Imagem: TingTing Huang
Os 15 batiam à porta, era noite alta, e eles não tinham a menor intenção de nos deixar sair. Ou entrar, a depender do ponto de vista.
Trabalhávamos pelo mesmo fim, mas nem sei se queríamos a mesma coisa. Ora lutávamos, arranhávamos a porta de ferro, ora nos cansávamos, amaldiçoávamos.
Um dia nos davam esperanças, corríamos à porta, a ouvir em silêncio os passos atrás dela, como se eles fossem a resposta à nossas preces e cartas.
Nunca eram. Ninguém vinha nos salvar da agonia profunda de ficar pra trás, uma agonia estranha que acho que senti por muito tempo na vida.
Aquela dor, revolta e gosto ruim na boca, que só sente quem nunca pode ir pelo caminho mais fácil.
E olha, eu tentei.
E sempre acabei assim, dando cabeçadas em portas.
Mas agora, éramos 15. Dizem por aí que a força está nos números, mas a nossa, eu não sabia onde estava. Só sabia que todos os nossos poderes mágicos combinados não estavam funcionando porque nenhum de nós conseguia abrir a porta.
Talvez não fosse mesmo pra ser,
talvez a gente devesse esperar, parar de insistir,
os dedos machucados, arranhados,
escoriações, hematomas,
e silêncio.
A gente só queria o que todo mundo queria:
crescer.
Mas eles não deixariam se ficássemos em silêncio.
Então, um por um,
gritamos,
alto, tão alto,
que os ouvidos doíam.
Mas gritávamos,
alto, mais alto.
E eles nunca abriam a porta,
até abrirem.
Mas eu já estava tão cansada, irritada,
machucada,
magoada
que a luz, a luz que eu esperei tanto tempo pra ver,
não me fez feliz.
Nada me fez feliz,
a não ser te ver feliz, saindo, indo embora.
Tomei coragem, ódio, raiva,
e saí,
e eu vi o que me esperava lá fora.
Quis voltar correndo,
mas a porta já tinha se fechado.
Eu estava livre.
Ou estava livre antes?
44x23 Yet again
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
O mundo gira. Rápido demais, brilhante demais.
às vezes, eu me pergunto:
garotas bonitas enxergam o mundo assim?
O velho dilema, guardado sob as costelas, explodindo sob o barulho do meu coração pulsando sangue rápido demais.
Eu quero dizer, eu quero encontrar as palavras, mas não quero mais ter que dizer, de novo e de novo,
porque nunca deixa de machucar, nem um pouco.
E eu sempre achei que o problema estivesse apenas nos meus olhos,
uma bagagem de 26 anos de me sentir pequena, menor, insignificante e estúpida,
e isso, isso é só um dos problemas.
A cor da minha pele sussurra baixinho as coisas que eu não posso ouvir, e a cor da sua pele fala uma língua completamente diferente que as pessoas parecem ouvir, a cor dos seus olhos, e eu simplesmente não consigo entender.
Por que?
Eu tento te dizer, eu tento falar a sua língua, eu te imploro, por favor,
me deixe ser.
Eu posso viver com isso, eu posso lidar com o gosto amargo de não ser como você, mas, por favor,
me deixe ser.
E então, eu, feito um Edmond Dantes, só preciso de amor e de um barco num mar calmo, por onde eu possa navegar, braços pra onde voltar, mas preciso que você me deixe ser, eu penso.
Porque eu me sinto menor,
ainda,
pior.
E eu penso que
tudo bem,
não é você,
sou eu.
Então eu vivo na sua sombra sem saber que eu produzo a sombra.
É apenas um jogo de luzes, e calha de você ter descoberto isso antes e descoberto como usar isso a seu favor.
E as pessoas têm me dito isso há séculos, mas lá estava eu,
vivendo à sombra, lutando contra minha luz, meu corpo, meus cabelos, meus olhos, minha pele, minha capacidade de atrair e de ser amada.
E eu devo dizer, é difícil, pra quem nunca esteve sob os holofotes, simplesmente sair.
Acordar e aceitar que eu posso não ser menor,
pior.
Mas eu posso fazer isso,
se você não estiver mais aqui.
Então nos separamos nessa encruzilhada, nenhuma sombra à vista, no seu caminho ou no meu, por favor, vá em frente, seja feliz e saudável e incrível, eu te desejo tudo de melhor e mais incrível, tudo o que desejar,
exceto a oportunidade de me machucar.
O mundo gira. Rápido demais, brilhante demais.
às vezes, eu me pergunto:
garotas bonitas enxergam o mundo assim?
O velho dilema, guardado sob as costelas, explodindo sob o barulho do meu coração pulsando sangue rápido demais.
Eu quero dizer, eu quero encontrar as palavras, mas não quero mais ter que dizer, de novo e de novo,
porque nunca deixa de machucar, nem um pouco.
E eu sempre achei que o problema estivesse apenas nos meus olhos,
uma bagagem de 26 anos de me sentir pequena, menor, insignificante e estúpida,
e isso, isso é só um dos problemas.
A cor da minha pele sussurra baixinho as coisas que eu não posso ouvir, e a cor da sua pele fala uma língua completamente diferente que as pessoas parecem ouvir, a cor dos seus olhos, e eu simplesmente não consigo entender.
Por que?
Eu tento te dizer, eu tento falar a sua língua, eu te imploro, por favor,
me deixe ser.
Eu posso viver com isso, eu posso lidar com o gosto amargo de não ser como você, mas, por favor,
me deixe ser.
E então, eu, feito um Edmond Dantes, só preciso de amor e de um barco num mar calmo, por onde eu possa navegar, braços pra onde voltar, mas preciso que você me deixe ser, eu penso.
Porque eu me sinto menor,
ainda,
pior.
E eu penso que
tudo bem,
não é você,
sou eu.
Então eu vivo na sua sombra sem saber que eu produzo a sombra.
É apenas um jogo de luzes, e calha de você ter descoberto isso antes e descoberto como usar isso a seu favor.
E as pessoas têm me dito isso há séculos, mas lá estava eu,
vivendo à sombra, lutando contra minha luz, meu corpo, meus cabelos, meus olhos, minha pele, minha capacidade de atrair e de ser amada.
E eu devo dizer, é difícil, pra quem nunca esteve sob os holofotes, simplesmente sair.
Acordar e aceitar que eu posso não ser menor,
pior.
Mas eu posso fazer isso,
se você não estiver mais aqui.
Então nos separamos nessa encruzilhada, nenhuma sombra à vista, no seu caminho ou no meu, por favor, vá em frente, seja feliz e saudável e incrível, eu te desejo tudo de melhor e mais incrível, tudo o que desejar,
exceto a oportunidade de me machucar.
44x22 A jornada da heroína
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
Eu tô tentando me lembrar com detalhes, mas é difícil, sabe?
É um livro, capa dura, firme, escura, azul ou verde ou preta, as letras já meio apagadas.
A heroína, ela é normal. Até demais, meio que uma perdedora, no início.
Ela tem um suéter roxo, sabe? E pega vários ônibus. Ela se apaixona a torto e à direito, meio sem noção. Passa a maior parte do tempo sonhando, escrevendo, sonhando, escrevendo. Às vezes, come e estuda.
às vezes até sai de casa.
Então ela é chamada pra uma missão, muita treta, difícil de entrar nesse lugar mágico aí pra onde ela queria ir, não me lembro o nome agora, mas ela queria muito ir, ou talvez a mãe dela quisesse muito que ela fosse, sei lá, mas acabou que ela arrumou as malas e foi, um chamado do destino ou algo assim, algo a ver com números e depois com gente.
E aí ela decide que não queria aquilo de verdade, muito difícil, muito diferente do que ela imaginava. Todo mundo conseguia fazer as coisas, mas ela não passava nem mesmo do lumus, não tô falando de Harry Potter, mas dá pra entender que ela não sabia de nada, só queria mesmo era saber de amor, de plantas e de jogar tarô.
Um dia chega esse cara, com esses olhinhos sábios e uns silêncios profundos que podiam querer dizer tudo ou nada e diz pra ela que quer ouvir o que ela tem pra dizer. E assim, sem entregar nada físico, nenhum livro, feitiço ou espada, ele diz a ela o que ela precisava ouvir: "eu quero ouvir, acho que você tem algo pra dizer". E, querendo ou não, se torna seu mentor.
Ela entra na caverna, se joga do abismo, passa pela porta em chamas ou algo do tipo, não sei não, só sei que ela entra nesse outro mundo e ela se adapta, ela fala, ela pensa, ela começa a usar o que ela sabe, o que ela tem, poderes antigos, pra ganhar poderes novos.
E aí surgem as provas, aliados, inimigos. Aliados que se tornam inimigos. Inimigos que se tornam aliados. Aliados que se tornam irmãos. Ela sobe e desce, aparece e desaparece, ficando mais fraca e mais forte, aproximando-se cada vez mais do fim.
E ele chega. Ela aguenta, ela consegue qualquer coisa, até não conseguir. Luta e esperneia, chora e grita, e não sabe pra onde ir, se era pra ser assim.
Aparentemente era, porque ela vence, ou eu me lembro assim. Vence de um jeito diferente, devagarinho, mas vence, ganha força, amor, leva pra casa um mundo de amor e glória, e guarda numa caixinha debaixo do travesseiro, vai consumindo aos pouquinhos, até o dia de voltar.
Esse dia chega e ela está pronta pra voltar pra casa, malas prontas pra enfrentar o mundo comum, até que seu grande inimigo ressurge, ele tenta destruí-la, mas ela sabe quem se tornou, ela sabe que é forte agora. Ainda tem medo, ainda lhe falta tanto, mas ela sabe que já tem o suficiente. E, novamente, ela vence.
E volta, pra nunca parar de lutar.
A luta só acaba quando a vida termina, e ela quer viver tudo. Ver isso até o final, dessa vez. Ver no que dá.
Entendeu?
Sabe que livro é? Eu não consigo me lembrar direito, sabe? Do que acontece no fim. Você não sabe? É, nem eu.
Acho que vou ter que esperar virar filme.
Eu tô tentando me lembrar com detalhes, mas é difícil, sabe?
É um livro, capa dura, firme, escura, azul ou verde ou preta, as letras já meio apagadas.
A heroína, ela é normal. Até demais, meio que uma perdedora, no início.
Ela tem um suéter roxo, sabe? E pega vários ônibus. Ela se apaixona a torto e à direito, meio sem noção. Passa a maior parte do tempo sonhando, escrevendo, sonhando, escrevendo. Às vezes, come e estuda.
às vezes até sai de casa.
Então ela é chamada pra uma missão, muita treta, difícil de entrar nesse lugar mágico aí pra onde ela queria ir, não me lembro o nome agora, mas ela queria muito ir, ou talvez a mãe dela quisesse muito que ela fosse, sei lá, mas acabou que ela arrumou as malas e foi, um chamado do destino ou algo assim, algo a ver com números e depois com gente.
E aí ela decide que não queria aquilo de verdade, muito difícil, muito diferente do que ela imaginava. Todo mundo conseguia fazer as coisas, mas ela não passava nem mesmo do lumus, não tô falando de Harry Potter, mas dá pra entender que ela não sabia de nada, só queria mesmo era saber de amor, de plantas e de jogar tarô.
Um dia chega esse cara, com esses olhinhos sábios e uns silêncios profundos que podiam querer dizer tudo ou nada e diz pra ela que quer ouvir o que ela tem pra dizer. E assim, sem entregar nada físico, nenhum livro, feitiço ou espada, ele diz a ela o que ela precisava ouvir: "eu quero ouvir, acho que você tem algo pra dizer". E, querendo ou não, se torna seu mentor.
Ela entra na caverna, se joga do abismo, passa pela porta em chamas ou algo do tipo, não sei não, só sei que ela entra nesse outro mundo e ela se adapta, ela fala, ela pensa, ela começa a usar o que ela sabe, o que ela tem, poderes antigos, pra ganhar poderes novos.
E aí surgem as provas, aliados, inimigos. Aliados que se tornam inimigos. Inimigos que se tornam aliados. Aliados que se tornam irmãos. Ela sobe e desce, aparece e desaparece, ficando mais fraca e mais forte, aproximando-se cada vez mais do fim.
E ele chega. Ela aguenta, ela consegue qualquer coisa, até não conseguir. Luta e esperneia, chora e grita, e não sabe pra onde ir, se era pra ser assim.
Aparentemente era, porque ela vence, ou eu me lembro assim. Vence de um jeito diferente, devagarinho, mas vence, ganha força, amor, leva pra casa um mundo de amor e glória, e guarda numa caixinha debaixo do travesseiro, vai consumindo aos pouquinhos, até o dia de voltar.
Esse dia chega e ela está pronta pra voltar pra casa, malas prontas pra enfrentar o mundo comum, até que seu grande inimigo ressurge, ele tenta destruí-la, mas ela sabe quem se tornou, ela sabe que é forte agora. Ainda tem medo, ainda lhe falta tanto, mas ela sabe que já tem o suficiente. E, novamente, ela vence.
E volta, pra nunca parar de lutar.
A luta só acaba quando a vida termina, e ela quer viver tudo. Ver isso até o final, dessa vez. Ver no que dá.
Entendeu?
Sabe que livro é? Eu não consigo me lembrar direito, sabe? Do que acontece no fim. Você não sabe? É, nem eu.
Acho que vou ter que esperar virar filme.
44x21 Death and the maiden
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
Eu vou fazer o meu melhor pra ser delicada.
Minha querida,
eu me lembro vagamente da primeira vez em que a vi. Alguém disse que os dias mais perigosos da vida de alguém são o primeiro e o último.
Coisa de pediatra, eu acho.
Você era frágil, miúda. Eu poderia mandar você pra longe com um sopro. Mas eu só estava lá pra te ver.
E isso eu fiz, não só nesse dia.
Eu voltei, muitas vezes, de guerras incessantes, eu carreguei corpos de homens, mulheres, crianças. E almas. Eu enterrei amigos e pais. Amantes.
E, no fim do dia, voltei pra você.
Eu sofri por cada morte, cada beijo que impossibilitei, declarações de amor eterno e desculpas jamais ditas em voz alta. No fim do dia, eu voltei pra te ver.
Eles, eles eu nunca mais verei. Às vezes, percebo que misturo seus rostos, suas vozes, confundo. Mas não a sua.
Eu me lembro da forma como a luz incide sobre o seu rosto à noite, da forma e textura dos seus fios de cabelo. Eu me lembro da sua respiração e do cheiro da sua urina quente de bebê no meio da noite.
Às vezes, levo sonhos, expectativas, sonhos de berços recém montados e roupinhas limpas de bebê e fico pensando
Por que?
Por que eu faço isso?
Um homem me agradece por encerrar seu sofrimento, uma garota, ela tem sua idade, ela poderia ser você, implora pela minha visita.
Ela poderia ser você.
É você?
Pequena, frágil, forte, intempestiva.
Mas você não é assim?
O que eu vejo, o que sei, o que eu posso ver daqui, de onde o tempo não significa nada, eu não significo nada, mas o que isso quer dizer?
Me diga.
Fale comigo.
Olhe pra mim.
Deixe que eu veja.
Estou sentada sob uma montanha de corpos, mortos e por morrer, eu tenho tanto por fazer,
tanto peso por carregar,
mas eu só consigo pensar em você.
Quem você é,
o que você quer,
do que você precisa.
Você poderia, por favor, me dizer?
Por favor.
Por favor.
Não me deixe dormir sem saber.
Com amor,
B.
Eu vou fazer o meu melhor pra ser delicada.
Minha querida,
eu me lembro vagamente da primeira vez em que a vi. Alguém disse que os dias mais perigosos da vida de alguém são o primeiro e o último.
Coisa de pediatra, eu acho.
Você era frágil, miúda. Eu poderia mandar você pra longe com um sopro. Mas eu só estava lá pra te ver.
E isso eu fiz, não só nesse dia.
Eu voltei, muitas vezes, de guerras incessantes, eu carreguei corpos de homens, mulheres, crianças. E almas. Eu enterrei amigos e pais. Amantes.
E, no fim do dia, voltei pra você.
Eu sofri por cada morte, cada beijo que impossibilitei, declarações de amor eterno e desculpas jamais ditas em voz alta. No fim do dia, eu voltei pra te ver.
Eles, eles eu nunca mais verei. Às vezes, percebo que misturo seus rostos, suas vozes, confundo. Mas não a sua.
Eu me lembro da forma como a luz incide sobre o seu rosto à noite, da forma e textura dos seus fios de cabelo. Eu me lembro da sua respiração e do cheiro da sua urina quente de bebê no meio da noite.
Às vezes, levo sonhos, expectativas, sonhos de berços recém montados e roupinhas limpas de bebê e fico pensando
Por que?
Por que eu faço isso?
Um homem me agradece por encerrar seu sofrimento, uma garota, ela tem sua idade, ela poderia ser você, implora pela minha visita.
Ela poderia ser você.
É você?
Pequena, frágil, forte, intempestiva.
Mas você não é assim?
O que eu vejo, o que sei, o que eu posso ver daqui, de onde o tempo não significa nada, eu não significo nada, mas o que isso quer dizer?
Me diga.
Fale comigo.
Olhe pra mim.
Deixe que eu veja.
Estou sentada sob uma montanha de corpos, mortos e por morrer, eu tenho tanto por fazer,
tanto peso por carregar,
mas eu só consigo pensar em você.
Quem você é,
o que você quer,
do que você precisa.
Você poderia, por favor, me dizer?
Por favor.
Por favor.
Não me deixe dormir sem saber.
Com amor,
B.
44x20 Lungs
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Ele acorda, finalmente, depois de um sono de mil anos.
Vive.
As luzes cegam, e ele nasce, no dia de seu nome, que só a morte sabe por completo.
O 1º dia se confunde com o último, a fusão de um círculo e ele sabe demais, ele sabe de tudo, ele conhece o rosto de Deus, ele chora, lamenta forte e confuso, assustado com a dor e a compressão, grita, gorgoleja, os pulmões úmidos derramam dores milenares com gosto amargo.
Ele fareja o ar, mas é difícil respirar, tão frio, então ele segue o calor da mãe e as batidas do seu coração. Essa língua ele já consegue entender.
Mas então, eles o tiram dela, mais uma vez, e calor, mãos que desnudam e exploram, sem pedir permissão, um mundo de cores, vozes, calores, toques, e ele acabou de chegar, ele acabou de entender a razão de estar aqui, é muito.
Tenta respirar, mas é tão difícil, por que é tão difícil?
Exausto, faminto, pede, grita, "deixem-me comer", mas eles não compreendem. Ele procura o coração da mãe na própria barriga, mas não sente nada. Não tem mais nada lá onde ela costumava estar. Só nada.
Tanto espaço aberto, ele estica os pés, devagar, e agora os cheiros começam a surgir, coloridos, e ele se assusta, espirra, o frio provoca soluços e ele se percebe só, frágil.
Mas e agora?
Ele sente o próprio coração bater, sozinho, assustado, pulmões que antes não faziam sentido marchando errado, ele respira sem saber como e quanto, para e volta, o ar o assusta, tudo fluindo, o medo, a fome, a dor, alegria, tristeza, derramando, indo e vindo em ondas enormes, um maremoto, a frustração, a raiva, o ódio, as lembranças do que veio o que será e do que foi, o amor, saudade, o sono, o esquecimento,
ele chora
de vontade.
Alguém finalmente escuta, lhe dá colo, desajeitado, e o coloca no lugar certo.
Ah
a linguagem antiga e sussurrada, a poesia e a beleza, uma cantiga de ninar da pré e pós carga, a conversa entre o sangue e as veias da mãe, ele está em casa novamente.
A mãe encosta algo em sua boca e ele, de forma incontrolável, como um imperativo de sobrevivência, abre a boca e suga, desajeitado.
A mãe sente dor, ele sente dor, não sabe ao certo o que fazer, só sabe que é a única forma de voltar pra ela, de voltar a ser ela, de voltar pra dentro dela.
Ele respira, nervoso, frustrado por não saber mais de tudo e chora, de novo. Ela murmura, mas ele não entende, ele ainda não pode entender o que ela diz.
Mas então, como mágica, ele sente o gosto doce da mãe e simplesmente entende.
Suga, desesperado, depois tranquilo.
Eles encontraram um jeito de se tornarem um só novamente e ele finalmente descansa, e sonha, com a certeza de que tudo vai ser como antes.
Algo, talvez o último resquício de sabedoria milenar, lhe diz que não, nada nunca será como antes,
mas ele ignora, esquece, mama e dorme.
Ele acorda, finalmente, depois de um sono de mil anos.
Vive.
As luzes cegam, e ele nasce, no dia de seu nome, que só a morte sabe por completo.
O 1º dia se confunde com o último, a fusão de um círculo e ele sabe demais, ele sabe de tudo, ele conhece o rosto de Deus, ele chora, lamenta forte e confuso, assustado com a dor e a compressão, grita, gorgoleja, os pulmões úmidos derramam dores milenares com gosto amargo.
Ele fareja o ar, mas é difícil respirar, tão frio, então ele segue o calor da mãe e as batidas do seu coração. Essa língua ele já consegue entender.
Mas então, eles o tiram dela, mais uma vez, e calor, mãos que desnudam e exploram, sem pedir permissão, um mundo de cores, vozes, calores, toques, e ele acabou de chegar, ele acabou de entender a razão de estar aqui, é muito.
Tenta respirar, mas é tão difícil, por que é tão difícil?
Exausto, faminto, pede, grita, "deixem-me comer", mas eles não compreendem. Ele procura o coração da mãe na própria barriga, mas não sente nada. Não tem mais nada lá onde ela costumava estar. Só nada.
Tanto espaço aberto, ele estica os pés, devagar, e agora os cheiros começam a surgir, coloridos, e ele se assusta, espirra, o frio provoca soluços e ele se percebe só, frágil.
Mas e agora?
Ele sente o próprio coração bater, sozinho, assustado, pulmões que antes não faziam sentido marchando errado, ele respira sem saber como e quanto, para e volta, o ar o assusta, tudo fluindo, o medo, a fome, a dor, alegria, tristeza, derramando, indo e vindo em ondas enormes, um maremoto, a frustração, a raiva, o ódio, as lembranças do que veio o que será e do que foi, o amor, saudade, o sono, o esquecimento,
ele chora
de vontade.
Alguém finalmente escuta, lhe dá colo, desajeitado, e o coloca no lugar certo.
Ah
a linguagem antiga e sussurrada, a poesia e a beleza, uma cantiga de ninar da pré e pós carga, a conversa entre o sangue e as veias da mãe, ele está em casa novamente.
A mãe encosta algo em sua boca e ele, de forma incontrolável, como um imperativo de sobrevivência, abre a boca e suga, desajeitado.
A mãe sente dor, ele sente dor, não sabe ao certo o que fazer, só sabe que é a única forma de voltar pra ela, de voltar a ser ela, de voltar pra dentro dela.
Ele respira, nervoso, frustrado por não saber mais de tudo e chora, de novo. Ela murmura, mas ele não entende, ele ainda não pode entender o que ela diz.
Mas então, como mágica, ele sente o gosto doce da mãe e simplesmente entende.
Suga, desesperado, depois tranquilo.
Eles encontraram um jeito de se tornarem um só novamente e ele finalmente descansa, e sonha, com a certeza de que tudo vai ser como antes.
Algo, talvez o último resquício de sabedoria milenar, lhe diz que não, nada nunca será como antes,
mas ele ignora, esquece, mama e dorme.
44x19 Gemini feed
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
"Fica tranquila, tudo vai dar certo"
Sim, sim.
Mas o que é dar certo?
A lua cheia no céu conta histórias, mas eu não ouço, me afundo no caos, surda, muda.
E ela lá fora, distante, separada de mim por uma barreira de 6 anos de gesso, desculpas não pedidas, abraços não dados,
isso vai dar certo?
Quando?
Quando, eis a questão.
As pessoas sonham, alto, mais alto, mais forte, elas voam e eu,
eu acabo de me lembrar que tenho medo de altura.
Eu não posso, eu não posso voar sem asas.
"Oh, but you can", diz Houdini, do seu jeito mágico.
E eu quero realmente acreditar.
Mas eu preciso ficar aqui.
- Precisa? - a voz de Otto na minha cabeça.
Me vejo pelos olhos dele: cansada, tão infinitamente cansada de não diálogos, do que está oculto sob a louça e nos cantos do apartamento, de ter medo, de não chegar a tempo, eu tenho medo até de ter medo e estou cansada de estar cansada.
Estou cansada. Com medo de escrever e não ser boa nisso, de não chegar nunca a
Ao que?
Onde você quer chegar?
Quem você quer ser?
Você ao menos sabe?
E então ela, meu demônio pessoal, banhada de sol, brilhante, confortável, se espreguiça e vem até mim. Ela beija meus lábios de leve, se despede
você não é mais problema meu,
você não precisa de quem te atormente, isso
você está fazendo isso.
Não. Estou tentando ir devagar, um passo de cada vez, estou andando.
- Pra onde?
- É, pra onde?
- Pra onde, B.?
- Onde você quer ir?
é quando me dou conta:
não estou me movimentando.
Estou esperando.
De novo.
"Fica tranquila, tudo vai dar certo"
Sim, sim.
Mas o que é dar certo?
A lua cheia no céu conta histórias, mas eu não ouço, me afundo no caos, surda, muda.
E ela lá fora, distante, separada de mim por uma barreira de 6 anos de gesso, desculpas não pedidas, abraços não dados,
isso vai dar certo?
Quando?
Quando, eis a questão.
As pessoas sonham, alto, mais alto, mais forte, elas voam e eu,
eu acabo de me lembrar que tenho medo de altura.
Eu não posso, eu não posso voar sem asas.
"Oh, but you can", diz Houdini, do seu jeito mágico.
E eu quero realmente acreditar.
Mas eu preciso ficar aqui.
- Precisa? - a voz de Otto na minha cabeça.
Me vejo pelos olhos dele: cansada, tão infinitamente cansada de não diálogos, do que está oculto sob a louça e nos cantos do apartamento, de ter medo, de não chegar a tempo, eu tenho medo até de ter medo e estou cansada de estar cansada.
Estou cansada. Com medo de escrever e não ser boa nisso, de não chegar nunca a
Ao que?
Onde você quer chegar?
Quem você quer ser?
Você ao menos sabe?
E então ela, meu demônio pessoal, banhada de sol, brilhante, confortável, se espreguiça e vem até mim. Ela beija meus lábios de leve, se despede
você não é mais problema meu,
você não precisa de quem te atormente, isso
você está fazendo isso.
Não. Estou tentando ir devagar, um passo de cada vez, estou andando.
- Pra onde?
- É, pra onde?
- Pra onde, B.?
- Onde você quer ir?
é quando me dou conta:
não estou me movimentando.
Estou esperando.
De novo.
44x18 Needless to say
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
Eu preciso de um amigo.
Quão estranho é perceber isso?
As mensagens não lidas se empilhando no celular, eu vejo pessoas todos os dias, elas me perguntam se estou bem, e estou.
Eu sempre estou.
Eu sempre estou bem.
A rasura dos relacionamentos que construí com tanto afinco, sem nunca molhar mais que os pés pra não me magoar, me magoa. Que irônico.
Preciso conversar.
Preciso de contato humano profundo, ser ouvida. Preciso de conselhos vazios e sem aplicação prática. Preciso de um abraço.
Preciso de ajuda, e não sei pedir.
Eu sei sinalizar errado, feito um recém-nascido que chora pela angústia de estar vivo e é calado, quase que imediatamento, pelo seio da mãe.
Fico dando sinais tortos "olhe pra mim, eu não estou bem", e sorrio. Eles sorriem de volta.
O horóscopo diz "está tudo bem", os e-mails, o tempo, você, meu amor.
"Está tudo bem", eu repito, feito um mantra, feito um feitiço secreto que vai melhorar as coisas, colorir o mundo, me fazer entender quem sou, pra onde vou, se devo ficar, se sou boa o suficiente pra você e pra todo mundo que importa, eu digo que estou bem,
com sinais confusos e pontos finais,
mas você parece sempre ébrio demais pra se concentrar em mim.
Tem coisas demais por aí pra ver, pra saber, pra não sentir e eu choro feito um bebê,
você me cala com a boca, comida, amor, palavras de afeto que eu não sei ouvir ainda e eu
só preciso de um amigo pra dizer que não tá tudo bem.
Amor,
não tá tudo bem.
Eu preciso de um amigo.
Quão estranho é perceber isso?
As mensagens não lidas se empilhando no celular, eu vejo pessoas todos os dias, elas me perguntam se estou bem, e estou.
Eu sempre estou.
Eu sempre estou bem.
A rasura dos relacionamentos que construí com tanto afinco, sem nunca molhar mais que os pés pra não me magoar, me magoa. Que irônico.
Preciso conversar.
Preciso de contato humano profundo, ser ouvida. Preciso de conselhos vazios e sem aplicação prática. Preciso de um abraço.
Preciso de ajuda, e não sei pedir.
Eu sei sinalizar errado, feito um recém-nascido que chora pela angústia de estar vivo e é calado, quase que imediatamento, pelo seio da mãe.
Fico dando sinais tortos "olhe pra mim, eu não estou bem", e sorrio. Eles sorriem de volta.
O horóscopo diz "está tudo bem", os e-mails, o tempo, você, meu amor.
"Está tudo bem", eu repito, feito um mantra, feito um feitiço secreto que vai melhorar as coisas, colorir o mundo, me fazer entender quem sou, pra onde vou, se devo ficar, se sou boa o suficiente pra você e pra todo mundo que importa, eu digo que estou bem,
com sinais confusos e pontos finais,
mas você parece sempre ébrio demais pra se concentrar em mim.
Tem coisas demais por aí pra ver, pra saber, pra não sentir e eu choro feito um bebê,
você me cala com a boca, comida, amor, palavras de afeto que eu não sei ouvir ainda e eu
só preciso de um amigo pra dizer que não tá tudo bem.
Amor,
não tá tudo bem.
44x17 L.O.T.E.
Postado por
garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
Caro Otto,
eu sempre volto pra você quando estou confusa, certo?
Acho que, a essa altura, já entendemos que escrevo mais pra mim do que pra você.
Preciso de alguém.
Homem ou mulher,
preciso de contato, profundo, intenso, doloroso.
Está em todos os lugares, nos meus sonhos,
nas casquinhas de machucado que eu arranco da pele.
Você sabe o que eu quero dizer?
Meu aniversário.
Eu não consegui escrever nada, manter a tradição de escrever algo pra mim.
Então escrevo pra você.
Porque preciso de você.
Tantos anos desde nós, e eu ainda preciso de você pra entender que estou viva.
26 anos já, e eu não sei pra onde ir.
Eu sei quem sou.
E sei que não sei quem sou o bastante, porque eu sou muito, fui muito e serei muito mais.
Mas mais o quê?
White noise,
nas ruas,
em casa,
à noite,
em você.
Estamos vivos.
Você.
eu.
Mas às vezes nem parece, porque tudo simplesmente flui, a vida acontece sem que eu tenha que fazer nada.
Se eu não quiser, não preciso fazer nada, nunca mais.
Só preciso esperar,
e tudo vai sendo decidido, encaixado, aprontado.
Eu não sei o que quero,
eu só sei querer.
E fingir que não quero, aparentemente.
Nasci outro dia, sabe? e já me botaram coisas, ideias, um nome, um número,
umas ideias tortas de pais e mães,
umas ideias tortas de mim.
Cabelo de molinhas,
e mais o quê?
Não tenho nada pra mostrar, não tenho documentos pra provar que eu sou como você.
Só tenho a minha palavra,
e ela não vale absolutamente nada.
Eu sofro.
Estranho dizer,
estranho admitir.
Eu sofro.
Dói pra caralho, e eu também não quero me levantar amanhã,
eu não quero me levantar e não quero que amanhã chegue,
mas chega.
Com você, sem você,
o tempo vai, aos poucos, deixando de fazer sentido.
O hoje, o agora, amanhã, pra sempre.
Eu deito na cama, me espreguiço, e meus pés tocam o futuro, meus dedos da mão ficam úmidos e gelados ao tocar as gotas de chuva da noite em que eu decidi que a gente não era pra ser.
Que foi ontem, ou é amanhã,
daqui a 100 anos,
tanto faz.
Talvez eu não queira nada porque eu já tive tudo.
Já fui mãe,
já cometi o erro de não ser perfeita.
Já fui importante,
até não ser mais.
Já fui boa,
e ruim.
E agora eu só estou.
O tempo se dissolve debaixo da minha língua, efervescente,
e é tudo de que preciso pra entender que estou exausta,
tonta com as voltas do tempo a minha volta, feito um redemoinho,
enterrando e desenterrando as coisas,
me confundindo,
me fazendo sentir que o agora é ontem, e o amanhã é hoje.
Segura a minha mão.
Não me deixa afundar na areia que escorre da ampulheta.
Segura a minha mão, Otto.
Eu só preciso saber que dia é hoje,
que ano é hoje,
quem é hoje,
onde é hoje,
quando é hoje,
por que hoje, Otto?
Por que hoje?
Com amor,
B.
P.S.: Feliz aniversário pra mim, de mim.
Caro Otto,
eu sempre volto pra você quando estou confusa, certo?
Acho que, a essa altura, já entendemos que escrevo mais pra mim do que pra você.
Preciso de alguém.
Homem ou mulher,
preciso de contato, profundo, intenso, doloroso.
Está em todos os lugares, nos meus sonhos,
nas casquinhas de machucado que eu arranco da pele.
Você sabe o que eu quero dizer?
Meu aniversário.
Eu não consegui escrever nada, manter a tradição de escrever algo pra mim.
Então escrevo pra você.
Porque preciso de você.
Tantos anos desde nós, e eu ainda preciso de você pra entender que estou viva.
26 anos já, e eu não sei pra onde ir.
Eu sei quem sou.
E sei que não sei quem sou o bastante, porque eu sou muito, fui muito e serei muito mais.
Mas mais o quê?
White noise,
nas ruas,
em casa,
à noite,
em você.
Estamos vivos.
Você.
eu.
Mas às vezes nem parece, porque tudo simplesmente flui, a vida acontece sem que eu tenha que fazer nada.
Se eu não quiser, não preciso fazer nada, nunca mais.
Só preciso esperar,
e tudo vai sendo decidido, encaixado, aprontado.
Eu não sei o que quero,
eu só sei querer.
E fingir que não quero, aparentemente.
Nasci outro dia, sabe? e já me botaram coisas, ideias, um nome, um número,
umas ideias tortas de pais e mães,
umas ideias tortas de mim.
Cabelo de molinhas,
e mais o quê?
Não tenho nada pra mostrar, não tenho documentos pra provar que eu sou como você.
Só tenho a minha palavra,
e ela não vale absolutamente nada.
Eu sofro.
Estranho dizer,
estranho admitir.
Eu sofro.
Dói pra caralho, e eu também não quero me levantar amanhã,
eu não quero me levantar e não quero que amanhã chegue,
mas chega.
Com você, sem você,
o tempo vai, aos poucos, deixando de fazer sentido.
O hoje, o agora, amanhã, pra sempre.
Eu deito na cama, me espreguiço, e meus pés tocam o futuro, meus dedos da mão ficam úmidos e gelados ao tocar as gotas de chuva da noite em que eu decidi que a gente não era pra ser.
Que foi ontem, ou é amanhã,
daqui a 100 anos,
tanto faz.
Talvez eu não queira nada porque eu já tive tudo.
Já fui mãe,
já cometi o erro de não ser perfeita.
Já fui importante,
até não ser mais.
Já fui boa,
e ruim.
E agora eu só estou.
O tempo se dissolve debaixo da minha língua, efervescente,
e é tudo de que preciso pra entender que estou exausta,
tonta com as voltas do tempo a minha volta, feito um redemoinho,
enterrando e desenterrando as coisas,
me confundindo,
me fazendo sentir que o agora é ontem, e o amanhã é hoje.
Segura a minha mão.
Não me deixa afundar na areia que escorre da ampulheta.
Segura a minha mão, Otto.
Eu só preciso saber que dia é hoje,
que ano é hoje,
quem é hoje,
onde é hoje,
quando é hoje,
por que hoje, Otto?
Por que hoje?
Com amor,
B.
P.S.: Feliz aniversário pra mim, de mim.
44x16 Delicate
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
Tecido fino e transparente. Diáfano.
Tecido dos sonhos.
O que os sonhos dizem? Que histórias contam por trás das histórias absurdas, as cores e a falta de som, homens que falam sem mover os lábios, espíritos, estranhos, defuntos.
Cores verde-escuras, nuvens, sua boca.
O barulho do despertador que me acorda de bexiga cheia.
Eu te amo?
O sonho queima as bordas da realidade, queima meus dedos que eu retiro por reflexo quando toco em você.
Você queima, forma bolhas de líquido viscoso que cheiram a algodão doce.
Elas estouram, sem doer. Infectam.
Faço febre.
Não durmo, sinto meu corpo queimar, em chamas, escaldadura, eletricidade de alta tensão, brigadeiro, thinner, asfalto quente, deixando sequelas, imprevisível.
Bebo água. Sinto medo por meu corpo e do líquido que foge dos espaços certos.
Dentro de mim, maremotos; por horas e horas até a maré acalmar, o sol se por.
Sonho com seu corpo. Liso, leve. Não é normal, não é humano, é feito do mesmo pó de que viemos, mas não somos o mesmo.
Você constrói destruindo, criando em mim uma armadura, carapaça, me rasga pra me endurecer, repuxa meus olhos, boca, cada articulação até que eu mal consiga me mover. Até que eu me curve.
Me rói pelas beiradas, sem aviso prévio.
Me marca sem previsão de alta, sem prognóstico.
E me cura com pós, espuma, pano, pomadas, beberagens, palavras mágicas, malhas.
Apenas pra me queimar de novo.
Tecido fino e transparente. Diáfano.
Tecido dos sonhos.
O que os sonhos dizem? Que histórias contam por trás das histórias absurdas, as cores e a falta de som, homens que falam sem mover os lábios, espíritos, estranhos, defuntos.
Cores verde-escuras, nuvens, sua boca.
O barulho do despertador que me acorda de bexiga cheia.
Eu te amo?
O sonho queima as bordas da realidade, queima meus dedos que eu retiro por reflexo quando toco em você.
Você queima, forma bolhas de líquido viscoso que cheiram a algodão doce.
Elas estouram, sem doer. Infectam.
Faço febre.
Não durmo, sinto meu corpo queimar, em chamas, escaldadura, eletricidade de alta tensão, brigadeiro, thinner, asfalto quente, deixando sequelas, imprevisível.
Bebo água. Sinto medo por meu corpo e do líquido que foge dos espaços certos.
Dentro de mim, maremotos; por horas e horas até a maré acalmar, o sol se por.
Sonho com seu corpo. Liso, leve. Não é normal, não é humano, é feito do mesmo pó de que viemos, mas não somos o mesmo.
Você constrói destruindo, criando em mim uma armadura, carapaça, me rasga pra me endurecer, repuxa meus olhos, boca, cada articulação até que eu mal consiga me mover. Até que eu me curve.
Me rói pelas beiradas, sem aviso prévio.
Me marca sem previsão de alta, sem prognóstico.
E me cura com pós, espuma, pano, pomadas, beberagens, palavras mágicas, malhas.
Apenas pra me queimar de novo.
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44x15 Sleepless in Brasília
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
Não acorda.
Não dormiu.
O cheiro de fogo nas narinas morde os sonhos e os afasta.
Mr Sandman, uma figura sombria, alta e esguia, uma sombra de perpétuo espalha areia sobre seus olhos abertos e ele luta contra o calor do metal e dos asfalto.
O ruído da pele, queimando, sutil, crepitações baixinhas e os gritos das crianças nas ruas, a pena dos homens, a repulsa das mulheres.
Não, ele não pode voltar.
Uma sacerdotisa traz um espelho e ele não quer olhar, então fecha os olhos com força, uma força tão grande que parece que sua cabeça vai explodir.
Mas é um sonho. Tão real, tão terrível como só um sonho pode ser.
Abre os olhos e lá está ele, antes do acidente. Ele.
Ele se reconhece, pisca, toca a pele lisa, seus cílios, nariz, boca.
"Por favor, deixe-me morrer aqui, deixe-me morrer aqui", ele implora à sacerdotisa silenciosa com o rosto coberto por uma máscara de metal e cinzas.
Por favor, por favor.
Mas ela não responde, apenas segura o espelho, estática, e ele sente o sonho descolando feito um curativo velho, o rosto retraindo, secando.
Acorda chorando, encolhido, o olho úmido, sem pálpebra, sol alto, mais um dia.
"Não vou dormir nunca mais".
--
Ele sonha com trovões.
Um espasmo súbito, único, passando por todo o corpo de uma vez só, sem ser de uma vez só, o tempo passando e parando, a luz branca, cegando-o, e o som de explosão, da pele, músculos e ossos paralisados, assustados.
E, depois, a escuridão.
Ele preferia a escuridão.
Tinha medo da luz, mas ela estava em todos os lugares.
Como nunca tinha reparado?
Dizia a todos que era um problema da visão, uma sequela. Mas era medo.
Tinha medo de que ela o engolisse de novo, o devorasse.
A luz estava viva, feito um animal, procurando por ele desde que ele escapou.
Sonha com trovões e acorda, abraça o escuro, mas nem sempre é suficiente.
Às vezes, faz xixi na cama.
Pensa em voltar a dormir com a mãe, mas não quer preocupá-la.
Não quer que ninguém saiba.
Tem medo.
Tem vergonha de ter medo.
Então acende a luz do celular.
E espera o sol nascer.
--
- Mr. Sandman?
- Sim.
- Sera que... Bem, só hoje, poderíamos dar um sonho bom a ele?
Ele me olha das sombras, enigmático.
Estremeço, me arrependo.
- Sim.
Suspiro, aliviada.
fada-madrinha.
Ele se afasta e eu jogo areia nos olhos de um bebê, jovem demais pra entender que seus sonhos usuais sobre o abraço pesado da mãe cheirando a terra, leite e sangue são sonhos de morte.
Transformo o acidente em um voo: dou asas a ele.
E ele voa sobre os sons de panelas, a voz do pai e da tia, pros braços cheirosos da mãe, fruta, pão, leite quente e doce.
Ele ri.
Da profusão de cores e sons, do gosto, da lembrança. Ele ainda não conhece direito a saudade.
- Vamos.
Fecho a porta atrás de mim, como se fosse real.
E talvez seja.
Só essa noite, talvez seja.
Boa noite.
Bons sonhos.
Não acorda.
Não dormiu.
O cheiro de fogo nas narinas morde os sonhos e os afasta.
Mr Sandman, uma figura sombria, alta e esguia, uma sombra de perpétuo espalha areia sobre seus olhos abertos e ele luta contra o calor do metal e dos asfalto.
O ruído da pele, queimando, sutil, crepitações baixinhas e os gritos das crianças nas ruas, a pena dos homens, a repulsa das mulheres.
Não, ele não pode voltar.
Uma sacerdotisa traz um espelho e ele não quer olhar, então fecha os olhos com força, uma força tão grande que parece que sua cabeça vai explodir.
Mas é um sonho. Tão real, tão terrível como só um sonho pode ser.
Abre os olhos e lá está ele, antes do acidente. Ele.
Ele se reconhece, pisca, toca a pele lisa, seus cílios, nariz, boca.
"Por favor, deixe-me morrer aqui, deixe-me morrer aqui", ele implora à sacerdotisa silenciosa com o rosto coberto por uma máscara de metal e cinzas.
Por favor, por favor.
Mas ela não responde, apenas segura o espelho, estática, e ele sente o sonho descolando feito um curativo velho, o rosto retraindo, secando.
Acorda chorando, encolhido, o olho úmido, sem pálpebra, sol alto, mais um dia.
"Não vou dormir nunca mais".
--
Ele sonha com trovões.
Um espasmo súbito, único, passando por todo o corpo de uma vez só, sem ser de uma vez só, o tempo passando e parando, a luz branca, cegando-o, e o som de explosão, da pele, músculos e ossos paralisados, assustados.
E, depois, a escuridão.
Ele preferia a escuridão.
Tinha medo da luz, mas ela estava em todos os lugares.
Como nunca tinha reparado?
Dizia a todos que era um problema da visão, uma sequela. Mas era medo.
Tinha medo de que ela o engolisse de novo, o devorasse.
A luz estava viva, feito um animal, procurando por ele desde que ele escapou.
Sonha com trovões e acorda, abraça o escuro, mas nem sempre é suficiente.
Às vezes, faz xixi na cama.
Pensa em voltar a dormir com a mãe, mas não quer preocupá-la.
Não quer que ninguém saiba.
Tem medo.
Tem vergonha de ter medo.
Então acende a luz do celular.
E espera o sol nascer.
--
- Mr. Sandman?
- Sim.
- Sera que... Bem, só hoje, poderíamos dar um sonho bom a ele?
Ele me olha das sombras, enigmático.
Estremeço, me arrependo.
- Sim.
Suspiro, aliviada.
fada-madrinha.
Ele se afasta e eu jogo areia nos olhos de um bebê, jovem demais pra entender que seus sonhos usuais sobre o abraço pesado da mãe cheirando a terra, leite e sangue são sonhos de morte.
Transformo o acidente em um voo: dou asas a ele.
E ele voa sobre os sons de panelas, a voz do pai e da tia, pros braços cheirosos da mãe, fruta, pão, leite quente e doce.
Ele ri.
Da profusão de cores e sons, do gosto, da lembrança. Ele ainda não conhece direito a saudade.
- Vamos.
Fecho a porta atrás de mim, como se fosse real.
E talvez seja.
Só essa noite, talvez seja.
Boa noite.
Bons sonhos.
44x14 Burning witches
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
"É o cheiro", ele pensa.
O cheiro que não é de fumaça, carne ou combustível. Não. É diferente. Algo nas roupas.
Ele reflete se vale a pena passar a queimá-las nuas só pra saber se o cheiro muda.
Não.
Muito trabalho extra.
Ela grita pouco, essa.
Tantas coisas que ele não sabe.
Quando criança, perguntou ao pai se doía. Morrer queimado.
Era uma criança pequena, mirrada, assustada, que olhava de longe as mulheres queimarem, escandalosas.
"Só dói se você for uma bruxa", o pai dissera.
O pai.
O pai havia lhe ensinado tudo o que sabia.
Nunca queimar em lugares fechados. Porque ele podia se machucar. Porque as bruxas morriam intoxicadas pela fumaça. "Tem que ser fogo", ele dizia, "só o fogo salva".
Queimar tudo.
Sempre levar combustível extra.
Havia queimado 3 bruxas essa semana.
Estava exausto. Toda a procura, o encontro, a caçada, mulheres pesadas demais cheias de pecados. Era um trabalho estressante.
Abriu uma lata de coca cola e a finalizou em poucos goles. Guardou todo o lixo em um saco, entrou no carro, ligou o rádio, Jeff Buckley cantando, e dirigiu pra longe.
Com cuidado, com calma.
"Devagar também se chega", a voz da mãe.
Tinha queimado a mãe pela primeira vez aos 11 anos, logo após a morte do pai.
Ela gritava,
e o cheiro.
Mas a mãe não queimava nunca.
Ele acendia a chama de dia e, à noite, estourava as bolhas dos braços e puxava os tecidos grudados em sua pele. Mas o cheiro.
Ela gritava durante o dia e orava durante a noite, oração de bruxa, o rosto em carne viva, inchado, mas ela não morria nunca.
E ele tinha que acender a fogueira.
Tinha que mantê-la queimando.
E ele queimava, queimava.
A mãe e as outras mulheres, outras bruxas, seus filhos, mas a mãe nunca morria.
Falava o tempo todo na cabeça dele, oração de bruxa, cheiro de carne queimada, melada de combustível e canela.
A cada mulher que queimava, a mãe ficava mais vívida, mais ruidosa, o rosto desfigurado no retrovisor, sempre murmurando.
Bruxas.
Em todos os lugares.
Na televisão, na rádio, supermercados, colégios.
Esperando, só esperando pra sussurrar nos seus ouvidos um feitiço,
pra entregar sua alma ao demônio.
Já é noite alta quando ele chega em casa, destranca a porta e entra de mansinho.
Bebe água, come as sobras do almoço.
Lava o rosto, escova os dentes, troca de roupa sem acordar a esposa, que ronca baixinho.
Arruma as coisas para ir trabalhar de manhã e, antes de dormir, observa a filha dormindo tranquila, o peito subindo e descendo, os cabelos grudando na testa suada.
A mãe começa a murmurar novamente e ele fecha a porta.
Vai pro quarto, deita gentilmente ao lado da esposa, e pega num sono rápido, sem sonhos.
O sono dos justos.
"É o cheiro", ele pensa.
O cheiro que não é de fumaça, carne ou combustível. Não. É diferente. Algo nas roupas.
Ele reflete se vale a pena passar a queimá-las nuas só pra saber se o cheiro muda.
Não.
Muito trabalho extra.
Ela grita pouco, essa.
Tantas coisas que ele não sabe.
Quando criança, perguntou ao pai se doía. Morrer queimado.
Era uma criança pequena, mirrada, assustada, que olhava de longe as mulheres queimarem, escandalosas.
"Só dói se você for uma bruxa", o pai dissera.
O pai.
O pai havia lhe ensinado tudo o que sabia.
Nunca queimar em lugares fechados. Porque ele podia se machucar. Porque as bruxas morriam intoxicadas pela fumaça. "Tem que ser fogo", ele dizia, "só o fogo salva".
Queimar tudo.
Sempre levar combustível extra.
Havia queimado 3 bruxas essa semana.
Estava exausto. Toda a procura, o encontro, a caçada, mulheres pesadas demais cheias de pecados. Era um trabalho estressante.
Abriu uma lata de coca cola e a finalizou em poucos goles. Guardou todo o lixo em um saco, entrou no carro, ligou o rádio, Jeff Buckley cantando, e dirigiu pra longe.
Com cuidado, com calma.
"Devagar também se chega", a voz da mãe.
Tinha queimado a mãe pela primeira vez aos 11 anos, logo após a morte do pai.
Ela gritava,
e o cheiro.
Mas a mãe não queimava nunca.
Ele acendia a chama de dia e, à noite, estourava as bolhas dos braços e puxava os tecidos grudados em sua pele. Mas o cheiro.
Ela gritava durante o dia e orava durante a noite, oração de bruxa, o rosto em carne viva, inchado, mas ela não morria nunca.
E ele tinha que acender a fogueira.
Tinha que mantê-la queimando.
E ele queimava, queimava.
A mãe e as outras mulheres, outras bruxas, seus filhos, mas a mãe nunca morria.
Falava o tempo todo na cabeça dele, oração de bruxa, cheiro de carne queimada, melada de combustível e canela.
A cada mulher que queimava, a mãe ficava mais vívida, mais ruidosa, o rosto desfigurado no retrovisor, sempre murmurando.
Bruxas.
Em todos os lugares.
Na televisão, na rádio, supermercados, colégios.
Esperando, só esperando pra sussurrar nos seus ouvidos um feitiço,
pra entregar sua alma ao demônio.
Já é noite alta quando ele chega em casa, destranca a porta e entra de mansinho.
Bebe água, come as sobras do almoço.
Lava o rosto, escova os dentes, troca de roupa sem acordar a esposa, que ronca baixinho.
Arruma as coisas para ir trabalhar de manhã e, antes de dormir, observa a filha dormindo tranquila, o peito subindo e descendo, os cabelos grudando na testa suada.
A mãe começa a murmurar novamente e ele fecha a porta.
Vai pro quarto, deita gentilmente ao lado da esposa, e pega num sono rápido, sem sonhos.
O sono dos justos.
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44x13 You don't know Jack
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
deus, sua boca tem um gosto tão bom nos meus sonhos.
It tastes so good
Quero te rasgar em pedaços com minha boca.
Acordo com vontade de beijar,
beijar sua boca,
sem me importar com as convenções sociais.
Talvez não seja sobre você,
mas é você, de qualquer forma.
A vontade,
intensa,
cortante,
meu esterno sente falta do seu.
Sente falta dessa coisa que todo mundo quer:
Que nos queiram, antes mesmo de nos conhecerem.
Incondicionalmente, impulsivamente, da forma mais egoísta possível.
Hurricanes
Earthquakes
Thunderstorms
Meu coração bate na goela porque tá todo mundo olhando,
todo mundo pode ver,
mas eu não posso evitar.
E é assustador,
extremamente assustador que um grupo de pessoas tão louco
viva dentro de uma só,
dizendo verdades
que a boca não quer dizer
e a cabeça não quer ouvir.
Verdades que as músicas dizem
os filmes
o sangue e
os olhos no espelho.
"Vocês não sabem de nada",
ela diz.
Mas não tem ninguém,
ela está sozinha,
segura,
a salvo de seus próprios pensamentos.
deus, sua boca tem um gosto tão bom nos meus sonhos.
It tastes so good
Quero te rasgar em pedaços com minha boca.
Acordo com vontade de beijar,
beijar sua boca,
sem me importar com as convenções sociais.
Talvez não seja sobre você,
mas é você, de qualquer forma.
A vontade,
intensa,
cortante,
meu esterno sente falta do seu.
Sente falta dessa coisa que todo mundo quer:
Que nos queiram, antes mesmo de nos conhecerem.
Incondicionalmente, impulsivamente, da forma mais egoísta possível.
Hurricanes
Earthquakes
Thunderstorms
Meu coração bate na goela porque tá todo mundo olhando,
todo mundo pode ver,
mas eu não posso evitar.
E é assustador,
extremamente assustador que um grupo de pessoas tão louco
viva dentro de uma só,
dizendo verdades
que a boca não quer dizer
e a cabeça não quer ouvir.
Verdades que as músicas dizem
os filmes
o sangue e
os olhos no espelho.
"Vocês não sabem de nada",
ela diz.
Mas não tem ninguém,
ela está sozinha,
segura,
a salvo de seus próprios pensamentos.
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44x12 Unattainable
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
(Um aviso: não é pessoal. Se eu não colocasse isso no papel, enlouqueceria. Eu juro, eu acho, não é pessoal)
Você se lembra daquela tarde, daqui a uns 30 anos, nós dois mais velhos, mais sensatos (ou menos), almoço em um café - talvez eu finalmente peça uma salada, talvez eu esteja preocupada com minha própria mortalidade, minha beleza, meu cabelo, as rugas sob meus olhos, uma aplicação de botox.
E você? Cabelos rarefeitos, umas entradas, cabelos brancos, não te imagino ganhando peso, fumando, pulando a entrada.
Você se lembra daquela noite, um milhão de anos atrás, ou daqui a um milhão de anos. O silêncio, as luzes e esta coisa, cujo nome me escapa agora, porque meu cérebro já não é o mesmo, eu não sou a mesma, mas
ainda assim
apesar de tudo de que não em lembro,
eu me lembro de você, uma proteína qualquer, estímulo elétrico, íons que entram e saem e caminham, e sangue ou um pedaço de substância negra, cinzenta, branca, uma meleca grosseira que dá contorno ao seu rosto onde quer que eu vá. Posso amar você sem te amar?
Você checa o relógio. É tarde, no seu fuso horário. Mas, ainda assim, você está acordado.
Esperando.
Esperando pelo quê?
Assustado.
Você sente medo, e nem sabe do quê, nunca vai saber.
Não te assusta não saber?
Não te assusta passar a vida inteira olhando as luzes pela janela sem entender o porquê, ou se poderia ser diferente?
O telefone toca.
É ela.
Ela. Ela quem?
Você não consegue se lembrar. Era pra ser alguém, alguém importante. Era pra você atender. Era pro seu coração bater mais forte, era pra ser diferente de todo o resto, de todas as outras, era pra ser bom, era pra ser incrível e arrebatador, mas
Você não atende.
Deixa tocar.
Tá confuso.
As palavras que ela diz não fazem sentido.
- O que você quer de mim?
Mas você não pergunta.
Ela quer você.
Ela só quer você, inteiro, cada centímetro do seu corpo, entender sua mente e conhecer seus segredos, mas é mais complexo do que isso.
Então você fica em silêncio.
É agora.
Agora ou nunca,
o que você tá esperando?
Você pode fazer isso.
E você sabe que pode
mas você não pode.
Tem algo de errado na cena final do filme.
A música, a luz, o local, o timing. Tudo confere.
Ela é o problema.
Ela simplesmente não está
disponível.
É algo no tom esganiçado da voz, o tremor leve dos dedos inquietos,
e você quer pedir que ela se acalme, pra que você possa pensar, mas ela voa.
E tudo bem.
Certo?
Normal.
Mas estranho, tão estranho.
Ele acorda, suado, sem saber que horas são.
Pega pão, café, um pedaço de queijo e olha pela janela.
Ela sabe.
Todo mundo sabe.
Mas ela
será que ela sabe?
Lavo o rosto,
bebo meia garrafa de água em um gole só,
e me passa pela cabeça dizer algo.
Ignoro a ideia quase que imediatamente.
Há tempo de sobra.
Abro uma fresta na cortina, e a luz entra, machuca meus olhos desacostumados.
Tem uma mulher na janela, estendendo as roupas no varal.
Há tempo de sobra.
Cubro as frestas,
deito na cama e volto a dormir, a sonhar.
Há tempo de sobra.
(Um aviso: não é pessoal. Se eu não colocasse isso no papel, enlouqueceria. Eu juro, eu acho, não é pessoal)
Você se lembra daquela tarde, daqui a uns 30 anos, nós dois mais velhos, mais sensatos (ou menos), almoço em um café - talvez eu finalmente peça uma salada, talvez eu esteja preocupada com minha própria mortalidade, minha beleza, meu cabelo, as rugas sob meus olhos, uma aplicação de botox.
E você? Cabelos rarefeitos, umas entradas, cabelos brancos, não te imagino ganhando peso, fumando, pulando a entrada.
Você se lembra daquela noite, um milhão de anos atrás, ou daqui a um milhão de anos. O silêncio, as luzes e esta coisa, cujo nome me escapa agora, porque meu cérebro já não é o mesmo, eu não sou a mesma, mas
ainda assim
apesar de tudo de que não em lembro,
eu me lembro de você, uma proteína qualquer, estímulo elétrico, íons que entram e saem e caminham, e sangue ou um pedaço de substância negra, cinzenta, branca, uma meleca grosseira que dá contorno ao seu rosto onde quer que eu vá. Posso amar você sem te amar?
Você checa o relógio. É tarde, no seu fuso horário. Mas, ainda assim, você está acordado.
Esperando.
Esperando pelo quê?
Assustado.
Você sente medo, e nem sabe do quê, nunca vai saber.
Não te assusta não saber?
Não te assusta passar a vida inteira olhando as luzes pela janela sem entender o porquê, ou se poderia ser diferente?
O telefone toca.
É ela.
Ela. Ela quem?
Você não consegue se lembrar. Era pra ser alguém, alguém importante. Era pra você atender. Era pro seu coração bater mais forte, era pra ser diferente de todo o resto, de todas as outras, era pra ser bom, era pra ser incrível e arrebatador, mas
Você não atende.
Deixa tocar.
Tá confuso.
As palavras que ela diz não fazem sentido.
- O que você quer de mim?
Mas você não pergunta.
Ela quer você.
Ela só quer você, inteiro, cada centímetro do seu corpo, entender sua mente e conhecer seus segredos, mas é mais complexo do que isso.
Então você fica em silêncio.
É agora.
Agora ou nunca,
o que você tá esperando?
Você pode fazer isso.
E você sabe que pode
mas você não pode.
Tem algo de errado na cena final do filme.
A música, a luz, o local, o timing. Tudo confere.
Ela é o problema.
Ela simplesmente não está
disponível.
É algo no tom esganiçado da voz, o tremor leve dos dedos inquietos,
e você quer pedir que ela se acalme, pra que você possa pensar, mas ela voa.
E tudo bem.
Certo?
Normal.
Mas estranho, tão estranho.
Ele acorda, suado, sem saber que horas são.
Pega pão, café, um pedaço de queijo e olha pela janela.
Ela sabe.
Todo mundo sabe.
Mas ela
será que ela sabe?
Lavo o rosto,
bebo meia garrafa de água em um gole só,
e me passa pela cabeça dizer algo.
Ignoro a ideia quase que imediatamente.
Há tempo de sobra.
Abro uma fresta na cortina, e a luz entra, machuca meus olhos desacostumados.
Tem uma mulher na janela, estendendo as roupas no varal.
Há tempo de sobra.
Cubro as frestas,
deito na cama e volto a dormir, a sonhar.
Há tempo de sobra.
44x11 Radio
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
- Quero um anel mágico, que me faça viver pra sempre, ela diz, baixinho.
Olho para os meus próprios dedos - velhos, enrugados, manchados, tortos.
- Você vai morrer, - sussurra a voz das células que flutuam, despertas - porque não pode nos conter.
E eu ouço.
Ouço os ossos rangendo, abrindo caminho, ouço-as roendo, roendo, tentando perfurar.
Elas querem viver dentro de você, através de você, por você, com você, mas você não deixa.
Então elas tentam viver ao invés de você. Se escondem nas suas veias, cochicham entre si, pra que você não as encontre até o último segundo.
Elas veem pelos seus olhos, se alimentam pela sua boca pequena que beija e canta, elas comem tudo, famintas, vorazes, sedentas, até não sobrar mais nada. Até sobrar só você. Então, chega a sua vez.
A vez dos seus sonhos, esperanças, gemidos e de cada sensação, exceto a dor.
Mas não se preocupe, tudo tem cura. Você só precisa de um anel mágico, que te faça viver pra sempre.
Abro minha gaveta, cheia de anéis de plástico barato, escolho um pequeno, azul celeste e dou a ela.
- Aqui. É o último.
O rosto dela se ilumina e ela me agradece várias vezes, antes de sair.
Fico só.
Levanto da cadeira, tranco a porta e choro, sem lágrimas, por uns 2 minutos, até o horário da próxima paciente.
Ela entra,
- Quero um anel mágico, que me faça viver pra sempre.
- Quero um anel mágico, que me faça viver pra sempre, ela diz, baixinho.
Olho para os meus próprios dedos - velhos, enrugados, manchados, tortos.
- Você vai morrer, - sussurra a voz das células que flutuam, despertas - porque não pode nos conter.
E eu ouço.
Ouço os ossos rangendo, abrindo caminho, ouço-as roendo, roendo, tentando perfurar.
Elas querem viver dentro de você, através de você, por você, com você, mas você não deixa.
Então elas tentam viver ao invés de você. Se escondem nas suas veias, cochicham entre si, pra que você não as encontre até o último segundo.
Elas veem pelos seus olhos, se alimentam pela sua boca pequena que beija e canta, elas comem tudo, famintas, vorazes, sedentas, até não sobrar mais nada. Até sobrar só você. Então, chega a sua vez.
A vez dos seus sonhos, esperanças, gemidos e de cada sensação, exceto a dor.
Mas não se preocupe, tudo tem cura. Você só precisa de um anel mágico, que te faça viver pra sempre.
Abro minha gaveta, cheia de anéis de plástico barato, escolho um pequeno, azul celeste e dou a ela.
- Aqui. É o último.
O rosto dela se ilumina e ela me agradece várias vezes, antes de sair.
Fico só.
Levanto da cadeira, tranco a porta e choro, sem lágrimas, por uns 2 minutos, até o horário da próxima paciente.
Ela entra,
- Quero um anel mágico, que me faça viver pra sempre.
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44x10 Mistletoe
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
Cabeça pesada e meu corpo nas nuvens:
eu danço, pra um público que só existe na minha cabeça.
Eu em sinto-
bem.
Não acontece com frequência.
Então danço.
Dança comigo?
E eu danço comigo mesma.
Eu não preciso de ninguém.
Eu só preciso de mim.
De música.
Do escuro.
O mundo todo gira,
eu
o mundo
tão lindo, tão lindo.
Eu sou invencível.
Deito no sofá, caio no sofá, um peso enorme, vivo, pulsante,
meu coração em chamas,
e ela se senta ao meu lado, acaricia meus cabelos,
o cheiro de luz
e eu simplesmente sei que é assim que acaba
e tudo bem,
tudo bem
se estiver tudo bem
Mas as luzes giram e giram,
e eu no centro de um redemoinho de escuridão,
lembranças ruins pálidas e confusas,
minha boca, sua boca,
nossas bocas,
língua e saliva,
e
amendoim
Eu sou invencível
- invisível
- insegura
- solitária
- vazia,
ela sussurra.
Não, não
não mais
eu cresci
grew out
você não pode me atingir aqui no chão do banheiro
você não pode me alcançar na varanda
e eu não posso te ouvir sob a música e o barulho dos fogos de artifício.
E eu danço,
eu beijo,
eu rio,
eu durmo
e acordo, no meio da noite, sufocada pela sua presença,
pela sua existência,
lembranças enterradas tão fundo que eu nem sei se são mesmo lembranças
corro pra lavar o rosto,
e vejo o rosto dela no espelho, brevemente,
num lampejo
e eu reapareço.
Não tenho medo de onde as experiências me levam,
nem das lembranças,
nem de você.
Sinto que vou ter que aprender a conviver com esses momentos,
que eles vão vir à tona sempre que eu baixar a guarda,
sempre que eu tomar sorvete ou morder frutas, usar glitter.
E eu não vou parar de fazer nada disso.
Eu amo frutas,
sorvete,
glitter,
beijos e álcool e escuridão e o som das ruas de madrugada, declarações de amor e escrever no papel.
E, importante repetir, marcar várias vezes, enfatizar, gritar pelas ruas e repetir feito mantra todos os dias de manhã:
não tenho medo.
Cabeça pesada e meu corpo nas nuvens:
eu danço, pra um público que só existe na minha cabeça.
Eu em sinto-
bem.
Não acontece com frequência.
Então danço.
Dança comigo?
E eu danço comigo mesma.
Eu não preciso de ninguém.
Eu só preciso de mim.
De música.
Do escuro.
O mundo todo gira,
eu
o mundo
tão lindo, tão lindo.
Eu sou invencível.
Deito no sofá, caio no sofá, um peso enorme, vivo, pulsante,
meu coração em chamas,
e ela se senta ao meu lado, acaricia meus cabelos,
o cheiro de luz
e eu simplesmente sei que é assim que acaba
e tudo bem,
tudo bem
se estiver tudo bem
Mas as luzes giram e giram,
e eu no centro de um redemoinho de escuridão,
lembranças ruins pálidas e confusas,
minha boca, sua boca,
nossas bocas,
língua e saliva,
e
amendoim
Eu sou invencível
- invisível
- insegura
- solitária
- vazia,
ela sussurra.
Não, não
não mais
eu cresci
grew out
você não pode me atingir aqui no chão do banheiro
você não pode me alcançar na varanda
e eu não posso te ouvir sob a música e o barulho dos fogos de artifício.
E eu danço,
eu beijo,
eu rio,
eu durmo
e acordo, no meio da noite, sufocada pela sua presença,
pela sua existência,
lembranças enterradas tão fundo que eu nem sei se são mesmo lembranças
corro pra lavar o rosto,
e vejo o rosto dela no espelho, brevemente,
num lampejo
e eu reapareço.
Não tenho medo de onde as experiências me levam,
nem das lembranças,
nem de você.
Sinto que vou ter que aprender a conviver com esses momentos,
que eles vão vir à tona sempre que eu baixar a guarda,
sempre que eu tomar sorvete ou morder frutas, usar glitter.
E eu não vou parar de fazer nada disso.
Eu amo frutas,
sorvete,
glitter,
beijos e álcool e escuridão e o som das ruas de madrugada, declarações de amor e escrever no papel.
E, importante repetir, marcar várias vezes, enfatizar, gritar pelas ruas e repetir feito mantra todos os dias de manhã:
não tenho medo.
44x09 Late resolutions
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garota solteira procura,
Imagem: TingTing Huang
- Quem você quer ser?
Ando preocupada, inquieta, mal durmo, comendo feito louca, carente, insossa: tenho medo do futuro.
Tá chegando, tá me alcançando e eu tenho medo. Queria não ter, ser super decidida, bem organizada, planos impecáveis. Mas sou só humana.
- Quem você quer ser?
Garota do cabelo de molinhas (por enquanto), com cheirinho bom, que calça tênis e se diverte com as pessoas certas.
É, eu quero sair de casa com as pessoas certas. Gente que não precisa de tudo, nem de muito, porque nem tenho, e que entende o esforço que é socializar. Quero meus amigos, bons amigos, vinho e pizza e coxinhas. Manter perto de mim quem dá pra manter por perto.
Eu quero ser a irmã que fala o que precisa ser dito. Que abraça. Que conversa. E que brinca até mais tarde. Que leva ao parquinho e ao cinema.
Quero abraçar minha mãe. E levá-la ao médico.
Quero ir ao médico.
E quero ser médica. Uma das boas. Mas do meu jeito, nos meus limites, de acordo com os meus conceitos. Nem preto, nem branco. Cinza. Colorida. Brilhante. Cor de arco-íris.
Começar a guardar dinheiro pro meu futuro de cerca branca, filhos mestiços e cãezinhos. Dias dos pais, é. Oh, boy.
Quero ser briguenta, FIERCE, quero o que eu quero, o que eu quiser e vou fazer o que for preciso pra conseguir. Quero não ficar calada. Quero lutar com palavras e punhos.
Palavras. Quero viver com elas, pra elas, delas, por elas.
Quero ficar bem. É o mais importante agora, ficar bem, parar um segundo, vai dar tempo, sempre dá, vai dar certo, e tudo bem se não der.
Vai ficar tudo bem.
(Não sei porque insisto nisso,
mas vai ficar tudo bem.
Não sei como, não joguei tarô, nenhuma cigana me disse, mas vai ficar tudo bem. )
Exercícios. Eu acho que não quero morrer cedo. Quero ficar pra ver o fim do filme.
E é, eu posso - eu provavelmente vou - jogar no lixo muitas dessas resoluções, vou deixar pro ano que vem, de novo e de novo.
E tudo bem.
Isso é problema da B. de amanhã.
A de hoje tá aqui, decidida, otimista, de barriga cheia, casa limpa e coração quase tranquilo.
Vai ficar tudo bem.
- Quem você quer ser?
Ando preocupada, inquieta, mal durmo, comendo feito louca, carente, insossa: tenho medo do futuro.
Tá chegando, tá me alcançando e eu tenho medo. Queria não ter, ser super decidida, bem organizada, planos impecáveis. Mas sou só humana.
- Quem você quer ser?
Garota do cabelo de molinhas (por enquanto), com cheirinho bom, que calça tênis e se diverte com as pessoas certas.
É, eu quero sair de casa com as pessoas certas. Gente que não precisa de tudo, nem de muito, porque nem tenho, e que entende o esforço que é socializar. Quero meus amigos, bons amigos, vinho e pizza e coxinhas. Manter perto de mim quem dá pra manter por perto.
Eu quero ser a irmã que fala o que precisa ser dito. Que abraça. Que conversa. E que brinca até mais tarde. Que leva ao parquinho e ao cinema.
Quero abraçar minha mãe. E levá-la ao médico.
Quero ir ao médico.
E quero ser médica. Uma das boas. Mas do meu jeito, nos meus limites, de acordo com os meus conceitos. Nem preto, nem branco. Cinza. Colorida. Brilhante. Cor de arco-íris.
Começar a guardar dinheiro pro meu futuro de cerca branca, filhos mestiços e cãezinhos. Dias dos pais, é. Oh, boy.
Quero ser briguenta, FIERCE, quero o que eu quero, o que eu quiser e vou fazer o que for preciso pra conseguir. Quero não ficar calada. Quero lutar com palavras e punhos.
Palavras. Quero viver com elas, pra elas, delas, por elas.
Quero ficar bem. É o mais importante agora, ficar bem, parar um segundo, vai dar tempo, sempre dá, vai dar certo, e tudo bem se não der.
Vai ficar tudo bem.
(Não sei porque insisto nisso,
mas vai ficar tudo bem.
Não sei como, não joguei tarô, nenhuma cigana me disse, mas vai ficar tudo bem. )
Exercícios. Eu acho que não quero morrer cedo. Quero ficar pra ver o fim do filme.
E é, eu posso - eu provavelmente vou - jogar no lixo muitas dessas resoluções, vou deixar pro ano que vem, de novo e de novo.
E tudo bem.
Isso é problema da B. de amanhã.
A de hoje tá aqui, decidida, otimista, de barriga cheia, casa limpa e coração quase tranquilo.
Vai ficar tudo bem.
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