.

Minha mãe se assusta porque as pessoas me amam, mas eu não entendo. Eu não entendo. "Eu não fui feita pra isso", minto.




Saio da aula, compro sorvete e tomo na frente da sua casa. Porque eu quero te ver, mas você não volta pra casa. Você não volta mais.

Então eu saio pelas ruas à caça de qualquer coisa que me distraia do meu cotidiano horrível, uma festa cheia de luzes e eu beijo alguém de cujo nome não me lembro, eu danço e eu não sou capaz de gostar de ninguém. Meu Deus, como eu te amo, como eu te odeio, você me estragou, ou eu já era estragada, sei lá.

Bebo mais um pouco, e ele me manda mensagem. Eu visualizo, respondo imediatamente, eu sei o que está acontecendo, mas eu quero ver até onde vai.

Uma garota me chama no banheiro, me diz pra fugir de você, me diz que você machuca as pessoas, que é tão estragado quanto eu, que você é o pior tipo de pessoa que existe. Eu tento socar o rosto dela, mas percebo que é só o espelho, quando os cacos de vidro cortam meu punho e a dor fica insistente demais pra ignorar.

Enfaixo o braço no casaco e volto pra casa andando, sem rumo, porque eu percebo que não quero você. Eu não quero você, eu não quero você. Mas eu não consigo não querer você, acendo um cigarro e me sento no meio-fio, na frente da sua casa, eu só quero que você venha me machucar. Venha me machucar, me pegue pela mão, me arraste pra sua casa, pro seu quarto, pra sua cama, pra

Vomito.

Eu não quero você. Eu quero uma cura pra isso, não você.

Limpo a boca e cambaleio até a minha casa, durmo de roupa, fedendo à vômito e álcool, cigarro e decepção.

Acordo cedo com uma mensagem dele, e dou risada sem querer.

Respondo, e ele responde, e respondemos, e eu não consigo me desligar desse diálogo ameno, e eu não consigo me desligar dele. Me permito fechar os olhos, pensar como seria se

E, talvez, nesse exato momento, um estranho em um bar talvez esteja dizendo a ele pra fugir, que eu sou a pior pessoa do universo, mas eu quero saber até onde isso vai. Tenho um interesse quase doentio em saber até onde isso vai, que eu espero que passe assim que eu começar a beber de novo.

Vou até à cozinha, como morangos, tomo um copo de leite azedo e meu corpo inteiro fica arrepiado de nojo

Jogo tudo no ralo, leite, você, eu, ele, ela, os próximos dias.

O que tiver que ser, será.

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