35x13 All the pretty girls

Imagem: TingTing Huang

Então, ela me abraçou.
E eu a abracei de volta.

Estou ferida, no queixo, nas costas, costelas, pernas e pés.
Mas vai passar.

Ela me conta uma história, que é a minha história, a nossa história, a história de tantas garotas por aí, mas eu não acho clichê.
Porque eu não me sinto sozinha.

Nós somos tantas, e tão incríveis,
tão cheias de música, poesia e curvas, histórias pra contar.
Por que é que a gente deixa que as pessoas nos digam quem somos e qual é o nosso valor?

Fico de joelhos e olho nos olhos dessa filha que eu quero ter um dia
"Nunca deixe que ninguém te diga o que você tem que ser, o quanto você vale ou quem você é, baby, nem mesmo eu".
E ela assente, sem entender nada.

A minha dor é minha, e dói, dói, dói, dói.
E DÓI.
Dói porque é minha.
E ninguém vai me dizer quando deve passar ou como devo fazer ou pra esquecer.

Mas sim, eu quero ouvir que pode passar.

Não quero condescendência,
quero respeito.
Quero respeito pela minha tristeza,
pela minha alegria
e pelos meus sentimentos.

Não quero compaixão, não quero palavras vazias que você acha que possuem significado.

Eu quero lutar por mim mesma,
pra ser o quanto eu achar que devo ser.
Não quero seguir os caminhos de quem acha que sabe quais são os melhores caminhos,
eu não ligo pro seu futuro.

Não, e
você não faz ideia de como é difícil admitir isso,
mesmo aqui,
mesmo sabendo que isso não é realmente dizer pra você.

Mas é que existe tanta coisa que eu quero fazer
e você está desperdiçando meu tempo,
consumindo meu tempo.
Que é meu.
Meu tempo,
pra ser quem eu acho que devo ser.
Eu não quero ser a sombra de alguém,
e estou constantemente sentindo que é só o que sou.

E eu também não quero mais migalhas
e nem pessoas que me fazem mal, mesmo que a culpa seja minha.
E você pode até achar que não estou tentando o bastante, e acreditar que eu posso mais
obrigada,
mas só me importa o que eu acredito que posso fazer.

E acho que falo por muitas de nós quando digo
que vai passar
e que ainda vamos cometer muitos erros,
mas vamos juntas.
Cada uma pro seu próprio caminho, mas juntas.

Eu preciso de um tempo.
Pra pensar, sozinha,
sem sua interferência.
Pra entender quem eu sou, sozinha.

Eu tô aqui, jogando fora alguns papéis e organizando a vida, pedaço por pedaço,
redescobrindo quem sou,
fazendo planos
e entendendo que eu quero ser
que eu posso ser
cada vez melhor.
Talvez não pra você, talvez você nem veja a diferença,

mas eu verei.

E é só o que importa.

35x12 Mississipi

Imagem: TingTing Huang

Eu não sei flertar.
Não tenho coragem de te olhar pelos tais segundos mississipi.
Vou te comer com os olhos, é. Mas só quando você não estiver olhando.

Não sei jogar esse jogo,
não vou falar com você, pura e simplesmente.
Muito embora eu queira muito falar.
Sobre o gêmeo do Elvis, serial killers e essa história em quadrinhos pela qual estou apaixonada.
Eu quero falar sobre música, pegar na sua mão e me sentar num cantinho, pra conversar.

Não sei ser sedutora, ou chamar sua atenção,
nem chegar de mansinho.
Eu só sei esperar, que horror.

E é, eu adoraria puxar sua mão e te trazer pro meu mundo,
pro meu canto,
gêmeo de Elvis,
e realidades alternativas,
ser honesta e te falar sobre um conto da Clarice que não sei se entendi,
e sobre essa música maravilhosa e uma vontade que tenho de aprender certas coisas.
Mas eu não sou assim.

Eu espero, Jane Austen to the core.
Eu espero,
e não tem nada de errado em esperar.
Eu gosto de tanta coisa, eu penso em tanta coisa, mórbida ou não,
e eu tenho certeza de que
mesmo que eu não consiga sustentar esse olhar por esses segundos mississipi,
ou dançar sedutoramente,
ter conversas amenas adequadas,
mesmo que eu não me aproxime de você no momento oportuno como aquela garota foi capaz de fazer,
mesmo que

Isso não importa.
Porque eu sou assim, é parte da mágica haha.
Eu vou olhar pra você, e arregalar meus olhos,
desviar o olhar
e tentar te ignorar
dizer sempre as piores coisas nos piores momentos
e falar muito sobre morte, porque é do que falo quando estou nervosa

Eu não vou, nunca vou seguir as regras certas,
e gosto disso.
Se você for legal, se for a pessoa certa
vai gostar também.

Então, é
eu quero falar sobre coisas de gente velha,
sobre um livro que eu li,
um filme que eu vi,
e comer torta,
te explicar as coisas da maneira mais confusa possível.
E ouvir o que você tiver pra dizer.

Dê uma chance pra garota mais estranha da festa,
seja legal,
seja agradável
e sensato.
Tá todo mundo procurando alguma coisa,
às vezes a gente nem sabe o quê.
E pode ser incrível.

Então, esqueça as regras, só por esse minuto,
não tenha medo,

Vai ser incrível.

Early Cuts: L.O.V.E.

Imagem: TingTing Huang

N.A.: Acaso ou destino, encontrei esse texto escrito atrás de um gabarito antigo de uma prova da Unicamp, de 2012. Been there, done that. Tudo passa, minha pequena gafanhota, tudo há de passar.

"A gente não pode ser só amigo?"

Eu disse isso porque já não te amo, porque me amo demais pra suportar a anormalidade de uma vida sem você, sem seu cheiro de sol e esses olhos que encerram o balanço marinho.
Você diz "não dá" e eu sinto ânsia de vomitar só de pensar em não tocar mais os seus cabelos.

"Quem vai te entender tão bem, quem vai cuidar das suas coisas e amar os teus detalhes?", apelo, deixando implícito o medo dele de ficar sozinho, a eterna pergunta "quem mais vai me amar?".

Agarro-o pelo pescoço e acalento-o. Ele me deixa roer mais um dia, e eu vou roendo até o osso, até acabar a fome,

até não sobrar mais nada.

35x11 What is wrong with Norman

Imagem: TingTing Huang

- O quê?

Eu pergunto, e a voz na minha cabeça responde:
"Relaxe. Respire. Respire."

Eu quero gritar.
Quero destruir a casa, quebrar os pratos, cortar meus braços com os cacos, céus, eu preciso de cigarros.

Parte da síndrome de abstinência, você dirá.
Eu sinto uma dor de cabeça, constante, irritante.
E a raiva,
a raiva não passa.
Ela só está aqui, feito um cão rosnando na parte de trás da minha cabeça.

Sinto vontade de queimar coisas,
destruir,
morder,
xingar,
dizer verdades,
distribuir tapas.
Mais do que vontade, uma urgência

- Por que você não se corta, feito uma pessoa normal?, pergunta L, quando eu mando mensagem às 3 da manhã, elétrica, com vontade de sair por aí dirigindo pela cidade.
E a resposta é tão óbvia que chega a ser engraçada, então damos risada, mesmo sem querer.

Eu não posso ficar em casa,
tô me sentindo presa, enjaulada,
pantera de Rilke.
Mas aí saio de casa, dirijo por aí e fico parada no semáforo, na chuva, sem ter pra onde ir.
Minha prisão sou eu.

Sinto raiva,
de uma forma que não é nova,
mas que fica cada vez mais difícil de controlar.

Quero explodir,
quero sangue,
então como,
leio,
medito,
sussurro palavras sem sentido no meio da noite, pra me distrair,
recorto revistas
e colo figuras na parede do quarto.

Eu estou zangada,
de uma maneira que você compreenderia
e não é que seja difícil de compreender mas
NÃO SOMOS A MESMA PESSOA.
Não sentimos da mesma maneira, portanto você nunca entenderia da mesma maneira que eu.

Estou zangada a vida inteira,
guardando,
esperando.
Zangada com uma garota da primeira série que arrancou meus cílios,
com um soco que levei por ter me distraído,
uma resposta que não dei,
com o primeiro cara que não se sentiu obrigado a gostar de mim,
com o barulho da louça sendo lavada,
papel higiênico,
com desenhos sobre pinguins
e com o fato de que não estou medicada.

Eu estou furiosa com a condescendência que as pessoas acreditam ser empatia ou educação,
com o ócio,
com o meu futuro
com a minha própria estupidez
e com esses malditos neurotransmissores

Eu sinto isso crescendo, crescendo
Aquela sensação
eu a sinto comprimir meus pulmões
Ela fala comigo e eu não quero ouvir
Nunca mais
Eu não quero ouvir
Eu não quero ouvir
É a minha voz, é a sua voz, é a sua voz
e eu não quero mais ouvir, Gideon.
Nunca mais.

Medito,
Leio,
Assisto desenhos animados e comédias
Mas você não vai embora.

- Isso sou eu?

E ela cresce e se contorce,
eu a sinto chegar, como um ataque de pânico
e isso me deixa mais agitada
eu preciso me acalmar
eu preciso me acalmar
"Relaxe. Pense em uma poesia, pense em uma música'
Mas a dor aumenta, e parece que vai me partir ao meio, eu não consigo respirar

Ela faz sua mágica
"Pense em algo, pense em uma história. Pense sobre Ivan e o Gigante"
Eu penso.
Olhos cor de violeta, bolas de ouro derretido, tenazes, pedras preciosas.
"Funcionou :)"
Hoje.
Funcionou hoje.

Mas e amanhã?
E semana que vem?
Sábado à noite?

"Você sabe o que tem que fazer, B."
Sim, eu sei.

Leio.
Medito.
Como.
Assisto filmes.

Eu sei o que tenho que fazer.
E não vou fazer.

Nunca mais.

35x10 Shelter

Imagem: TingTing Huang

Eu senti a sua falta.
Quantas vezes já comecei um texto assim?
Blondie,
eu senti falta disso.

Tanto que nem consigo expressar direito o quanto me sinto grata pela sua presença.

Estamos no mesmo bar,
eu tô vestindo
pera, o que eu devo estar vestindo?
Minha máscara preta com as penas e um vestido tomara-que-caia?
Ou meu vestido azul? Eu pareço uma daquelas modelos de revista? HAHAHA
Tá legal,
que tal uma blusa preta e jeans mostarda?
Não?
Vestido?
Tô pensando.
Não, eu não estou excêntrica hoje, particularmente.
Calça preta, blusa preta, tênis pretos. Goth.
E você está usando aquela sua camisa azul pela qual sou apaixonada--
ok, entendi, é um bar
Você está usando sua camiseta lilás e jeans.
Está de all star, você sabe que amo quando você está de all star.

Estamos bebendo.
Você na sua mesa,
eu na minha.
Estou com amigos. (E daí que não gosto de bares, estou com amigos, não sei quais, mas estou)
E então, eu vejo você.
E meu coração parece que vai sair pela boca,
minhas costelas doem com a força com que ele bate contra elas.
Meu deus, eu te amo.
De um jeito que a realidade não explica.
Você está rindo de algo que algum dos seus amigos disse
e eu tô derretendo.
A gente não se vê faz quanto tempo? 2 anos, 3 anos?
Meu cabelo mudou, eu mudei.
Preciso falar com você, preciso tocar você, pra ter certeza de que você é real.

No mundo real, eu nunca,
você me conhece,
eu nunca me levantaria daquela mesa.
Teria ficado te olhando a noite inteira,
teria te visto ir embora

Mas isso não é a realidade, e eu posso fazer o que quiser.

Então eu tomo um gole do que quer que esteja bebendo
(provavelmente suco, mas direi que era uma Skol Beats Azul, que é a única coisa que tenho conseguido segurar no estômago) e me levanto da mesa, sem dizer a ninguém o que estou prestes a fazer
Tenho medo de tentar explicar e perceber que é loucura

A essa altura, já analisei sua mesa e percebi que nenhuma daquelas garotas está com você.
O que não quer dizer que você não queira estar com elas.
Mas tanto faz, eu acho.

Caminho na sua direção, tentando manter a postura correta, que nem sei qual é
E paro do seu lado na mesa
Digo boa noite pra todo mundo, eu sou uma menina educada,
olho nos seus olhos e digo
"Posso falar com você? É rápido, eu prometo"
E você me olha com a cara mais confusa do universo, me dá vontade de rir,
mas isso é porque estou nervosa
"Não é nada de mais", digo.
E você acena afirmativamente com a cabeça e se levanta, enquanto seus amigos dão risinhos nervosos que me deixam ainda mais nervosa.

A gente se afasta um pouco, mas nem tanto, só o suficiente pra que ninguém possa ouvir.
Eu tô olhando pra você
Meu deus
Estamos tão próximos
Tão próximos que eu poderia te tocar, mas não quero que isso fique mais esquisito.
Eu só preciso organizar as palavras na cabeça
e falar olhando nos seus olhos
que são lindos
que são incríveis
e eu não quero esquecer o que tenho pra dizer.

- Oi, meu nome é B.
Você não me conhece, e nem eu te conheço direito, acredite, e isso vai soar estranho...

E então eu conto.
Não tudo, só a versão hiper-resumida, que acho que é menos creepy e mais adequada.
E então digo
o quanto você é/foi importante pra mim.
E eu só preciso que você acredite em mim.
E acredite em si mesmo.
Acredite em mim.
Você é especial.
E eu queria te contar que vivemos dezenas de vidas juntos, mas acho que seria demais pra uma noite só.
Então eu termino rápido, enquanto seus olhos mudam de confuso para divertido e interessado e coisas que não compreendo e que me deixam maravilhada e deslumbrada, todas essas expressões de você que eu nunca vi e nunca imaginei, com essa minha incapacidade de ir além.
- E é isso. Desculpe, mas eu precisava dizer isso pra você. Era uma das coisas que eu precisava fazer antes de morrer. Sei que foi estranho, mas precisava ser feito.
Aproveito pra fazer a pergunta que sempre quis fazer.
E pra estender minha mão e apertar a sua, sentir a textura dela. Que é exatamente como eu achava que seria.
- Tchau.
- Obrigada, você diz.
E voltamos aos nossos lugares, onde nossos amigos provavelmente nos fazem milhões de perguntas e, conhecendo os meus, várias insinuações.
Eu queria ter dito mais coisas espirituosas, ter prometido não ficar olhando pra sua mesa,
mas tô feliz por não ter feito isso, porque não quero parar de olhar pra você.
Eu quero descontar por todos aqueles dias em que não pude te ver.
Desculpe, mas eu quero olhar pra você.

E, curiosamente, você quer olhar pra mim também.
Estamos nos enxergando, pela primeira vez
e eu não quero parar de te olhar.
Eu quero ter certeza de que te sei de cor, pra chegar em casa e descrever cada pedaço seu.
De novo,
e de novo.
Como já fiz outras vezes.

E a noite corre assim, entre risadas, conversas, eu te olho, você me olha, nossos olhares se encontram e a gente ri, entre sem graça e aquela outra coisa que se sente quando se sabe um segredo da outra pessoa, até que, você se levanta
e eu sinto primeiro aquele medo de que você vá embora
depois, quando percebo que você está vindo na minha direção,
sinto aquele alívio e percebo que estive rezando por isso a noite toda.
Você cumprimenta todo mundo, é um garoto educado, se abaixa perto de mim
e me diz que não consegue parar de pensar na minha história maluca,
Eu gostaria de fazer alguma coisa um dia desses e contar a história com mais detalhes?
Sim, gostaria.
Digito meu número no celular dele, tentando não tremer.
E ele salva o número,
- Ok, então. Tchau. Até mais.
E ele se inclina e me dá uma espécie de meio abraço, com um beijo desajeitado, perto demais da orelha, e isso não faz a menor diferença, porque eu sinto o cheiro dele
e cada pedaço de mim parece se descontrolar.
- Até
E, o resto,
o resto não importa.

O que você acha? Faz sentido?
Não sei de onde saiu isso, só sei que precisava de você,
como nos velhos tempos,
desses devaneios malucos de dias de chuva
nos quais eu ia me abrigar quando a vida real estava triste demais.

Sinto sua falta, Blondie.
sinto falta de te ver com mais frequência
e das conversas que nunca tivemos.
Mas obrigada.
Mesmo depois de todo esse tempo, de todos esses anos,
você continua sendo o meu abrigo.
Nos dias de chuva,
quando a vida real é real demais.

Um dia desses,
num bar qualquer,
numa esquina,
ou no supermercado (perto das batatas),
quem sabe a gente não se encontra
e eu prometo te contar
como essa história acabou na minha cabeça.

35x09 Costume e outras drogas

Imagem: TingTing Huang

N.A.: Peço milhões de desculpas por esse texto. Mas ele precisava ser escrito. Já faz tempo que me sinto assim, viciada nessa coisa que não consigo nomear. Não é normal, não é natural. E eu precisava de ajuda pra entender, pra descrever.
Acabei encontrando isso em dois textos sobre adicção, um da Scientific American e um texto brilhante e que merece ser lido, de um cara chamado Mark Pilgrim. Espero que entenda o que eu quis dizer, caro leitor. Aliás, espero que não. Não entenda.
Atualmente, estou limpa há 4 dias, 5 horas e 20 minutos. E contando.


Lavo as mãos, seringa limpa , agulha nova, sempre na direção do coração, injeto você ou o costume de nós dois.

O efeito é quase que imediato:
eu me sinto
maravilhosamente
horrível.

E eu quero me sentir horrível.

"Se você realmente se importasse comigo, não iria querer mais passar por isso"
"Você é melhor do que isso"
"Você não precisa disso"

Você está me queimando.
Vocês, essas palavras, nada disso possui significado.
Meu cérebro, meus neurotransmissores: eles não falam a sua língua.
O corpo quer o que o corpo quer.

Você me diz pra parar, pra jogar fora as seringas
e isso só me faz querer mais.
Isso só me faz precisar de mais.
E eu não quero querer mais.

Tento não pensar sobre isso,
eu tento não devanear sobre isso,
evito situações que possam fazer com que eu queira mais.
Mas não posso evitar tudo.
Ir à faculdade,
ficar em casa,
assistir filmes,
ir à festas,
escolher roupas,
dirigir,
ouvir música.
Pensar nessas coisas me dá vontade.
Deitar na cama sem estar com sono me dá vontade.
Situações estressantes ou eventos muito emocionantes, mesmo que muito bons,
me dão vontade.

Notas boas
notas ruins
um dia estressante na faculdade
brigar com os amigos
ganhar um sorteio
ou perder um.
E, de repente, estou sendo sugada por uma vontade incontrolável

Eu tento.
Eu saio de casa e faço coisas.
Eu falo com pessoas.
Eu saio com pessoas.
E, de alguma forma, sempre acabo em casa questionando minha sanidade.
Tem algo errado comigo?
Tem que ter, porque acabei sentada no parapeito, de novo, injetando doses cavalares disso.

Paro.
Não quero mais.
Começo a comer, comer comer comer comer comer
Meu corpo não aguenta
Vomito
Diarreias tétricas
Tomo o remédio do Dr. House e fico boba
Não dá

Estudo.
Eu só estudo.
Eu faço coisas, um milhão de coisas.
Ao mesmo tempo.
Sou a eficiência em pessoa, por dias, semanas até
Até que não consigo mais.
Eu não consigo pensar.
Começo a me sentir incapaz de fazer as coisas,
a ficar cansada
e rabugenta

Fico com medo de que acabe.
De não ter mais onde conseguir
Eu preciso me sentir mal.
Não tenho coragem de pedir,
começo a ficar paranoica, a sentir dores que não passam
O desconforto físico começa a ficar insuportável e não me deixa dormir.

Sinto medo de que alguém descubra, começo a tomar decisões
pra onde ir
onde comer
o que fazer no fim de semana
que me levem até onde posso conseguir mais

Quando isso passa?
Vai ser assim pra sempre?
Eu preciso mesmo chegar no fundo do poço pra perceber que preciso fazer algo sobre isso?

Mas, quando eu finalmente injeto isso, esse costume, não pode ser outra coisa,
isso não pode ser outra coisa
todo o resto parece
insignificante.
A sensação de alívio é indescritível, alívio físico, mental
Eu posso fazer qualquer coisa.
Eu me sinto incrível.
Eu não sinto vergonha
O tempo passa rápido e eu nem percebo
eu poderia ficar assim pra sempre.

Depois vem a culpa,
a vergonha
ter que esconder das outras pessoas,
omitir pedaços
fico entediada na maior parte do tempo

Chego meia hora atrasada, alta,
tão alta
e me sinto culpada, mas não o suficiente.
Digo que preciso ir embora mais cedo porque tenho um compromisso
Cubro os braços com casacos enormes
Não consigo esperar pra chegar em casa depois de um encontro, uso ali mesmo, no carro, no estacionamento. E de novo, ao chegar em casa.
Mais de uma vez, no mesmo fim de semana.
Mil habilidades que eu não sabia que tinha.
Mentir, com a cara mais cínica do mundo.
E desmarcar compromissos com amigos "Não estou me sentindo muito bem hoje, não quero estragar sua noite"
Mesmo quando é verdade, quando fico doente,
eu preciso usar. Pra acordar me sentindo lixo.
E usar de novo.
Dormir e sonhar, persistentemente, com isso.
Fazer muita merda, muita muita merda.
É quando as pessoas já sabem o que você quer antes mesmo que você diga.
E mentir muito. Pra todo mundo, o tempo todo.
Dormir no sofá por meses, quase um ano.
Ter seringas em todos os cômodos. Ou levar a sua no bolso, pra onde quer que esteja indo.
É não querer receber visitas que possam ver o caos que a sua vida se tornou. Pior do que isso, receber visitas porque não se importa com o que possam pensar.
Não conseguir terminar nada ou fazer as coisas que devem ser feitas, a não ser quando preciso fingir que está tudo ok.
E pensar todo ano que "ano que vem vai ser diferente"
Tentar parar e não conseguir. Ou tentar de verdade, como estou fazendo agora, e descobrir que está "dando um jeitinho" pra não ter que parar de verdade.

"Um dia eu paro", digo, depois de uma noite particularmente incrível e terrível
Deito na cama, me sentindo um pedaço de lixo
Meu quarto é um caos, restos de comida e copos espalhados pelo chão, misturados com roupas limpas, roupas sujas e sapatos. Empurro os livros e sacolas de cima da cama pra dormir, sem lavar o rosto
"Um dia eu paro"

Aí sento na cama, seringa limpa , agulha nova, sempre na direção do coração, injeto você ou o costume de nós dois.

E tudo fica bem no mundo

até o efeito passar.

35x08 The ability of happiness

Imagem: TingTing Huang

Cheguei à conclusão de que a felicidade está em todos lugares.
Ok, Pollyanna já sabia disso há séculos, assim como a princesa Sara.

Eu leio todos esses livros e não aprendo nada com eles, como você pode perceber.

Mas essa ideia me pegou de jeito, escondida na penumbra, de luto, esperando a manhã chegar, trazendo a morte ou esperança.

Sentei-me, sóbria demais, viva demais, meus dedos vazavam
Eu queria casa, cobertas e solidão.
E não sei se é tanto porque estou doente, ou se é porque sou assim.
Eu não sei mais quem é ela e quem sou eu.
E isso não é pra ser perturbador.

Acontece.
É como um relacionamento longo. Um dia, você acorda e não sabe direito onde você acaba e onde o outro começa.
Eu tenho essa dúvida.
Quanto dessa sensação é minha?

Pois bem.
Eu sinto que a felicidade está em todos os lugares.
Conversas,
na música,
comida,
na temperatura dos azulejos,
no gosto do álcool,
nas luzes noturnas
e nas pessoas.

E não consigo sentir.
Parece que estou dentro de uma bolha.
Sentir-se feliz é uma habilidade única e complexa.
Envolve receptores, neurotransmissores.
E, às vezes, parece que falta tudo.

"Pelo menos faça um esforço"
"Você tem mesmo que ser tão chata?"
"Por que você não bebe alguma coisa?"

Não é assim que funciona.

A felicidade está em todos os lugares.
Eu posso tocá-la, às vezes.
Eu posso ouví-la, eu posso sentir o gosto dela.
Na comida chinesa.
Eu a ouço, diariamente.
Eu a vejo nos seus olhos.
E é lindo, é incrível.

Mas a habilidade de sentí-la,
essa não é pra todos.
Envolve receptores, neurotransmissores.
Envolve tanta coisa, tanta.
Não é tão simples assim.

Eu conheci uma garota
e ela não conseguia ser feliz.
Nunca.
Eu conseguia ver nos olhos dela,
ela estava presa, vazia. Morta.
E então eles receitaram pílulas e pilulas e pílulas
e disseram que eram pra que ela fosse feliz.
Mas todos sabíamos que, na verdade,
eram pra que ela não sentisse falta de ser feliz.

Eu consigo.
Eu fico feliz em dias frios.
Quando como doces.
E ruffles de cebola e salsa.
Quando meus melhores amigos no universo decidem visitar
e quando leio livros.
Quando escrevo algo de que gosto e quando gostam disso.
Quando arrumo meu guarda-roupas, e quando lavo meus cabelos.
Quando ouço uma música, numa festa na qual eu queria estar,
ou quando alguém me diz algo surpreendente, e não finge que me conhece só porque passou algumas horas comigo.
Eu consigo fazer uma dança maluca
ou fazer elogios à pessoa certa
terminar uma história em quadrinhos.

Eu consigo.
Mas, na maior parte do tempo, eu estou muito preocupada sobre tanta coisa.
Se eu consigo ser bonita,
se as pessoas gostam de mim ou não,
o que eu sinto,
se eu sou uma boa pessoa,
se isso,
se aquilo
e isso devora minha habilidade, minhas conexões, meu sorriso,
minha vontade.

Você vê,
a felicidade está em todos os lugares.
Você só precisa saber sentir.
Sinta.
Eu acredito em adaptação.
Quanto mais você se sentir feliz, mais você será capaz de se sentir feliz.
E é, me desculpe se isso parece um discurso motivacional.
Não é minha intenção.

É só que eu estava lá
olhando
todo mundo parecia tão feliz
e eu sabia que eu só precisava
de alguma coisa
pra ser feliz também
mas eu estava tão preocupada
com o comprimento do meu vestido,
as minhas sandálias,
minha falta de conhecimento cultural,
vestidos,
diálogos,
o futuro
e tanta coisa boba.

Um cara de quem gosto muito, deus me perdoe (não romanticamente, ew),
me disse que sou a pessoa mais legal do mundo.
Assim, sem contexto.
E foi muito legal, porque ele não tinha motivo algum pra dizer aquilo.
Porque ele não me conhece.
Eu não gosto de elogios, eu não acredito neles. Nem em notas, nem em pessoas, nem em você.
Mas eu acreditei nele.
E aquilo me fez feliz.

E é isso o que eu quero ser.
É assim que quero me sentir.
Eu quero sair com gente que me faça bem.
Eu quero não sair. Eu quero passar tardes inteiras em casa, sem tomar banho, viver de sucrilhos e ovos.
Eu quero adquirir a habilidade de me fazer feliz.

Eu sou triste.
Eu estou triste.
Mas eu quero ser capaz de capturar a felicidade onde quer que ela esteja, qualquer fragmento, em qualquer lugar.
E eu consigo fazer isso.
Afinal de contas,
eu sou a pessoa mais legal do mundo.

35x07 A Freudian Nightmare

Imagem: TingTingHuang

No meio da noite, acordo, fraca, o rosto úmido de sangue que jorra do nariz.
Eu sangro.

Metal, ossos
Não há lugar para fraqueza.
Estanco o sangramento e vou à luta.
Eu levanto da cama,
eu sorrio,
eu conto piadas e histórias longas,
eu estudo,
volto pra casa
e sangro.

Sangro pelos olhos,
nariz
boca.
Sangro pelas orelhas,
vagina,
e ânus.

O sangue coagula debaixo das minhas unhas,
e suja minha comida,
minha cama,
minhas calças.

Digo a ela,
eu não sou humana,
como posso sangrar tanto?

E ela não sabe a resposta.
Mas eu sei que, de alguma forma,
isso tinha que acontecer.
Eu preciso sangrar.

"Talvez você esteja se tornando humana, B. Ninguém vive só de metal e ossos", diz L.
Talvez eu esteja,
talvez eu esteja melhorando.

Começo a pensar sobre as coisas nas quais não penso.
Eu consigo sentir.
Morte, fracasso, estar no lugar certo, amor cru.
Eu sonho.
Viver dói, e eu sinto.
E sigo em frente, deixando um rastro de sangue no chão.
Dói muito,
e eu não escondo, eu choro por dias a fio.
Porque a dor é pra ser sentida,
não é?

Ela vem de longe, sente o cheiro do meu sangue,
do sangue que não deveria existir,
do sangue que ela não planejou.
E eu digo a ela
que estou triste.
Eu sei o que é estar triste,
e estendo as mãos,
eu sei.

E é nesse momento que ela me corta.
Primeiro as mãos
Depois os braços
Seios
Pescoço
e ela dilacera meu rosto
rasga todo o meu corpo
pra me mostrar que tristeza é fraqueza.

Corta minha língua,
meus sonhos
e meus planos
em pedacinhos pequenos que não consigo juntar.

Ela não me fez pra ser humana
fui criada pra ser robô, metal e ossos
então ela espera, em silêncio, até que a última gota de sangue jorre
toda a vontade,
toda a luta,
toda a vida.

E, mesmo quando tudo sai,
ela continua cortando
e cortando
e cortando
cada conduto
pra se certificar de que não tem volta.

Sussurra nos meus ouvidos as palavras mágicas
e me convence de que
quem eu sou não tem importância
o que eu quero não tem importância
eu sou fraca
e nesse mundo não tem lugar pra fraqueza.

Pega suas malas, desce as escadas
e me deixa pra trás
limpando o chão sujo de sangue
tentando não acreditar
tentando desesperadamente não acreditar,
ao mesmo tempo em que repito pra mim mesma tudo o que ela acabou de dizer,
como se fossem verdades absolutas.

Que é o que são,
certo?

Certo.

35x06 355

Imagem: TingTing Huang

Eu quero você.
Eu amo você.

O mundo precisa de bravura.
Eu tô aqui pensando, aula longa, dor de cabeça,
não existem finais felizes porque as pessoas não acreditam neles.

Declarou-se para mim e eu disse não.
Eu também queria um final feliz, ele merecia um final feliz, e não era comigo. Falta bravura, uma amazona correndo na chuva, no sol de meio-dia.

"Martín, quero tomar um café com você"

Por que é tão difícil admitir que se gosta? Por que tanto medo de perder?
Porque a gente sempre tem que esperar até o último segundo pra dizer a verdade?

Eu quero você.
Eu quero que você me queira.

Ninguém é obrigado a gostar,
então não goste de mim.
Mas olhe nos meus olhos e diga que não gosta de mim.
O mundo precisa de bravura.
De gente crescida,
que aprende a deixar as fantasias de criança em seus devidos lugares e caminhar pelo mundo na direção certa,
Gente com a coragem de dizer seu verdadeiro nome, de comprar um vestido preto e saber que amor não é coisa boba.

Vou arrumar minhas malas, deixar minha bagunça pra trás,
e vou te buscar.
Vamos embora,
vamos fugir dessa cidade e de tudo o que ela representa.
De todo esse medo, de todas as cobranças,
das pessoas
e dos nossos pais.
Tô com a bolsa pronta e o cabelo lavado,
pegue a sua escova de dentes
e venha comigo.

O mundo precisa de bravura.
Venha comigo agora,
agora,
desça as escadas no exato segundo em que você ler essa mensagem,
e vamos embora.
Vamos dirigir até que a gasolina acabe e viver em qualquer lugar,
menos aqui.

Mas tem que ser agora.
Agora
ou nunca.

35x05 O gêmeo de Elvis

Imagem: TingTing Huang

Minha cabeça pesa, parece que vai explodir.
Escrevo,
escrevo pra salvar minha vida e me manter sã.

Você já se perguntou qual é o propósito da vida?
Da sua vida, especificamente.
O seu destino, a sua sina.
Você é assim tão importante, tão relevante quanto pensa?

"Eu levo as pessoas até o lugar onde elas devem ir"
Algumas pessoas só servem pra isso.

Tem gente que não nasce pra ser feliz pra sempre, gente que só nasce, cresce, e aprende
pra nunca mais ser lembrada
Qual é o objetivo de saber? De conhecer e sentir?
Qual é a história por trás das lendas e dos homens que não são mencionados nelas?
Todo mundo quer ser grande, importante.
Mas isso importa?

Quando eu nasci, Felipe já era deus, o messias.
Estava destinado a salvar o mundo, guiar a todos nós na direção da luz.
E ele não conseguia viver. Sentia-se sufocado com toda essa expectativa.
Homens e mulheres enchiam nossa casa nos feriados, vinham de longe para vê-lo, traziam presentes e diziam coisas que ele não compreendia.

E ele dizia que a grande razão pela qual éramos amigos era
eu não dava a mínima pra isso.
O que ele não sabia era: eu só não me importava porque eu não estava destinada a ser alguém.

Eu não podia ser mais.

Nasci sozinha, uma ideia escrita com sêmen no escuro, sem sentido, acidental.
Eu sou ninguém.

Acordo, no meio da noite, e meu corpo dói, minha carne escorre dos ossos
e eu sinto aquela dor, aquela dor intensa
que é a percepção de se estar viva.
De um lugar a outro
De um lugar a outro

Visto roupas pretas, eu sou o barqueiro
eu sou Caronte
De um lugar a outro
De um lugar a outro

Eu o tenho feito por muitos anos,
sem parar um dia
sem propósito.

E tenho esperado
Esperado
Esperado

Que o barco afunde
e me liberte.

35x04 Conqueror

Imagem: TingTing Huang

Estive esperando.
Por seus botões gelados, um inverno longo.
Eu nem tomei banho,
enquanto esperava seu retorno.

Você dorme, cansado da batalha, em algum lugar do universo, sem medo da morte, sem medo de nada.
Acorda e planeja, grita, furioso,
e cavalga sem destino certo, tomando tudo o que existe pela frente.

Eu estive esperando pela sua chegada, arrumando a casa,
abrindo as janelas e apressando o jantar.

E você nunca veio.

Grandes homens vieram a essa casa, grandes reis e imperadores.
Todos tentaram tomar seu lugar, por força, por amor.
E eu, feito penélope, teci e esperei, desfazendo todas as noites o meu trabalho.
Eu esperei.

Veio o grande rei das muralhas de Atenas e seu cabelo púrpura,
mas nenhum de nós dois tinha amor pra dar.

O grande rei pastor, das planícies longínquas,
confuso e jovem, jovem demais pra entender que eu ainda estava esperando.
Trouxe dragões e discursos, música e morte.
Mas eu ainda esperava por você.

O grande conquistador, cheio de morte e histórias pra contar,
me ofereceu um local seguro pra dormir e a vantagem de não ter mais que esperar.
E eu poderia aceitar,
mas estava esperando.

E então outro, com coragem pra lutar e pra desistir da luta
e um dos heróis da independência.

E a todos fechei minhas portas,
e voltei ao tear,
enganando a mim mesma,
dizendo que estava a espera quando,
na verdade,
você sempre esteve aqui.

35x03 *"It means 'my love'"

Imagem: TingTing Huang

Eu escrevo para que você veja.
Nas paredes, no meu corpo e nas páginas dos livros da biblioteca.
Eu deixo post-its e cartazes, e mensagens, subliminares ou não.
Eu escrevo nas paredes brancas do meu quarto, nos espelhos dos banheiros da faculdade e no chão das salas de aula.
Usei minha chave pra escrever no seu carro e depois na pele das pessoas que você conhece.

Mas você não sabe ler meu idioma, ou não quer ler, e eu costumava não me importar.
Sem dó, eu injetava você em mim todas as noites,
pra me queimar as veias,
pra ver o mundo pelos seus olhos,
pra me ver pelos seus olhos.

Eu quebrei as regras,
Todas elas, cada uma delas, pelas suas migalhas,
pra proteger o seu ego,
pra proteger o seu apego
e o seu costume.
Pra me proteger da solidão e, Deus me perdoe,
do amor.

Todas as histórias têm dois lados
e a nossa não é diferente.
Mas eu não quero mais conhecer o seu.
Acabou, está tarde, e eu preciso voltar pra casa.
Eu preciso comer.
Eu preciso dormir.
Eu tenho coisas por fazer,
e eu não quero me afastar de você.
E você não me pede pra ir embora.

Você não me pede pra ir embora.

Por que?

Eu preciso comer
Eu preciso dormir
Eu preciso seguir em frente.
E você não me pede pra ir embora,
mas eu não sei o caminho pra casa.
Quero uma overdose de você, toda a dor do mundo e uma touca vermelha pra sinalizar minha dor.

Porque você não me pede pra ir embora?
Quero dizer
Se você quisesse que eu ficasse
teria dito.
Mas você não me pede pra ir e parte de mim agradece por isso.

Porque eu preciso comer
preciso dormir
preciso ir
mas eu quero ficar
eu quero ficar

e é por isso, aşkım*, que eu
estou me pedindo pra ir embora.
Está mais do que na hora.

35x02 Crime e castigo

Imagem: TingTing Huang

O que você quer de verdade?
O fim da fome no mundo, a paz mundial.
A cura do câncer.
Amor verdadeiro, saúde pra sua família, o fim da guerra no oriente, justiça para os mortos, o fim da violência contra a mulher, igualdade racial e de gênero.

Eu posso querer tudo isso
e tomar sorvete de morango com batatas fritas no almoço?
Posso querer a paz mundial e, eventualmente, ser a menina mais bonita em uma festa?
Deus perdoa a gente por ser fútil?
Ou eu sempre devo querer o bem de todos, o melhor para a maioria, o bem comum.

Porque eu quero coisas.
E é muito difícil admitir.
Mas eu quero coisas também.
Eu tenho sonhos, sobre os quais não falo,
e desejos tão bem escondidos dentro de mim, tão sufocados que eu às vezes sinto medo de dormir e saber sobre eles.
Eu quero coisas,
coisas que vão além do bem da humanidade e que são tão simples quando sorvete de morango, ou tão complexas quanto ganhar o nobel de literatura.

Eu quero coisas e quero de verdade.
E, quando eu quero uma coisa, e não a consigo
eu tenho direito de ficar triste?
Deus, por favor,
eu cansei de fingir que sou a protagonista de um daqueles livros nos quais a mocinha tem que sofrer feito Jó enquanto sorri.

Eu quero coisas.
Coisas que não fazem bem a ninguém que não eu.
E quero o direito de chorar quando não as consigo, eu quero chorar.
Eu quero ter o direito de chorar.
Eu quero querer coisas, eu quero poder ficar triste.

E eu quero isso aqui,
eu quero o direito de dar chilique na frente das pessoas,
ou quando sentir vontade.
Eu não quero ser triste no meio da noite, dentro de um carro.
Eu quero poder dizer o que sinto, eu quero coisas.
Tantas coisas.

E eu só quero poder querer,
eu nem preciso conseguir tudo,
eu só quero poder querer muito algo, sem medo,
e poder chorar quando não conseguir.

Se puder, por favor, eu gostaria muito, muito mesmo,
de poder querer.
Mas, se não puder, tudo bem.
Existem outras coisas mais importantes,
mais relevantes,
mais significativas
pra se querer.

A paz mundial,
por exemplo.

35x01 Degermante

Imagem: TingTing Huang

(Para meu eu futuro: alguns dos textos que seguem falam de acontecimentos que ocorreram antes do episódio 34x19. Se isso é relevante, ou será relevante: não faço ideia)

Estava limpa, trabalho bonito, bem fechada, bordas aproximadas, simétricas.
Fui pra casa, pontos em plano profundo e superficial.
Não me cuidei, te deixei tocá-los, morder e rasgar,
infeccionou.

Pus vazando pra todo lado, Matilde
sem parar.
Mas eu não queria abrir, eu não queria limpar de novo,
nem deixar cicatrizar por segunda intenção.

Eu não queria mais, ou não tinha mais forças.
Não tô vacinada. Tô indefesa e cansada.
Meio morta-viva, e não quero mudar isso, quero apodrecer.
Tô cansada de limpar a sua bagunça,
de me limpar da sua bagunça

e te deixar fazer tudo outra vez.

Early Cuts: Alice

Imagem: TingTing Huang

Alice é nome de música francesa, personagem de história infantil.
Alice, sim.
Mas por que Alice e não Maria?

Tem o rosto frágil, adolescente, por trás dos óculos e da armadura.
Mas de frágil não tem nada.
Cutuca o piercing no nariz, passa a língua pelos dentes e fica vermelha quando se exalta.

Alice.
Bonito e poético sentir que o feminino em você fala alto, emociona.
Vai além da saia, da tua boca bonita e vermelha, e é bonita de ver.
Fica mais bonito, infinitamente, quando você fala

34x19 Não ou sim (Season Finale)

Imagem: TingTing Huang

- Quer namorar?

Assim só, simples, sem grandes ações.
Sem grandes preparações.
"Acho que estou destinada a conseguir pretendentes incapazes de me propor namoro com flores e jantares", pensei. É a maldição daqueles filmes dos anos 90. Tudo bem.

Quero dizer,
não.
Eu quero estar apaixonada, eu quero querer você.

Não.
Eu quero ser livre, eu não quero me comprometer com a felicidade de outro nós.

Não.
Eu gosto de você. Muito. Mas não quero namorar com alguém porque temos interesses similares, porque é fácil, porque minha família acharia ok

Não.
Eu não sei o que quero, ou o que fazer quando souber.

Eu diria sim, eu juro que diria.
Estável, seguro. Você é bom e, nesse exato momento, eu desejo nunca ter te conhecido, nunca ter te feito mal.
Eu diria sim, em outra época, outra vida, outra B.
Mas a pessoa que sou - ou estou tentando ser -, essa não quer nem tentar.

Eu me conheço melhor.
Sei o que não quero.
E não quero nós.
Coloco todo o sentimento, a vontade, a incerteza, a insegurança, saber quem sou, em uma palavra, um som, desvio o olhar, digo alto, da maneira mais segura que consigo dizer:

- Não.

Você vai ficar bem.
E eu também.

34x18 Tín Man

Imagem: TingTing Huang

Martín.

Parei para falar contigo, coisa corriqueira, sorrimos, teu celular tocou e eu fui embora.

Só.

Mas eu não queria que fosse só.
Parte de mim foi mesmo pra casa, estudar, ler e devanear ao som de Snaggletooth.
Mas, Martín, parte de mim ficou,
arriscou.

Esperou sua conversa acabar, te puxou pelo braço e te chamou pra um café.

Café rápido, no píer mesmo.
Bebemos devagar, eu consigo até sentir o cheiro doce,
e eu te disse pra não ousar falar sobre coisas acadêmicas.

Falamos de mim, de você. De tudo o que existe de ameno, e nossas pernas se encostaram debaixo da mesa.
Martín, você não sabe, mas me acompanhou até o estacionamento e, quando me deu adeus e me deu as costas, eu te chamei de volta e fui eu quem tomou a iniciativa no nosso primeiro beijo.

Ah, Martín, você não faz ideia, mas nossas férias foram lindas. Tomamos tanto sorvete e eu até sujei seu nariz de chocolate,
Já andamos de mãos dadas por aí e eu te desejei boa noite, bom dia, boa sorte, eu te amo.
Até saímos pra dançar, e você é muito menos desajeitado do que pensa.

Gostei do seu cheiro, da textura da sua pele e escolhi um osso favorito no seu corpo, pra chamar de meu.
Eu fiquei tão zangada, na nossa primeira briga (cujo motivo foi tão irrelevante que nem me lembro dele), que achei que te odiava. Mas passou, em questão de segundos.

Viajamos juntos, cedo demais, foi confuso demais
mas eu já te amava, eu já queria só você e mais ninguém, mas você não entendeu isso até que eu dissesse,
até que eu gritasse bem alto,
bêbada de vodka, amor e intensidade.

Você sentiu medo e eu eu senti medo, mas a gente não sentia medo de sentir medo do futuro.
Dormimos juntos, naquela noite, e em todas as noites seguintes, até à última.
Martín, nós nos amamos tanto.

Mas você não sabe disso,
porque dei as costas,
desci as escadas,
e fui embora sozinha.

E foi só.

34x17 De ordem mista

Imagem: TingTing Huang

Corro na sua direção, corro, corro
e nunca te alcanço, mesmo quando você não está se movendo.

Eu não sei o que quero da vida, ando preocupada com a futilidade, a finitude, com o tamanho da minha bunda, com as provas finais.

Não sei dizer se te amo.
Um homem me pergunta, no meio da noite, com uma leve preocupação na voz.
E eu não sei.

Quero te ver.
Quero falar com você.
Quero você, e mais ninguém, mas não quero.

Não quero mais lutar, não quero mais nada disso, nem me sentir assim.
Eu quero me sentir bem.
Amar, pra mim, é se sentir bem. É fazer bem.
Certo?

Dou as costas e corro, na direção contrária à sua.

Almoçamos.
Ele me olha nos olhos, estou bonita, fala, falamos, é cortês, educado, engraçado.
Não sinto nada.
Jantamos.

Ele me impressiona.
Conta uma história, faz uma mágica, me faz rir e fechar os olhos.
Gosto disso, gosto muito, e ele diz o que pensa, o que sente, do que gosta.
Parece honesto.
E eu senti falta disso.
Mas, no fim das contas, passa.

Saímos juntos, ele me beija, e eu perco o interesse.
Eu não quero mais brincar de beijar sem sentir nada especial.
Eu não sinto,
eu não sinto nada.

Tô desse lado da mesa, ouvindo, ouvindo, ouvindo,
sem vontade de falar, sem vontade de me deixar conhecer demais.
Eu quero me levantar e correr, correr de olhos fechados, na direção do amor.

Eu sou boba, sou piegas, eu não posso simplesmente desistir.
Cresci com estrelas, amores Tom Hanks-Meg Ryan,
eu quero o impossível, eu quero desobedecer as linhas da mão, o horóscopo e as cartas de tarô,
eu quero você.

Dou meia volta e corro na tua direção, na tua, na tua.
Enquanto isso, rezo
pra tudo e todos, de olhos fechados.
Corro,
torcendo pelo impacto violento que espero que signifique que você também está correndo.

Correndo pra mim.
Corra.

34x16 Eastwood

Imagem: TingTing Huang

Chego em casa do cinema, meus amigos me chamaram pra sair de novo: não quis.

Eu queria mais.
Ou menos.
Nem sei.

Cabeça pra fora da janela, tudo fica bem, tudo fica estável, tudo parece controlável num mundo em que toca Home e Elephant Gun, mas aí desço do carro e sou só eu.

Falo com Pégaso.
Não resisto, crio assuntos, deixo mensagens implícitas e falo e leio a resposta e não é o bastante.
Não é.

Viajo pela lista de contatos pensando em procurar alguém pra conversar, um desavisado, perguntar a ele sobre a lua e sobre a estranhice.
Mas acabo chegando no teu nome, Otto, e percebo que quero mesmo é falar com você.

Chamar.
Mas o telefone não chama, impossibilitado de receber chamadas. Chamadas minhas.
Deixo recado pra ninguém ouvir, de mentirinha.

Oi
Tudo bem?
Sou eu, Bels.
Tô te ligando porque sinto a sua falta.
Queria falar com você.
Sobre nada específico, só bobagens.
Você se parece com o Clint Eastwood de anos atrás, sabe?
Até no jeito, ele faz aquela coisa, a cara de mau. Resting bitch face, haha.
Sinto falta disso.
Quero te contar sobre a República Dominicana e músculos do antebraço.
Suturas e essa carta que escrevi sobre ir atrás de você.
Eu quero falar de você, quero ouvir sobre você.
Tenho medo de nunca mais te ver.
E eu preciso te ver de novo, Otto.
Eu preciso te ver de novo.
Eu preciso te ver de novo.
Eu preciso te ver de novo.

E, de repente, estou pedindo,
rezando,
implorando
para o aparelho de celular

mudo.

Estou ficando louca, Otto.
Um dia desses, vou arrumar a mochila e ir atrás de você.

Metal e ossos na cidade de concreto.
Vamos nos ver de novo, Otto,
quando estivermos prontos.

Eu preciso te ver de novo e,
talvez você ainda não tenha se dado conta,
mas precisa me ver de novo também.

Early Cuts: Alice

Alice é brava.
Fica vermelha quando fala sua fala visceral.
Alice.
Tenho milhões de perguntas
De onde veio o teu nome? Por que Alice? E como é que pode esse teu nome combinar tanto?

34x15 When I stayed

Imagem: TingTing Huang

- Não.

Pediu que eu jogasse tarô. Queria saber se seu relacionamento tinha futuro.
Disse a ela que não jogaria.
Ela me perguntou o porquê. "Você já sabe a resposta para a sua pergunta"

A gente sempre sabe a resposta.
O difícil é aceitar.

Ela me perguntou se eu nunca tive esse tipo de curiosidade, quase em tom de acusação.
Não.
Na verdade, não.

Coisa engraçada.
Eu sou uma descendente profissional.
Durante anos, acordei, fiz chá, interpretei meus sonhos, li meu horóscopo, joguei meu tarô e vivi o dia de acordo com as previsões.
Uma personagem de história pronta.

Um dia, decidi me apaixonar.
Decidi, sim. Eu estava pronta para amar e ser amada.
Perguntei à elas.
E elas me descreveram ele, Pégaso.

Confundi tudo, interpretei tudo errado, achei que fosse sobre Holden, fiz a maior bagunça.
Mas ele chegou, mesmo assim.
Ele veio.
"The following", exatamente como previsto, sem tirar nem pôr.
E eu o amei.

Assustador, no entanto, saber que elas sempre estiveram certas.
Sabiam
Sobre mim, sobre ele, sobre nós.
Tinham meu futuro todo escrito, desenhado, tecido.
Respostas para todas as perguntas que eu ainda não queria fazer.

Depois do nosso primeiro encontro, decidi que tomaria, sozinha, todas as minhas decisões sobre nós.

Engraçado é que ele sempre reclamou do fato de que eu não fazia escolhar.
O que comer,
pra onde ir,
o que fazer.
Um bando de escolhas irrelevantes
que eu decidi
não fazer.

No fundo, por detrás de todas essas futilidades,
me orgulhava de fazer, sozinha, todas as escolhas referentes a nós.

Sozinha,
sem mapa,
sem guia,
sem estrelas.
Perdida, perdida, perdida.

Eu me orgulho disso, de todas as decisões que tomei, de todos os erros que cometi sozinha.

Durante nosso relacionamento, só consultei as cartas uma vez.
Uma semana antes de terminarmos, eu perguntei à elas
o que deveria fazer pra que a gente ficasse bem.
Pra que tudo ficasse bem de novo.

E elas foram implacáveis, claras, duras.
A primeira, de muitas vezes que se seguiriam.
E eu fiz o que faria todas as outras vezes,

ignorei.

Eu escolhi ficar.
Ninguém me disse pra ficar,
nem pra lutar,
pra esperar,
pra tentar de novo.

Eu escolhi ficar.
Fico me perguntando, nesse meu mau humor atual,
se não acabei apressando as coisas, incorrendo na fúria das tecelãs do destino, se teria sido diferente se eu tivesse obedecido, se tivesse
ido.

Nunca vamos saber, certo?
Mas eu escolhi ficar,
e tenho certeza de que, de alguma forma,
isso fez toda a diferença do mundo.

34x14 Silver

Imagem: TingTing Huang

Eu a sinto.
Na preguiça mortal de domingo, enquanto encaro o teto e as teias de aranha nele.

Eu a sinto no cantinho da minha cabeça, sussurrando perguntas que não sei responder, seu nome, procurando dor, procurando muita dor que eu não posso sentir agora.

Eu a sinto acordar no meu estômago e pedir comida, pedir, pedir.
E eu como, sem sentir fome, o mundo todo parece tão bom que eu enfio pedaço atrás de pedaço na goela. Sem sentir.
Eu a sinto, mas não só nos dias ruins.

Eu a sinto nos dias muito bons.
Dias brilhantes, cheios de som. Eu a sinto rir, passar a noite inteira acordada escrevendo fervorosamente sobre amor.
Eu a sinto, em sua busca obsessiva pelo verdadeiro amor, rindo alto e teorizando sobre horóscopos e estrelas que não sei se são mais do que rocha flutuante.
Dramática, agressiva, ela senta no chão e encara a parede, chora sem razão, assiste todos os filmes românticos que tem à mão.

Ela me põe louca, sonsa, argumenta comigo e sempre vence, decide agir por conta própria, depois desiste, larga tudo e some, não quer mais, entra debaixo das cobertas e me diz que não sai mais de lá nem por um decreto.

Fica nua, se acha gorda, grita comigo por comer tanto e, depois, come até ficar enjoada, tem diarreias, fica fraca e briga comigo porque acha que eu quero viver pra sempre.

Mando que ela cale a boca e seja normal, finja que é normal, estável.
Mas ela só fica mais louca, mais furiosa, mais destrutiva, mais
Aí desiste, larga tudo,
some.
E eu fico só, em paz, em silêncio

esperando que ela volte e bagunce tudo de novo,
como de costume.

34x13 Redoma de vidro

Imagem: TingTing Huang

Demorei muito pra escrever sobre isso.
Mas, lá vou eu.

Eu fui assaltada. Eu, James, osGênios.
Levaram meu celular.
E levaram outra coisa, também.

eu tô com medo.
Levaram algo, algo

Levaram minha casa, minha Brasília, o único lugar em que me senti segura na vida.
Levaram

Levaram a beleza dos estranhos que se aproximam, e das noites escuras.
Levaram minha capacidade de ouvir.

Eu tenho medo,
do escuro, das janelas abertas, de voltar sozinha pra casa, de demorar pra entrar no carro, de sair das festas.
De dormir.

Não tá tudo bem.
A cidade era minha, minha cidade, minha casa. Uma mulher gigantesca de concreto e vidro a me segurar pela mão,
Sólida.

E eu quero isso de volta.
Quero de volta as sensações fúteis, o não me importar com quem vive e quem morre, ou com amor e outras bobagens.
Queria que o tutorial fosse a maior das minhas preocupações, e não tremer de medo quando tenho que descer pra levar o lixo.

Eu não sei quem você é. Eu não sei da sua vida, da sua história. O que nos separa são milhares de oportunidades, de privilégios invisíveis dentro dessa minha velha redoma.
Eu não sei como é ser você,
eu não sei o que sentir sobre você.

Mas eu peço encarecidamente que me devolva.
Pode ficar com o celular, as músicas, as lembranças, as conversas.
Eu quero minha inocência de volta,
eu quero me sentir segura,
eu quero não ter medo de cada homem e mulher que surge ao longe,
e quero voltar dirigindo sem rezar pela minha vida, pra ficar salva, pra ficar sã.

Eu só quero de volta a sensação de ser imortal,
de estar segura.
Pode ficar com o resto.
Eu só quero voltar a ser eu.

34x12 Coadjuvante


Imagem: TingTing Huang

Eu te espero voltar enquanto o almoço esfria sobre o fogão.
Mas você não volta, você nunca mais volta.

Quem é você?

Eu não te reconheço, mas você não mudou nada. Sempre foi você.

Eu me apaixonei pela sombra escondida nos seus olhos, o jeito como os fios do seu cabelo teimavam em crescer.
Eu me apaixonei pelos seus sonhos.

Por tanto tempo, você foi a mão errada dentro da luva, um inseto preso no quarto, batendo na janela e tentando sair. Sentindo o vento, sem saber de onde ele vinha.

Eu amo você.
Eu amei você desde o primeiro segundo. Antes mesmo de te ver.

E, agora, eu te vejo.
Eu te via antes, fragmentada, nas pontas dos dedos, na respiração, na cor rosa da sua língua a roçar sua gengiva, na respiração, nas pausas, no toque. Mas agora é diferente.
Eu te vejo, por completo.

Eu te vejo quando abro os olhos pela manhã, e você me sussurra um bom dia doce e delicado, o seu bom dia.

Eu te vejo, e te amo, então tampo as panelas e distraio o estômago com um copo de suco
enquanto espero que você volte.

Mas você não volta.
Você não é como eu, você não simplesmente vai e volta, liga e desliga.
Você é.
Eu simplesmente existo, eu não sou.
Você é.
E, uma vez que se é, não se pode esconder.

Não esconda.
"Eu estou doente", digo, em tom de segredo, "mas você não está. Você é, e a doença, meu amor, a doença é existir. Você é".
Retiro sua máscara, com toda a delicadeza
e você é linda.
Você é.

E eu queria entender, queria saber, queria te proteger, eu queria
Mas não é sobre mim. É sobre rios, sobre saber quem você é, sobre ser, sobre você.
Então abro bem as janelas, pra que você possa voltar e sair quando quiser, voar pra bem longe, pra um lugar onde você possa ser.

E eu espero, meu amor, que eu também possa encontrar esse lugar ou, ao menos,
uma cura
pra minha própria existência.

34x11 Silver Linings

Imagem: TingTing Huang

Eu quero me apaixonar.

Não pelo calor debaixo das cobertas num sábado frio,
nem pelo personagem principal da série de TV,
nem pela cor do esmalte favorito de alguém.

Eu quero me apaixonar por alguém.
Uma vontade sofrida,
desesperada,
que só pode ter as motivações erradas.

Me esforço,
converso,
vou a encontros mal sucedidos,
ando por aí cega, deslumbrada,
eu tô tentando.
Desesperadamente.

Educo minha mente com as músicas românticas, os filmes de sessão da tarde,
eu quero me apaixonar
eu quero me apaixonar,
quero sufocar meu cinismo e me fazer acreditar que existe mesmo esse tipo de amor que os filmes pregam.

Eu quero me apaixonar.
O horóscopo me prometeu isso, as estrelas me deixaram mensagens dizendo que aconteceria
E eu acreditei.
Com mais fé do que já acreditei em qualquer coisa no mundo.
Me prometeram uma paixão pra setembro,
mas já é novembro.
E eu

Eu quero me apaixonar.
Eu preciso.
Uma carta no tarô me diz que vai acontecer e eu espero,
eu espero
eu espero
Eu acredito tanto, tanto

Nada acontece.

Digo a H, histérica,
jurando ódio às mulheres estrelas,
à Mãe, à Donzela, à Morta,
ao amor e todo o resto.

Aí ele me diz
exatamente o que preciso ouvir.

Isso é quem eu sou.
Essa fé estranha em mulheres que lêem as mensagens que as estrelas mandam,
eu sou a Ashling sem o buda da sorte, com toda a dor do mundo.
Eu sou tão boa quanto posso ser.
Gosto de livros e de ficar em casa.
De batatas fritas, cozidas e de todos os tipos.
Eu gosto dos meus pés.
Eu acredito em horóscopos, eu sou uma descendente profissional.
Não sou boa com diálogos, nem gosto de filmes, nem sei tudo o que há para saber sobre nada.
E estou bem assim.
Eu me sinto ótima.
E não quero mais forçar as coisas.
Eu quero ficar em casa, sim, ficar em casa
Eu quero fazer as coisas do meu jeito, eu quero dançar feito uma maluca, eu quero me vestir como quiser, eu quero gostar de ser quem sou, e eu quero que gostem de mim por isso.
Não porque eu me esforcei pra ter um assunto pra falar,
porque eu me arrumei toda
ou só porque eu conheço a droga de um livro.
Eu sou incrível.
E, sei que parece estúpido, caro leitor, mas é muito difícil pra mim aceitar, dizer ou entender isso.
E eu não percebo, na maior parte do tempo.
Mas eu sou bem legal.
E existe muita coisa que as pessoas não sabem sobre mim. Nem mesmo você.
Espero que, um dia, alguém se interesse o suficiente pra tentar descobrir tudo.

- Você acredita em destino? - ele me perguntou.
E eu disse que sim, embora fosse horrível, porque é tão inalterável.
E ele me disse pra pensar nisso de outra forma, daquela forma incrível dele,
sobre esperar coisas boas.
Tem algo aí pra mim,
tem alguém aí pra mim.

E eu acredito nele.
Eu acredito.

34x10 Caring is creepy


Imagem: TingTing Huang

- Eu não sei - respondo

Eu não sei.

Talvez eu me importe demais.
Confundo as coisas, enxergo sinais onde não existem, meu peito dá um nó, eu não entendo o que sinto.

E não, não estou em negação, até admitiria tudo e cairia de joelhos de novo, se tivesse a certeza que já tive.
Não tenho.
Certeza nenhuma.

Penso que não,
minhas costelas queimam,
sonho sonhos de dor,
busco seu nome no Facebook,
procuro essa linha vermelha amarrada em você - sinto vontade de rasgar suas roupas pra procurar a ponta desse fio que tem que estar lá, que tem que estar lá, que não pode estar lá, por favor, Deus, não pode estar lá,
eu quero falar com você,
eu quero te ver.

Penso que sim.
Mas não é você que eu quero.
Que merda, você nem sabe quem é a Russian Red, E eu não quero te explicar.
Eu não quero dormir com você,
eu não quero ficar com você,
eu nem sei se quero beijar você.

Eu só quero
alguma coisa.
(E, enquanto escrevo isso, tenho essa impressão de que eu só quero mesmo alguma coisa. Mas não precisa vir de você)

Yoda me diz, no seu palavreado confuso e profundo, que preciso me resolver, preciso me decidir, preciso conversar.
Mas eu não sei o que dizer.
Eu não entendo o que tá acontecendo.

Pergunto se acaba, se isso termina no final, se as coisas são mesmo cíclicas, porque eu tô perdida, porque eu realmente não sei mais essa resposta, que eu achei que fosse óbvia.
Eu quero saber quando é que isso passa,
quando é que isso sai das minhas costelas e da ponta dos meus dedos.
E ela me diz que vai passar quando eu menos esperar.

Mas eu só posso esperar.
Eu só posso esperar.

34x09 Remain Nameless

Imagem: TingTing Huang

"Acorde"

Um grito no meio da noite.
Abri os olhos e a realidade baixa aos poucos, sem se encaixar nos lugares certos.
Eu não sou eu.

Há quanto tempo isso não acontecia? Semanas, meses. Talvez um ano.

Tomei alguma coisa, alguma droga, provavelmente, e não conseguia me defender de mim mesma.

Ela abriu meus olhos, assustada, ferida, todas as sensações a que ela jamais tinha acessado, de uma vez, cegando, enregelando, machucando, nauseando, ensurdecendo, enlouquecendo.
Sem nome, sem saber nada do mundo, a fera saiu de seu útero escuro, úmido e fétido.

E correu, sem saber como se corria.
A experiência, de que eu já tinha me esquecido, assemelhava-se um pouco a colocar a mão em uma luva ao contrário, dedão no espaço do mindinho.
As coisas não se encaixavam.

Ela se sentia mal, uma experiência mal sucedida, Frankenstein, mas não achava as palavras, coisa recém-criada.
Tentei explicar, tentei entender, mas não consegui.
Ela estava assustada, não me ouvia, não entendia, e eu me sentia engolfada por todo aquele medo, aquela dor.
Tentei acessá-la de todas as maneiras, acalmá-la, mas o pânico era imenso. Maior do que qualquer coisa que já senti nos últimos dias, talvez, desde muito tempo o sentimento mais intenso que já tive, nada romântico ou sexual: medo.
Assim como ela surgiu, foi embora. No outro dia, pela manhã.

Mais uma, de tantas, pensei, enquanto tomava meus remédios negligenciados.
Ela vai aparecer de novo, em algum momento.
Tenho uma certeza enorme disso. Acho que acontece porque, apesar da falta de jeito, a conexão pareceu a certa.
Natural, de um jeito completamente novo.
Aquele medo, aquela dor.

Quem quer que seja a mulher sem nome, a besta silenciosa e arredia que saiu do escuro usando meu rosto,
tenho a perturbadora impressão de que, de todos os fragmentos dessa minha mente transtornada,
aquele era o que mais continha pedaços de mim.

Era eu, na minha versão original, sem cortes, sem extras.
Eu.

E nos encontraremos de novo.
Disso, não há a menor dúvida.

34x08 Trust Issues

Imagem: TingTing Huang

Vomito e apago, num banheiro escuro no centro do mundo.
Nasci sozinha, hei de morrer sozinha,

meu corpo gruda, o cérebro não funciona, eu não sinto, porque não consigo traduzir o cheiro, o desejo, o medo, o gosto

Sou puro instinto, vomito e durmo, apago num borrão de sensações indistinguíveis.
Acordo na noite escura, animal assustado, ferido, anestesiado e grito, uivo alto, tenho medo.

Saio na chuva, buscando as luzes, mas não sei pra onde ir. Esqueci onde estou, esqueci quem sou.
Eu simplesmente existo.
Sem razão aparente,
simplesmente existo em meio ao caos.
O céu desaba enquanto choro feito bebê, sem motivo, a dor de existir sem rumo.

Alguém me encontra e me diz meu nome, não o reconheço e, ao mesmo tempo, sou eu.

Um nome, uma sina, olho minhas mãos cheias de linhas fundas, eu existo.

Ele me pergunta se alguém fez algo comigo.
E eu sei o que ele quer saber, eu sei, lá no fundo, mas eu quero dizer que sim, fizeram muitas coisas
Existem muitas coisas ruins que se pode fazer com alguém, e nem sempre envolvem sexo.

Chorei, ou a chuva no meu rosto chorou, minha boca não conseguia expressar toda a dor e o medo. Eu tremia, de frio ou de pavor.

"Tá tudo bem, confia em mim"

Id solto, bêbada na chuva, morrendo de frio, de medo, de qualquer coisa que não sei explicar bem,
dei dois passos pra trás,
eu não confio.

Cega, incapaz de fugir, de lutar, eu não conseguia aceitar ajuda.
Eu não confio.
Chorei de novo, uma luta interna pra dizer "ok, eu acredito"
Ok, eu confio

Não deu.
Eu não confio.
Eu não confio, algo grita nos meus ouvidos, o som de milhares de gritos me ensurdecendo, eu não confio, não confiamos, não confiamos, não confiamos, não confiamos

Dormi: sono sem sonhos, gosto ruim na boca.
E acordei longe do escuro,
com essa sensação ambivalente de estar protegida por um milhão de armaduras.

Me sinto segura e, ao mesmo tempo,
certa de que
nunca
vou deixar alguém entrar.

34x07 Meia-Verdade

Imagem: TingTing Huang

Você está doente.

Abro a boca e molho a pílula com saliva quente,
eu tô doente.

Mas se eu não tô
me levando da cama e danço, aí você chega.

- Você tá doente.

Abro a boca, engulo o remédio, mais um, mais outro, eu tô doente.

Sinto calor, sinto dor,
aí você desaparece na sua nuvem, na sua vida,
na sua sina que não tem mais nada a ver com a minha
e eu fico curada,
nova em folha
pronta pra luta
em posição de ataque
até você abrir a porta para um beijo de boa noite, leite quente e xarope doce,
eu tô doente,
fecho a boca , digo que não engulo mais nada e você
"Você tá doente"

Que pessoa ruim eu sou,
te magoando assim, recusando seu cuidado, seu amor, leite quente e xarope doce,
devo estar mesmo doente.

Acordo cedo, morta de dor, vontade de sair correndo, de voar,
e te pego cortando as pontas das minhas asas.
"Você tá doente"
Eu choro e você me diz que só quer que eu melhore, pra voar de novo, pra voar mais alto e pra bem longe.
Vai passar rápido, vai passar logo, vai passar, mas agora não,
hoje não,
essa noite não.

Abro a boca, tomo remédio com leite quente.
Afinal de contas, eu tô doente,
eu sou doente.

Fecho os olhos e tento dormir
Antes que o sono chegue de vez,
me vêm à cabeça
xarope doce - leite quente
Será que não é você,
quem está doente?

Aí durmo e esqueço.

34x06 Who's bad?

Imagem: TingTing Huang

Caro Pégaso,

não preciso da sua validação.
Mas preciso.
Preciso saber.

Quem é mau?
Quem foi mau?
Foi tão ruim assim?

Eu me olho no espelho e me vejo, sou capaz de me ver.
Eu sou capaz de gostar do meu rosto, do meu corpo.
Eu gosto de mim.
Mas esse estigma não sai.

A cicatriz nas minhas costas desapareceu há muito tempo, mas essa não some.
Sou uma pessoa ruim?
Eu consigo ficar com alguém?
Eu consigo lutar por algo?
Consigo ficar ?
E se eu ficar?

Não quero repetir padrões, não quero um número no CID, não quero que me digam como vou viver meus relacionamentos.
Mas, às vezes, quero que você diga.
Que você confirme que não fui feita pra coisa, que me diga que posso dormir tranquila sabendo que vou acabar sozinha, criando gatos ou chinchilas, amarga ou não.

Quem errou?
Eu?
Fui eu quem errou?
Fui eu quem veio toda errada, signo avoado, vênus muito intenso, essa lua em aquário, meu pai que foi embora e sumiu, essa mãe incrível, mas meio pai, cheia de assuntos inacabados.
Meus exemplos falhos de romance,
o cinismo e todos esses casamentos que acabam em divórcio,
foi aí que eu errei?
Já vim com defeito?

Ou foi depois, minha insegurança, o ciúme excessivo, foi o fato de estar doente?
Ou era você, que não aguentava mais olhar?
Foi a minha dor inexplicada pelo mundo e toda a beleza que eu não sabia ter?
Eu te sufoquei?
Todos os dias, de maneira que você não viu outra saída?
Eu não te amei o bastante?
Ou eu não me amei o bastante?
Por isso você foi embora?

Sou lesa, demoro a entender, perco os significados e as nuances de cor. Não entendo de aritmética, geometria, geografia, não entendo de amor.
Não entendo de você, nem se te conheço de verdade, não entendo de mim, do tempo ou do que costumávamos ser.

Sento aqui e te escrevo uma carta, cheia de medo de obter as respostas pras minhas perguntas, cheia de fúria e de coragem pra não aceitar a culpa de mais nada.
Eu quero saber
Mas não sei se me importo.
Não sei se faz diferença.

Eu não preciso da sua validação, ela disse.
Mas eu quero.
Só que não sei se me importo
Com o meu querer,
ou com o que quer que você tenha pra dizer.

Com amor,

B.

34x05 Saudade, uma versão

Imagem: TingTing Huang

Sinto a sua falta e nem te conheço.
Ando inquieta, distraída.
Fiz uma prova ou duas, estudei, trabalhei com teu nome na nas pontas: da língua e dos dedos.

Sinto ânsias de falar com você, mas não sei o que dizer. Tô esperando passar, tô esperando melhorar dessa síndrome febril que você me fez desenvolver.

Sinto falta do seu cabelo e do seu abraço meio desajeitado.
Sinto falta de tanta coisa que nem sequer aconteceu.

Sou estúpida, sinto falta das brigas que não tivemos e de jantares a que fomos de mãos dadas num futuro distante e imaginário.

Daqui a alguns dias, semanas ou meses, vou rir de tudo isso, dessa paixonite absurda que me conecta a mais uma pessoa que nunca vai saber que existi. Talvez sinta até um pouco de vergonha por toda essa tolice.

Mas agora, sinto a sua falta.
Saudade,
penso em você dormindo em uma tarde nublada de domingo, ou lendo, maquinando planos de dominação mundial, gritando palavras de ordem nas ruas ou em bares, penteando os cabelos ou dando risada de algo que alguém disse pra te impressionar.
Tudo isso enquanto escrevo sobre você, essa coisas que você jamais vai ler
e que eu nunca vou dizer.

34x04 Alice


Imagem: TingTing Huang

Fiquei estúpida.
Digo coisas sem sentido, palavras ao acaso sobre as quais não penso.
Ensaio várias coisas inteligentes-simpáticas-educadas que te chamem a atenção, aí olho pro teu rosto e as palavras somem.
Eu quero ficar perto de você.
Tô tentando ser honesta, mas não me entendo, não entendo nada, voltei a ser leiga nessas coisas de gostar.
Como é que se gosta e por que é que se gosta de alguém com quem troquei duas palavras?
Alice.
Seu nome tem gosto de doce,
sua voz faz cócegas.
Boca vermelha escura,
visceral,
capaz de gritar palavras de ordem,
histórias tristes,
de sorrir bonito.

Gosto do seu cabelo.
Queria ter sentido o seu cheiro de perto, ter te dito algo que te fizesse rir.
Não sei o que acontece, nem porque parece tão natural assim que eu goste de você.

Mas vai passar, Alice. Infelizmente ou não, sempre passa.
Eu me apaixono assim, bobamente, a todo minuto, por todo mundo.
Vai passar.

Eu só não sei se quero que passe.

34x03 Alone is not together


Imagem: Ting Ting Huang

Sozinho não é junto.
Nunca foi, nunca vai ser.
Enquanto você conversa com seus amigos, de costas pra mim.

Sozinho não é junto, enquanto eu me sinto derreter no sofá de casa, numa tarde quente de um dia qualquer, mais um dia, só mais um, e você não vem.
Sozinho não é junto quando choro no carro, parada na frente de casa.
Sozinho não é junto quando você finge dormir pra não ter mais que conversar.
Sozinho não é junto quando eu tô sentada te esperando chegar por horas, horas e horas.
Sozinho não é junto quando você está com ela.
Sozinho não é junto quando eu tenho que descobrir todas as respostas, quando não entendo as perguntas, quando eu nem sei quem eu sou.
Sozinho não é junto quando não sei onde eu termino e onde você começa.
Sozinho não é junto quando parece que falamos duas línguas completamente diferentes.

Sozinho não é junto
Sozinho não é junto
Sozinho não é junto

Eu consigo entender, só não consigo aceitar.

34x02 Undateable


Imagem: TingTing Huang

- Eu não posso fazer isso.

Eu não posso.
Porque eu não amo você.
E eu não quero mais não amar alguém.
Eu quero querer você como você me quer.
Mas eu não posso.
Eu posso tentar fingir,
mas meu corpo não consegue mais mentir.
Eu não consigo.

Eu me importo com você, muito muito
o bastante pra não querer fazer isso. Não dessa maneira.
Te observo dormir,
e eu sei que não posso mais fazer isso.

Estou ficando louca.
E eu não quero mais ficar louca.

Eu quero ficar ok.
Eu quero ficar bem.
Eu quero ficar feliz.

E eu tô com medo, um medo estranho, mas com o qual dá pra viver
de que eu só consiga ser feliz assim,
como eu quero ser,
se estiver sozinha.

Como eu sou quando você vai embora,
no silêncio de uma tarde de domingo,
quieta e sã.
Não porque você veio, mas porque você partiu.

Eu sinto muito,
não posso fazer isso.
Nem com você,
nem comigo mesma.

Boa sorte.


34x01 Back in the saddle


Drinks - 0
Cigarrettes - 0
Dates - 0
Weight - 50
Ex talks - 1

Eu quero me apaixonar.
Assim, sem necessidade de esperar, de forma honesta e adulta,
eu não quero mais esperar uma previsão favorável do horóscopo ou a boa vontade de mulheres estrelas, que com certeza têm mais o que fazer, com todos esses mortais e suas velas da Babilônia.
Eu não quero mais ouvir 3 mulheres cegas descrevendo o homem a quem vou amar, ou me forçar a gostar de alguém que gosta de mim.
Eu não quero mais fazer coisas contra a minha vontade, ou porque acho que devo ou porque acho que vou gostar ou porque
Eu não quero mais.
Eu quero me apaixonar por alguém que goste de coisas de que gosto também, alguém com quem eu queira conversar e que eu queira ver.
Por alguém que queira me ver.
E eu não quero mais ficar em casa.
Mas também não quero mais sair por aí beijando desconhecidos (e é possível que eu seja muito criticada pelo Brasil inteiro e tenha que ficar fingindo pra todo mundo e pra mim mesma que não sou boa o suficiente).
Resta me render ao estereótipo de solteirona, sorrowed spinster do século XXI, e esperar por aquele famigerado match, eu suponho.
Escolho aquela foto favorita, que provavelmente não vai ser a foto favorita de cara nenhum, me coloco na vitrine, sem frase de efeito pra usar - poxa, eu sou só normal - e espero que alguém olhe nos meus olhos congelados na fotografia e decida arriscar.

E é depois que faço isso, que tomo essa decisão de agir, é que percebo que, agora,
só resta esperar.

E é assim que, no fim das contas, acabo, como sempre
esperando.

33x17 The Greatest (Season Finale)

Imagem: TingTing Huang

Começou comigo.
É sobre mim.
Que termine assim:
sobre mim.

Eu tenho medo.
Medo de que essa minha coragem toda, nova e reciclada, da Bels dos meus 9 anos, que urinava em mochilas, da de 16 que fumava em cigarros e tossia (nunca aprendi a tragar).
Coragem advinda de muito sangue e pouco choro,
muito muito sangue derramado,
muitas pílulas.

Da vontade de nunca mais ser contida com tiras e agulhas.

Eu tenho medo.

Essa coragem de não pentear o cabelo me dá medo. De me vestir como quero. De brigar.
A coragem de não brigar mais (pois, acredite, é preciso coragem pra não tomar partido). Coragem de não arrancar a dor do peito, de deixar sofrer.
Coragem de querer.
De querer mais.
E eu quero mais, caro leitor.

Eu tenho medo de querer.
Tanto medo, tanto tanto medo, você não tem?
Tanto, que tem até medo de admitir em voz alta que quer.

E eu quero.
Eu quero provar que posso.
Eu quero despentear meu cabelo.
E quero ficar em casa.
Quero ter dias ruins, e dias bons, eu sou humana. Eu quero ser humana.
Eu quero música, quero me apaixonar e quero ser correspondida. Eu quero sentir vontade de estar junto.
Eu quero correr riscos. e não quero mais lutar por ninguém. Eu não quero mais ser um soldado.
Eu quero dormir na minha própria cama, quero comer da minha comida, e quero entender como as coisas acontecem.
Eu quero escrever,
E quero me curar de você e da droga que sua presença injeta nas minhas veias.
Eu quero ser corajosa, coração de leão e não de coelho, quero fazer melhor do que isso, todos os dias. Mas não quero ser melhor do que ninguém, quero ser boa pra mim.
Eu não quero salvar vidas, eu quero conhecer coisas.
Eu quero encontrar a religião que as células seguem e conhecer o Deus que vive nas bases nitrogenadas.
Eu quero saber o que há de errado comigo, pra que eu nunca conserte.
Eu quero beijar sua boca na chuva, pra que eu entenda todas as sensações ao mesmo tempo, eu quero encontrar Otto, e me dói um pouco admitir isso porque eu nem sei o que faria. Eu só quero encontrá-lo e mantê-lo sob minhas asas escuras de carne.
Eu quero coragem, eu quero criar coisas, e fazer com que as pessoas sorriam.
Eu quero bolo de chocolate.
E quero não me intimidar.
Eu quero crescer.
E sentir dor, essa dor diária, que me lembra que estou aqui por conta própria, sem remédio, sem rumo, que estou viva.
Eu quero ouvir de novo as vozes dentro de mim.
Eu quero correr.
Eu quero correr pra bem longe.
Em algum lugar onde eu possa correr, sem rumo.

Eu quero correr.
Eu quero dançar.
Eu quero fazer o que meu corpo me implora há meses, eu quero correr.
Disso tudo, eu quero pegar minhas coisas e fugir.
Eu preciso fazer isso, pra querer voltar.

Eu quero tanta coisa.
E tenho medo, um medo imenso, de querer.

Mas não dá pra esperar mais.
Por Otto, por você, por mim, pelas vozes, pelo destino, sua boca, paixão.
Eu preciso correr
Estou atrasada,
sempre atrasada.

E não posso mais esperar.

Eu quero não esperar mais.

33x16 When September ends

Imagem: TingTing Huang

Sua boca tem gosto de pó, de loucura, febre, desesperança.
O gosto do inexistente,
daquilo que nunca chega,
gosto amargo da espera

Você não vem, vem?

Tô sentada nessa estação de metrô vazia, limpa, silenciosa, te esperando chegar desde janeiro, tentando não me mexer demais pra não suar, pra não me amarrotar, pra não me perder.

Mas você não vem, vem?

2 últimos minutos do 2º tempo,
eu não tenho mais tempo pra te procurar pelas ruas.
Eu tô aqui.
Eu sempre estive aqui.
E você não veio.

Você não vem, vem?

Foi um bom mês.
Com você ou sem,
foi um bom mês,
um ano incrível.

Todo sobre mim, sobre me descobrir e despertar.
Ano com cheiro doce de creme de pentear, com a textura dos meus cabelos enroladinhos.
Você não veio, mas eu vim.
Eu sempre estive aqui,
E ainda vou estar, quando setembro acabar.

Você não vem, vem?

Ainda dá tempo.
Mas, se não der,
eu vou ficar bem.

33x15 Going Rogue

Imagem: TingTing Huang

Domingo à noite, doente, perdida em uma nuvem de dor, ele liga e me convoca pra lutar.
Tomo pílulas e pílulas, antiinflamatórios, analgésicos, antitérmicos,
vou à luta.
Eu não tô OK.

Meus ouvidos escorrem, garganta dói, meus olhos coçam.

L. me põe remédio debaixo da língua e eu derreto, escorro pelas frestas do chão até passar o efeito.
Mas, quando ele passa,
eu não sou.
Não reconheço meu rosto ou a textura seca dos meus cabelos.
Eu não sou.

Digo isso a L. e ela me diz que tô doente, que não posso voltar pra casa.
Pego o carro e dirijo sem parar, sem dormir, compro sorvete e espero o sol nascer, sentada no carro num lugar qualquer, com medo de tudo o que existe no mundo, com medo de ir pra casa e não me sentir em casa, com medo de L., com medo de jalecos brancos, agulhas e ressonâncias. Com medo de canetas e

Minhas costas sangram e eu me obrigo a usar camisetas escuras de algodão, que roçam permanentemente nos machucados, fazendo com que me lembre que estão ali.
Paro na porta da sua casa antiga e te espero voltar, pergunto pra um homem na rua se ele te conhece, mesmo depois de tantos anos.
E ele diz que não.

Eu tô ficando louca.
Ou será que não?
Ou será que sim
Uma gata de pelos dourados fala comigo nas ruas e me conta todo o meu futuro, mas eu me esqueço assim que ela vai embora.
Eu me esqueço rápido.
Assim como me esqueci de que te amava na semana passada.
Porque agora odeio tudo
e todo mundo.

Odeio, odeio.
e não consigo explicar,
eu não consigo encostar a minha boca na sua
eu não consigo sentir dor
eu não consigo levantar de manhã
eu não consigo conseguir

Arranco meu olho direito e sangro, no canto mais escuro da minha mente.
Alguém fala comigo, muita gente fala comigo,
o tempo todo
e eu não quero falar.
E elas não me deixam não falar.
Por que é que as pessoas teimam em saber mais de mim do que eu?
"Você consegue ver isso aqui?", eu grito, enquanto enfio os dedos no buraco do olho e arranco de lá o que me faz ser assim tão errada. "VOCÊ CONSEGUE VER A PORRA DESSE NEGÓCIO? Você não sabe de porra nenhuma sobre mim, então não me venha com diagnósticos baratos e seus clichês estúpidos"
Mas eu não falo de verdade,
eu me calo no canto do carro.

Eu nunca mais
Não quero mais falar.

L. me pergunta o que há de errado comigo, bate no meu rosto com os dedos gelados, molhados, me diz que já é segunda à noite, que eu tenho aula pela manhã, enfia os dedos na minha goela, mas eu não tomei nada.
Eu não tomei nada, eu tô é toda fodida, bem aqui ó.

Eu não quero morrer, L.

Seguro as mãos dela, mas já não consigo
não quero mais falar.
Eu não quero morrer, L.
Eu quero que o tempo pare,


eu quero que as pessoas parem.

Mas já é segunda à noite,
e eu tenho aula pela manhã.