38x08 Sketch

Imagem: TingTing Huang

Ela me olha, os olhos vazios, o coração partido,
partido tantas vezes, em tanto pedaços, que ela até já perdeu a conta.

Eu tento te detestar e não consigo, eu nem quero conseguir, quero te abraçar pra aplacar a dor imensa que é não ser amada por quem a gente ama.
Crueldade pura, visceral,
eu seguro os cabelos dela enquanto ela vomita, vômito negro, escuro, sangue e mágoa.

Levanto a mão no meio da aula e pergunto à professora se, algum dia, isso passa.
A gente aprende?
A gente para de querer sofrer?
E ela me olha sem entender, responde que não. Responde que a gente vai sofrer pra sempre.

Ela deita no chão, encosta o rosto no azulejo frio desse colégio escuro que é o cenário dos meus pesadelos recentes,
e eu quero dizer que vai ficar tudo bem.
Eu quero dizer que amor
eu quero dizer que amor
mas dói muito, meu Deus, dói muito
e nada que eu diga a ela vai fazer passar, porque nada do que me disseram foi capaz de fazer com que melhorasse.

A dor é contínua, difusa,
alguém vem e te pede pra descrever,
vem tentar te curar.
Às vezes, ninguém vem, e a gente fica se rasgando em pedaços de carne,
se machucando e se odiando, fazendo a boca sangrar e só parando quando a dor física consegue superar aquela outra dor. (O que não é fácil de conseguir, tem que estar disposto a fazer muita coisa)

Eu quero dizer a ela que entendo,
mas não sei como fazer isso sem contar pra ela que ela já me deixou nesse estado,
que, por causa dela, eu vomitei sangue e mágoa num vaso branco e sujo, apoiada no chão, sem ninguém que me segurasse os cabelos porque eu não podia demonstrar fraqueza.
Eu não posso dizer isso,
então não digo nada.

Só fico lá, segurando os cabelos dela com firmeza,
pra que ela possa vomitar todos os últimos meses,
os últimos anos,
cada vez que escutou uma ofensa, cada vez que alguém a tocou ou agiu como se ela fosse algo garantido.
Eu a deixo vomitar cada paixão que não foi pra frente, eu aliso as costas dela enquanto ela vomita chamando seu nome de um jeito que você não foi capaz de fazer, desvio o olhar quando ela não para de dizer seu nome,
porque eu também me sinto assim.

Ela vomita tudo o que tem de ruim, suja o chão, o vaso, meus pés, seus joelhos.
Nada a ser feito sobre essa sujeira, sobre nós, sobre eles, então eu a ajudo a se levantar, a se limpar. Lavamos as mãos, retocamos a maquiagem e ela sai primeiro, altiva, natural, como se aquilo não fosse nada.
Normalmente, eu faria o mesmo.
Mas não hoje, não.
Eu me apoio na pia, me olho no espelho, e eu sei que não quero mais isso.

E eu sei que estou de saco cheio das noites em que passo deitada do seu lado da cama, esperando que você volte. De me sentar ao seu lado e tentar chamar a sua atenção, enquanto você me ignora deliberadamente, de te ver olhando as outras garotas quando saímos juntos, de perceber que você não está lá quando estamos juntos, ouvir histórias sobre como você se diverte infinitamente mais quando não estamos juntos, te ver saindo com outras garotas e me procurar só nos seus piores momentos, todo sujo e machucado. De tentar te encontrar em outras pessoas que tem muito mais a oferecer do que uma cópia das suas melhores características. De perceber que você não se lembra quem sou eu.

Uma garota entra no banheiro, olhos inchados, meio pálida
e eu quero dizer algo, eu quero ficar e ajudar. Mas eu também preciso de ajuda, da minha ajuda.

- Você 'tá na fila? - ela me pergunta, apontando para o reservado de onde Lucy e eu acabamos de sair.
Olho pra ela, e ela sou eu, uma garota como eu, passando por uma dessas coisas pelas quais a gente não precisa passar. Não, definitivamente, ninguém precisa passar por isso. Mas não é algo que eu possa dizer a ela agora.
- Não. Pode usar.

Saio do banheiro correndo e vou pra casa.
Vou pra casa e sussurro baixinho, no escuro, pra que só Lucy possa ouvir, onde quer que ela esteja, com quem quer que ela esteja, porque só ela vai me entender agora, sussurro que a gente merece mais, sussurro um feitiço curto pra que, só hoje, só hoje
possamos dormir um sono tranquilo,
sem sonhos,
sem aquele medo costumeiro
de que não haja ninguém por aí que vá nos amar.

Amanhã, a gente sofre de novo.

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