38x07 Sábado

Imagem: TingTing Huang

"Me diz que me ama"

Ela sorriu.
O que acontece com essas mulheres, o que elas comem que faz com que elas sorriam assim?

Tomo meu café, enquanto ela ri dessa mensagem que recebeu no whatsapp, e não me diz de quem é, não me diz o que foi. Sinto ciúmes, mas não pergunto nada.

Coisas assim me lembram: não sou o seu dono.

Me levanto da mesa e levo a louça até a pia, bem comportado, quero que ela repare, quero que ela me elogie, quero um beijo na boca como agradecimento, mas ela não diz nada.
Se espreguiça e seu cotovelo estrala, boceja, bagunça ainda mais os cabelos amassados de travesseiro, depois ajeita a camiseta branca amassada, a minha camiseta branca, como se fosse sair daqui a pouco. Meu Deus, eu a amo e ela é a coisa mais linda que já vi.

Essa percepção me deixa aterrorizado, paralisado. Eu a amo, de um jeito que parece, e eu sei que só parece completamente novo. Tento ser racional, tento argumentar comigo mesmo enquanto lavo a louça, eu já me apaixonei antes. Sempre parece a primeira vez. Dessa vez, também parece diferente. Mas não é.

Tento dizer isso pro meu corpo, mas ele fica todo trêmulo quando ela se aproxima por trás e encosta o nariz gelado na minha nuca. Me abraça pelas costas pra colocar seu copo e prato na pia e me beija as costas, sem deixar de me abraçar. Me diz alguma coisa engraçada, pra me convencer a lavar sua louça também, e eu lavo. Eu lavo e me sinto grato por poder lavar a sua louça, beijar a sua boca, dormir na sua cama e ser a primeira pessoa que você vê pela manhã.

Ela corre pro banheiro, ouço a descarga, ouço o chuveiro ligando. Roupas jogadas no chão, sujas e limpas, tudo misturado no meio do caos, e eu cato as roupas como se catasse pedaços dela, junto em um montinho no canto do quarto e me lembro de quando era criança e minha tia me elogiava porque eu era tão organizado, tão limpo, tão educado. Estou apaixonado pela antítese e mim. O caos. Isso me lembra um trecho de um livro de mitologia grega que li quando adolescente "Primeiro, havia o caos". Soa certo, deito na cama quentinha e rolo para a ponta dela, esquerda, sempre a esquerda. Tem o cheiro dela, de condicionador e essa coisa, essa coisa que é só dela.

Sinto uma coisa estranha, faço um esforço imenso pra respirar. Como é que eu vou viver com isso, como é que eu posso fazer isso, o que eu faço com isso tudo, com essa sensação insana de que eu não posso mais viver sem ela?
Isso tá errado, isso não é amor, isso é assustador, é bizarro, é

Ela sai do banheiro, usando calcinha e sutiã descombinados, secando o cabelo com uma de suas técnicas secretas de secar o cabelo e me pega olhando pra ela, embasbacado, assustado. Me pergunta se vi um fantasma. Digo que não. Uma barata, então. Digo que não tenho medo de baratas. Ela diz que tem medo, um puta medo, mas que não é medo, é nojo, que se mistura com medo e vira um pavorzão. Conta uma história sobre um pesadelo que teve com baratas. Adoro quando ela conta histórias.

Ela fica empolgada com as próprias histórias, para pra rir e arregala os olhos de um jeito como eu nunca vi ninguém arregalar os olhos. Eu quero ouvir todas, todas as histórias, quero conhecer cada pedaço do seu corpo e cada fragmento da sua memória, por favor, me deixe fazer parte de tudo o que aconteceu antes de nós dois.

Ela continua a falar, alheia ao fato de que eu me desespero, e eu fecho os olhos pra me concentrar só no som da sua voz. Ela para de falar, pensa que dormi, e eu deixo que pense assim. Eu não quero que ela saiba, ainda não. Sou humano, um desses humanos que acha que é ruim demais quando as pessoas sabem o quanto gostamos delas, que é até errado que elas saibam.

Deita na cama, com cheiro de desodorante, condicionador, creme de pele, protetor solar, sabonete e pasta de dentes, uma mistura doida que dá certo no corpo dela, e me beija na boca. Me beija a boca. Como isso soa bem quando estamos apaixonados. Me beija a boca. E beijo de volta, com toda a intensidade permitida nas manhãs de domingo, e eu quero dizer, eu quero sussurrar entredentes que eu a amo mais do que já amei na vida toda, que o corpo dela é a única coisa que me faz sentir seguro, que eu não quero que ela me deixe, eu quero ficar assim pra sempre, aqui, pra sempre.

Abro os olhos e olho diretamente nos olhos dela. "Diga que me ama"
Então espero, olhos nos olhos, enquanto o mundo inteiro passa por trás dos olhos dela, sem que eu saiba em que ela pensa. "Diga que me ama"
Mas ela se levanta, ajeita o cabelo, ajeita as roupas, me diz que a gente vai se atrasar se eu não for tomar banho logo, sai do quarto e me deixa sozinho, perdido em dúvidas, pensamentos e insegurança.

Caos.

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