32x02 Awakenings

Imagem: TingTing Huang

Chuck ao telefone, um voz baixa, baixinha, rouca.
- Oi.
Fico com vontade de chorar.
- Onde você esteve?
Ele não responde, não sabe.
- Tem mais gente aí?
- Tem. Tá todo mundo aqui. Sentimos sua falta.

Eu estive perdida.
Eu estou perdida.
Andei tentando me anular, ser alguém mais normal, mais adequada às necessidades das pessoas, dos contextos.
Essa não sou eu.

- Eu ainda não tô bem. Mas eu vou ficar. Eu vou ficar bem. E eu vou ver vocês de novo.
Uma voz de mulher invade meus ouvidos: June.
- Não se preocupe com a gente. Você precisa ficar bem. Inteira. Sã e salva.
- Eu preciso de vocês. Precisamos ficar juntos.
- Nós sempre estamos juntos. Não importa o que aconteça, nunca vamos te deixar sozinha. Pode parecer esquisito quando falo assim, mas nunca vamos te deixar. Nunca, nunca.
- Mas eu não sei quanto tempo, eu não sei quando vou ficar bem --
- Você pode vir a qualquer hora. Vamos estar aqui, ok? Sempre.
- Sempre.

Eu vou ficar bem.
E volto pra vocês, melhor e mais forte.
Eu volto.
Eu sempre volto.
Sempre.

32x01 Loud and Clear

Imagem: TingTing Huang

A memória falha, me recordo de peças soltas.
Minha camiseta da Marilyn, saia nova - azul.
E você me dizendo que ia viajar.
Entrei em pânico.
Quando foi mesmo que eu decidi que não iria esperar porra nenhuma, que iria à luta, dar a cara a tapa pra você bater com um grande não (ou um grande sim)?
Tinha recém decidido não fazer a mínima ideia do que ia fazer.
Aí te vi, e eu soube,
que nada nem era mais uma opção.

Escovei os dentes,
comuniquei o fato ao grande conselho de amores da minha vida,
e te mandei mensagem.

A tarde inteira foi passada assim, as tripas se sacudindo, eu nervosa, olhando o celular a cada segundo, sem saber o que fazer, o que pensar.

Fui pra casa.
Tomei banho, comi, tentei ler, e li.
Estômago furioso.
Levei minha irmã, busquei minha irmã.
E você nada de chegar.

Eu queria gritar, gritar e rir e chorar.
Ao invés disso, dancei, na sala escura.
Dog days are over.
Shot at the night.
Little Lion Man.
Babel.

E tua mensagem chegou.
Fui pra tua casa.
E tinha uma mulher de robe vermelho na portaria.
Que loucura.
Eu pensei em dar meia volta,
mas toquei a campainha.

E você desceu.

E você desceu.

E você desceu.

Uau.

Todas as palavras foram embora, e eu fiquei boba. O cérebro derreteu, eu só conseguia rir e olhar pra sua cara.
Aí você me perguntou se eu queria água.
Mas eu queria ar.
Eu queria palavras.
E elas não vinham.

Conversamos amenidades.
(Obrigada)
E eu fui relaxando aos poucos,
lentamente,
as palavras foram voltando, meio arredias,
e saindo aos pouquinhos.

Arrisquei um "Eu ainda gosto de você".

E elas jorraram de volta,
o ar voltou,
e eu soube que arriscaria de novo e de novo e de novo.

Sim, não, talvez.

Eu disse.
Eu tive coragem.

Uau.

Early Cuts: Meth

Apenas mais uma tarde com L. 2013, mas poderia ser 2010.

("Abra bem a boca e feche os olhos")

Corro.
Está tudo escuro, árvores e folhas secas pra todo o lado.
Tem algo de estranho e familiar nessa paisagem. Algo que não consigo precisar. É tudo tão vívido. Até a escuridão é diferente. E o cheiro.

Do que é que eu estava correndo mesmo?
Não me lembro.

Alguém grita algo em alemão, em algum ponto atrás de mim, o som distante. Mais gritos seguem, gritos e risadas.
Me afasto do som.
Não sei o que está acontecendo, como cheguei aqui. Mas, de alguma forma, sei o que está pra acontecer. Preciso chegar à rua.

Corro.
Passo por árvores e prédios, parques abandonados, tudo escuro demais e, ao mesmo tempo, não tão escuro que eu não possa enxergar.
A rua, enfim. Iluminada, deserta: Brasília.

E agora?

Espero.
Nada acontece.
Volto na direção dos risos, agora cada vez mais altos.

Crec. Crec. Crec. Crec. Aguço os ouvidos.
Alguém encapuzado se aproxima, aparentemente sem me perceber.
Paro e observo.
Reconheço esse andar, reconheço esse corpo. "É um de nós?", e meu cérebro logo rejeita a ideia.
Ele se aproxima dos risos. Diminui o passo. Para.
Abaixa o capuz, tira os fones de ouvido. Parece atento aos ruídos agora.
Prendo a respiração.
Ele se aproxima, está quase lá.
Quando dou por mim, já estou empurrando-o de encontro à coluna de um prédio.
- B.? O que é que você está fazendo aqui? O que está acontecendo?
- Você tem que ir embora.
- Por que? O que essas pessoas estão fazendo?
- Você tem que --
Percebo que ele está assustado.  Eu nunca o vi assim. É tão surreal.
- Eu não posso responder. Se eu te dissesse que, o que quer que esteja acontecendo lá não é para os seus olhos, você ficaria satisfeito?
- Não.

Nós estamos muito próximos, muito próximos, próximos demais. Meu coração vai explodir a qualquer momento.
- Você tem que ir.
- Eu não vou --
Ele para de falar e olha para o meu pescoço e ombros.
- Isso é sangue?
Respondo, sem hesitar, olhando-o nos olhos:
- É tinta.
- Não parece tinta. B., você está bem?
Não respondo.

- Bels, o Alex está te procurando e você ---
A voz de Ulrika estaca.
- Quem é ele?
- Ninguém. - respondo, sem olhar pra ela.
- Oi, ninguém. Qual é o seu nome?
- Ulrika, não...
- Holden. - ele diz.

Ulrika olha pra mim, olha pra ele e eu percebo que ela está alta demais pra controlar a própria língua. Sei que ela não vai nem mesmo se dar ao trabalho de falar no nosso horrível código alemão.
- Você! O terceiro cavaleiro! Por que você o trouxe até aqui?
- O terceiro cavaleiro? O que é isso?
- É você, você é o terceiro cavaleiro, você sabe, --
- Ulrika, já chega.
Ela percebe meu tom de voz e dá de ombros.
- Ele está te chamando.
-Ele quem? - pergunta Holden.
Minha cabeça dói. Isso não podia acontecer hoje.
- Ulrika. Me ajude.
- Ok. Eu digo que não te encontrei. Bom te conhecer, cavaleiro.
Ela sai, saltitando.

- O que ela quer dizer com isso? Terceiro Cavaleiro?
Suspiro. Tem tanta coisa a ser explicada, tanta coisa que eu não gostaria de explicar.
- Sabe, eu digo a ela que ela é bonita demais pra que alguém ouça o que ela diz. Acho que ela acredita nisso.
- Tá. Me explica. O que está acontecendo?
- Você tem que ir.
- Ok. Pare de dizer isso. Por que você está suja de sangue? E por que eu ouvi gritos lá dentro? O que essas pessoas--
E David o interrompe, falando em código, do seu jeito perfeito:
- Eu não acreditei quando a Ulrika contou. Ele é seu amigo?
- Não, David. Por favor.
- Bels, você tem que ir. Ele está te chamando.
- O que ele quer? Eu já fiz tudo o que tinha que fazer.
- Ele quer você.
Suspiro. Tenho que ir.
Olho nos olhos atônitos de Holden, totalmente perdido na nossa conversa enrolada.
- Você leva ele embora? Agora.
- Claro.
Eles se afastam, e eu sei que deveria voltar, mas algo me diz pra ficar de olho nos dois. De algum jeito, consigo ouvir a conversa dos dois, dentro da minha própria cabeça.

- Então, você é amigo da B.?
- Sou.
- Pode me dizer o que está acontecendo?
- Por que você não pergunta pra ela? Ela é sua amiga, não é?
Ele não responde.
- Deixe-me adivinhar: ela ignora você. Quando conversam, ela é rude sem razão. Nunca te olha nos olhos. Fala com todo mundo, menos com você. Cheguei perto?
- Ela... Ela age dessa forma.
- É claro que age.
- Por que?
- Por que o quê?
- Por que ela age assim?
- Hm. Eu não gosto nada do seu nome.
- O quê?
- Seu nome. Você é polonês?
- O quê?
- Polonês, alemão
- Eu não sei, talvez, meu bisavô --
David dá aquela risada esquisita que ele sempre dá em momentos aleatórios.
- Vou te dizer uma coisa: Corra. Se ela vier na sua direção, corra. Não fale, não escute, não pergunte.
- Não pergunte. Ela me disse a mesma coisa outro dia.
- Disse? E o que você fez?
- Continuei perguntando.
- Por que?
- Eu estava curioso. Sobre ela.
- Então esqueça o que eu disse. Você já era.
- O quê?
- Vá pra casa daqui. Não volte pra lá e esqueça o que aconteceu aqui. Vá pra casa ou ---

Alguém toca o meu rosto com a mão gelada, me assustando.
O som da voz de David morre aos poucos e é substituído pela voz de L.

- B? B, você tá legal?

Sinto tapinhas no meu rosto. A noite sai de foco e eu me dou conta de que é dia e estou deitada no forro de sofá florido da casa de L. , que me observa. Estou fraca, febril, meu corpo todo dói.

- E agora, o que houve? - ela pergunta.
- Ele foi pra casa. Mas ele sabe. Ele sabe de tudo.

Ela se senta do meu lado, acaricia minha cabeça e suspira:
- De novo. Abra a boca e feche os olhos.

31x15 Açúcar ou adoçante? (season finale)


Imagens: TingTing Huang

(Duas imagens finais no álbum. De certa forma, andei me planejando pra usar uma dessas imagens no season finale. Mas eu só percebi agora que são imagens pra finais completamente distintos. Pensei no final de hoje e fui procurar a melhor imagem. Daí percebi que as duas eram sobre esse episódio. Nem uma, nem outra: as duas)

Acordei cedo, me sentindo vazia: normal. Cansada.
Lavei o rosto, e meu coração já acelerava: tinha sonhado com ele. E foi um sonho tão bonito. E tão triste.
Peguei o celular, me fingindo de descrente, pra não me decepcionar se ele não tivesse mandado mensagem. Ele tinha.
E eu quis tanto responder, e recomeçar o diálogo, um diálogo infinito como os que costumávamos ter, sem assunto fixo, que durasse dias e dias, mil e uma noites, e que me impedisse de cortar sua cabeça, que me impedisse de tomar qualquer decisão, de seguir em frente, que me mantivesse aqui. 
Mas eu não quero ficar aqui. 
Eu não quero ficar assim. 

Ontem, eu estava bêbada, mais bêbada do que podia entender, mas mais sóbria do que quando bêbada, e percebi, de novo, que não tá legal assim. 
Não dá mais.

Quarto escuro, cheirando a sono, umidade e qualquer coisa que eu não sei definir. 
Todas trabalham, incessantemente, tecendo destinos, desfazendo amores, criando caos, dando sentido. 
Sentada no chão, eu observo, por um tempão, enquanto as vidas tomam forma. Tomam a forma de um beijo, uma dança, uma declaração de amor, dois amigos que se encontram e têm uma conexão imediata, cabelos crescidos, amores que acabam, fios dourados, fios pretos, tristeza enorme que as pessoas escondem bem, gente que fica amiga pra sempre, gente que não quer sair de casa, pessoas que são perfeitas umas pras outras, mesmo que não saibam disso ainda, e o momento em que elas descobrem, gente que não tá sempre feliz, gente que pode ficar feliz, gente que volta a ficar junta, gente que se gosta de verdade desde sempre, bebês, e aquele reflexo prateado de quem tem toda uma vida pela frente. 
É lindo. 
É o trabalho mais lindo que já vi. 
Arte pura, crua, 
e eu choro, choro, por poder ver isso.
Eu estou viva. Esse vazio é só um vazio. É a oportunidade de colocar tudo isso pra dentro. 

De costas pra mim, a Mãe diz
- Você vê, agora?
E eu não consigo falar, soluço sem parar, sem conseguir respirar direito, encolhida no canto. 
- Eu sei o que você veio fazer aqui. Eu sei o que você quer saber. E eu vou te dizer o que você quer saber. Você está esperando. Pela grande mudança de Maio. 

A donzela, cabelos ruivos longuíssimos e brilhantes, senta-se de frente pra mim, olha pra mim sem olhar pra mim, me aponta os buracos vazios nas órbitas: 
- Ele está assustado, desesperado, sente-se abandonado, preso a esse passado que insiste em voltar. E você, eu consigo sentir o gosto da desilusão, das tentativas fracassadas em preencher esse espaço. 
Ela passa a mão esquerda sobre as órbitas vazias e um olho surge, brilhante, enorme, assustador.
- Eu posso ver afeto, amizade, lealdade. Eu posso ver esperança. Vai ficar tudo bem. 

E a voz infantil me chega aos ouvidos
- Mas isso não quer dizer que vocês vão ficar juntos. 

Olho de volta para a donzela, mas ela já não vê nada, as órbitas escuras feito a noite. 

- Você é inflexível demais, sussurra Morta, no meu ouvido. Precisa usar seu desinteresse, sua dissimulação. Eu vejo verdades dolorosas, dualidade. Eu vou te dizer, a mudança é a resposta. Rápida, inevitável. Você precisa mudar. E nós duas sabemos, você não vai. Então, vou te dar um conselho: ouse. Seja feliz, expresse seus sentimentos. 

E a Mãe, com sua voz poderosa, me manda levantar do chão
- Não. Eu vou te dizer exatamente o que você vai fazer se quiser sair disso. Eu vou te dizer que você não precisa mais disso. Acabou. Você é impaciente, vive se reprimindo, se descontrolando. Mas não entende que os obstáculos te farão forte, que não pensar tanto te fará seguir adiante. Você tem o poder de mudar qualquer situação. Só precisa ficar parada. Você é perfeita. Eu vi quando cada pensamento seu nasceu, eu vi seus sentimentos tomarem forma, eu teci cada uma das suas lágrimas. E eu posso dizer, muitas passaram e muitas mais virão. Você vai chorar e sorrir, e chorar de novo. Espere sempre o melhor, essa esperança que você teima em negar: mantenha-a segura. 

E a donzela, como quem lê minha mente:
- Não, você não pode ter as duas coisas. Não pode mudar sem mudar. Isso é Maio. Escolhas das quais não se pode fugir. Da mesma maneira que você resolveu que queria tentar, da mesma maneira que resolveu que não queria mais magoá-lo, vai ter que escolher de novo. E não, não me venha com esperas, com não saber como ele se sente, porque essa é sua escolha. Até a maneira como você vai decidir, os elementos norteadores da decisão, já é uma escolha. Você veio até aqui pra testemunhar a grande mudança de Maio. 
Ela segura minha mão e eu sinto algo, um pedaço de papel, uma lembrança.
- Não existe grande mudança, B. Nunca existiu. Maio traz grandes escolhas. Até hoje, foi você quem escolheu mudar. O que acontece, a partir de agora, é decisão sua. Sem sinais, sem cartas marcadas, as músicas não te darão a resposta certa, nem nós, seus amigos ou as estrelas. Não escolher nada também é escolher. 
Você precisa ir, agora. Seguir seu próprio caminho. Escolher seu próprio caminho.

E viver com as consequências dele.

31x14 303

Imagem: TingTing Huang

- Eu estava apaixonada.
Pompeii, do Bastille fazia o sangue nas minhas veias correr rápido e eu não conseguia dormir sem o teu nome na boca.
Eu tremia, de medo e de vontade.
E me segurava com todas as forças, pra não estragar tudo logo no começo.
Fechava os olhos e rezava pra um Deus com o qual nem falo mais, rezava pra ficar boa, saudável e normal. Pra ficar bem pra você.

Lembro de ouvir a versão original de "Best Song Ever" pela primeira vez em uma loja. E senti que era um sinal. Mas não era, era?

Eu sinto muito. Mas não foi culpa minha. Não foi culpa de ninguém. Ou talvez tenha sido minha. Você acha que foi?

Isso passa?
Você não me conhece direito, sabe? Eu sinto muito medo de me deixar ser vista, por infinitas razões. Ainda tinha tanta coisa que, talvez, você devesse saber. Mas te darei o devido crédito, você me conhece melhor do que muita gente.
E é por isso que volta e meia quero saber das coisas, mas só você seria capaz de entender e traduzir as perguntas.
Isso passa? Essa sensação incômoda de não estar preparada pra gostar de ninguém, esse não saber se ainda gosto de você, essa sensação de que não gosto de você que volta e meia vira outra coisa, outras coisas. Eu ainda amo você? Isso vai durar pra sempre? É aquilo que você disse? Ou é só a sensação normal? Sempre que eu amar alguém vai ser assim?

Você me ama?
Você me odeia?
Porque eu entenderia. Seria perfeitamente aceitável, depois de tudo.

Dói?
Se sim, com que frequência?

Tem alguma coisa errada com você?
Comigo?
Com a gente?

Sabe, eu pensei que estivesse tudo bem.
Dessa vez, eu pensei que fosse ficar tudo bem.
Mas eu sei que você pode ver, que você viu antes mesmo que eu visse, que você percebeu, ou sentiu
que eu nunca vou ficar bem.
Eu vou tentar, da minha maneira torta, criar subterfúgios, regras novas, mentiras novas.

Mas nunca vou ficar bem.

Eu queria que você ficasse.
Por alguma razão, egoísta, nojenta, pútrida, normal,
eu queria que você ficasse.
Sem garantias, sem certeza nenhuma.
Por pura loucura, puro impulso, necessidade de se magoar.
Ou só porque
você também quer ficar.

Eu queria, eu quero que você fique.

E é loucura, eu sei.
Pra quê, você deve estar querendo perguntar, naquele seu tom cansado de voz,
e eu não vou responder.
Eu quero. Simples, direto. Eu quero.
De um jeito esdrúxulo, dolorido, triste.
Eu quero.

Mas tudo bem.
Tudo bem, se você não puder ficar.
Tudo bem, se você não quiser ficar.

Se for pra ficar, que seja com alguém que teve a coragem de apertar o interfone.

31x13 O lado azul do sofá

Imagem: TingTing Huang

Maio.

"Vai ficar tudo bem".
Chego em casa às 04:00, é primeiro de maio.
E eu vou sobreviver.
31 dias.
Não pode ser tão ruim.

Então saio de casa.
Pro mesmo lugar onde estivemos 1 ano atrás.
Onde brigamos 1 ano atrás.
E eu percebo que sempre soube,
que acabaria assim.

Sacudo a cabeça e os pensamentos desaparecem, ou se escondem.
Mas não sacudo maio, e ele se infiltra sob minhas unhas, escuro e viscoso.

Decido me concentrar no trabalho.
Estudo, leio, estudo, leio, escrevo, estudo, leio, escrevo, estudo, leio, escrevo, estudo, leio, escrevo.
Termino.
Indo pra casa, meus melhores amigos me dão a notícia de que um de nós seguiu em frente.
Em tempo:
não fui eu.

Um dia de cada vez, eu esqueço o fato de que há um ano, um ano só, eu era outra pessoa.
Em outra vida.
E te olho com os olhos de alguém que nunca te conheceu.
Faz bem.
Ou, pelo menos, não faz tão mal.

Ela se senta e diz
que minhas notas de agora vão decidir meu futuro.
Porque decidiram o dela.
E eu digo a mim mesma que uma porra de uma nota não vai dizer quem eu sou.
Mas tô mentindo.

Esqueço de comer, deixo tudo de lado, não assisto seriados ou leio livros, ou penso em amor.
Eu estudo.
E estudo.
E estudo.
E estudo.
Como se fosse a única coisa que eu tenho, como se fosse a única maneira de provar que sou realmente boa em alguma coisa,
e não uma grande fraude.
Novidade: não é o bastante.

Saio da prova me sentindo lixo,
cega e surda,
suja.
E eu tento lutar com as vozes,
tento lutar contra o aperto na garganta.

Mas eu consigo sentir,
eu consigo quase perceber a sensação rondando,
observando,
esperando,
pra me levar de vez.
Então eu não seguro o choro, nem a dor de me sentir inútil.

Encho a boca de sorvete, pela trecentésima vez esse mês,
e deixo vir.
Fico atenta, escutando meus próprios pensamentos,
esperando,
esperando,
que eles digam tudo de ruim que pode ser dito sobre mim.

Ela diz que me admira, que sou muito inteligente, etc etc

E eu ouço, mas não quer dizer nada.
Porque eu sei que não é verdade.
Mas também sei que é verdade.
E isso me dá uma sensação maior ainda de estranheza.
Porque eu sou boa.
Mas nunca vou ser boa o bastante.

Estamos no supermercado, corredor de condimentos, e eu sinto uma vontade repentina
de desaparecer.
Balanço a cabeça e ela vai embora.
Porque é um dia normal.
Um dia azul.

Sento no carro.
E quero ver você.
Você entenderia, mais ninguém.
Você entenderia, --
Mas aí lembro que não.
Você não entenderia. Você nunca entendeu.
E nunca vai.

Eu só preciso ir embora.
Pra bem longe.
Bem longe daqui.

Pego o carro,
e dirijo.
Dirijo.
Dirijo.
E choro, sem conseguir me conter.
Choro.

Ainda nem estamos na metade do mês,
e eu já posso senti-la sob a pele,
eu já posso ouvi-la nas minhas veias,
vê-la nos seus olhos.

Então eu deito,
durmo
e espero
que acabe logo.

Só acabe logo.

31x12 Camaleão

Imagem: TingTing Huang

"Eu não sei amar pela metade", diz minha amiga.

Ela canta minhas dores, as dores dela.
E eu sinto uma vontade curta, breve, de ser amada.
Mas é uma vontade muito pequena, quando comparada à falta que sinto de você.

Estranho.

Eu sou uma romântica.
Incurável.
Eu quero o drama. Quero o incerto, o inseguro, o impossível.
O acidental, a dor no peito.
Invadir espaços e descobrir segredos.

Eu não teria te amado tanto
se você fosse fácil.

Eu sou uma romântica.
Incurável.
Mesmo assim, ninguém nunca me acendeu velas.
Nem me comprou flores.

Sem atos grandiosos, não bateram na minha porta no meio da noite,
nem me beijaram na chuva.

Não me deram estrelas.

Reclamo, sem reclamar.
Eu sou uma romântica.
Incurável.
Já me levaram pra jantar.
E vieram me buscar pra ir ao cinema.
Já vieram, no meio da noite, ter longas conversas.
E até já me escreveram cartas, já voltaram por minha causa.

Eu sou uma romântica,
não sei amar pela metade.
Sinto ciúmes, e tristeza,
sou capaz de amar muito muito, tanto,
acender velas, comprar flores, beijar na chuva e bater na porta no meio da noite.
Eu escrevo cartas,
e histórias,
fujo no meio da noite.

Não sei amar pela metade.

Não me obrigue a amar pela metade.
Se for pra ser assim,
é melhor não ser.

31x11 Insight

Imagem: TingTing Huang


Acordei há umas semanas. Faminta. Bem. Curada. Nova. Feliz.
E comi.
Seria capaz de comer qualquer coisa.
Qualquer quantidade.
A qualquer hora.
Acordava no meio da noite, faminta.
E comia.
Comia.
Comia. Até pegar no sono, sem escovar os dentes.
E acordava com fome. E com nojo do gosto da minha boca.
Com nojo da minha boca.
Com medo de que meus dentes caíssem.
Aí escovava os dentes.
E comia.
Comia.
Comia.

Eu não sei quem eu quero ser.

Eu sinto um vazio, um vazio crescente, abrindo caminho por dentro de mim.
Um vazio que preenche. Que cresce,
enquanto eu observo, sem poder fazer nada.

Abri um buraco no dedo.
Bicho de pé.
Enfiei a agulha fundo, bem fundo e saí cortando o buraco até tirar de dentro aquele bichinho encolhido, minúsculo.
Cortei com alicate, joguei álcool em cima
e ficou um buraco.
Um buraco vazio, que nem eu.

Tem gatilho pra isso?
"Deixa a B. falar, quando ela explica dá pra entender"
Mas você já se perguntou como é que ela sabe disso?
- Todo ataque de pânico tem gatilho?
Talvez.
Só que, depois de um tempo, você nem sabe mais qual é.
No começo, é o azul.
Você pinta seu mundo de cinza, o mundo inteirinho.
Até que percebe que o cinza, tem um z. Z de azul.
E aquela cor já não serve mais.
Toda a tinta do mundo não vai ser suficiente.

Estava tudo bem.
- Está tudo bem - eu disse.
E eu não menti.
Eu não minto sobre isso. Não pra ele.
Era verdade quando eu disse.
Tem gente que diz que isso é como mentir pra mim mesma.
Não é.
É diferente, porque nem eu sei que é mentira.
Não consigo encontrar as palavras pra explicar esses dias
Você acorda
e está tudo bem.
Vai ficar tudo bem.
E seu coração sabe, sua cabeça sabe,
que é verdade.
A vida é boa, seus amigos são bons, as pessoas são ótimas.
As cores, os livros.
Você come.
Você come e isso só pode ser bom.
Você dorme 3 horas por noite.
E fica cansada. Ou não.
E seu coração está calmo.
Vai ficar tudo bem.
Não é mentira. Mas também não é real. E não tem ninguém pra te avisar.
É como subir em um palco, dizer todas as falas com toda a confiança, entrar no personagem, hipnotizar a plateia. E, quando as cortinas se fecham, você percebe que esteve nua durante toda a apresentação.

Eu fui perdendo a vontade de ouvir música.
Gosto de pensar que foi um sinal. Que eu poderia ter percebido.
Música me deixava impaciente.
Aí eu acordei.
E comi.
Comi.
Comi.
E o dia começou a escorrer.
A pesar.
Fui pra aula.
E percebi
Que não queria ter ido.
Que não queria ter dirigido.
Que não queria ter aberto as janelas.
Ou conversado.
Eu não queria ter tocado ninguém.
E nem queria participar de nada, ou saber segredo algum.
Eu não queria saber.
Fui embora, aliviada, tão aliviada pela conversa amena, sobre comida.
E comi.
Comi.
E comi.

Minha mãe mandou mensagem.
E eu percebi
que queria ir embora.
Que queria nunca mais voltar.
Deixar a casa exatamente assim, como quem saiu às pressas, com a roupa do corpo, sem carro, sem nada.
Calçando chinelos, sair andando por aí.
Até chegar a lugar nenhum, até derreter e desaparecer.

Eu não me importo com o que acontece amanhã, ou depois, ou setembro.
Eu só quero não ser eu.
Não é insuportável, não agora. Já foi.
Mas é doloroso. Incômodo. Dá uma agonia.
Eu tô com vontade de sair do meu corpo.
Ao mesmo tempo, tem alguma coisa querendo sair do meu corpo.
O vazio, talvez, inflando feito um balão, ocupando cada centímetro debaixo da minha pele.

Uma garota da minha turma disse que seria bom
se as pessoas pudessem simplesmente prever as coisas.
Por que?
Pra deixar um bilhete na cabeceira da cama dizendo pra mim mesma que vou acordar me sentindo uma merda?
Pra pedir pros amigos esconderem meu cartão de crédito?
Pra avisar pro meu namorado que eu vou querer pegar um guardanapo e esfregar um hambúrguer só pra tirar o molho dele?
Ou que, em certos dias, eu vou ignorar quem ele é e o que precisa e fingir que ele só serve pra sexo?
Ou eu devo ficar em casa pra não machucar ninguém?
Pra não puxar assunto com quem não conheço ou pra não ser horrível com quem conheço?

Eu quero acreditar.
Eu gosto da minha ingenuidade, da minha burrice.
Mesmo agora, eu sinto falta daquela sensação. Das vezes em que olhei no espelho e achei que estava bom.
Por pior que seja entender que nada daquilo era real,
eu não mudaria nada.
Estava tudo bem.
Eu ia ficar bem e chegar ilesa, no final.

Agora, eu nem sei se quero chegar lá.

Ella me diz que preciso dos remédios antigos, do Dr. T., de alguma classificação, um algoritmo padronizado. Mas eu não quero outro algoritmo. Não quero ninguém pra dizer quais das minhas características podem ser chamadas de critérios.
Eu não sou a porra de um caso que você lê num livro.
Eu não sou a porra de uma checklist.
E me dá muita raiva de quem tenta me reduzir a um grupo de palavras, de quem acha que a vida é muito simples, remédios coloridos e finais felizes.
VÁ.SE.FODER.

Eu tenho 23 anos.
Filha mais velha de 4 irmãos.
Eu curso medicina.
Gosto de ler.
Gosto de Brasília.
E de comer sorvete com batatas fritas.
Gosto de música indie e baladas levinhas pra ouvir e pensar.
Também gosto de música pop
E de dançar.
Mas, em alguns dias, eu acho que estou normal. E não estou. E vivo com uma sensação constante de não saber se sou quem acho que sou. De não saber se sou como acho que sou.

Eu costumava escrever histórias. Mas parei. Eu não sei se acredito mais no que elas significam.
Eu achava que elas iriam me proteger.
Que elas não iriam deixar que ninguém entrasse
e me magoasse.

Quero só terminar esse texto confuso.
Mas não sei como.
Então não termino.
É como essa coisa dentro de mim,
termina,

mas nunca acaba de verdade.

31x10 Canções de Apartamento

Imagem: TingTing Huang

Tenho que estudar, mas as vozes escondidas nos cantos não me deixam.

Tenho prova, tenho tantas preocupações esdrúxulas. Tenho que me preocupar com meus dentes, pentear os cabelos, cortar essas unhas, tirar a maquiagem. Tenho que me preocupar com amor. E com meus bigodes.

Tá difícil.

Consigo ouvir a tua voz da porta do quarto, quase vejo a sombra dos teus pés por baixo da porta. Consigo te ouvir dizer "Você não vai comer?". Consigo sentir o cheiro que você trouxe lá de fora, de um mundo para o qual eu achei que nunca mais fosse sair. Consigo ouvir o ruído dos seus cabelos no travesseiro, sentir o cheiro de frio na sua pele. O cheiro de frio, Otto. O cheiro daquele frio cinzento que você trazia da rua. Cheiro de frio.

Tento me concentrar em transtornos alimentares, mas consigo ouvir a voz de Berenice a escorrer. Cícero canta alto nos ouvidos a música que é nossa, só nossa.
Corri no quarto, peguei logo as três caixas que me escorrem hoje:
A tua, a dele, aquela outra.

Você nunca vai ter outro cheiro que não seja de papel. Cheiro áspero, de conforto, de carinho, de dor.
Eu preciso que você esteja segura. Feliz. Com ou sem minhas histórias terríveis, minhas manias, minhas tristezas. Se eu pudesse, me apaixonaria por você. Perdidamente, loucamente. Da maneira mais bela e pura que eu conseguisse. Eu preciso que você esteja bem. Eu sempre vou voltar pra te buscar. Onde quer que eu esteja. Onde quer que você esteja. Sempre. Eu sinto muito por ter te deixado naquela época, mas não vai mais acontecer. Eu disse que sempre voltaria. Eu vou.
(Eu quebrei a gente. Eu tô sempre quebrando as coisas e não sei como consertar. Mas eu não vou desistir, não da gente, dessa mentira gigantesca e complexa. Mesmo que não tenha conserto, eu vou voltar pra te buscar)

Caixa azul, bate aquela calma, aquela curiosidade. Já faz quase um ano.
Passou tão rápido, tão rápido que já parece que foi outra pessoa aquela. E talvez tenha sido.
Cícero fala sobre alguma coisa deixada pela casa, e é exatamente isso.
É sobre isso que tô escrevendo hoje, sobre essas coisas que deixaram por aqui, que deixaram em mim, e que eu não quero que voltem pra buscar.
Caixa do lado, e eu ainda não abri, acho que tô adiando, de medo ou sei lá de quê.

Abri.

E li. E revi tudo. E fechei a caixa.
E deu saudade, mas ó, não doeu.
Acho que era hora, 23:21 de um dia de semana, de tirar o peso das costas e seguir em frente.

Não é adeus.
É mais como um:
Saia de cima das minhas costas e venha andar aqui, do meu lado.

(: E isso é bom.
Muito bom.

Early Cuts: Samson

Imagem: TingTing Huang

Meu cabelo caiu no chão, molhado, morto, e eu soube: não seria a mesma.

De onde venho, cabelo é coisa séria. Carrega tristeza, esconde segredos, atrai olhares, tem cor de sol, causa discórdia, é a gota d'água.

Cortar o cabelo é afirmar pra fora que você vai mudar por dentro.

Eu amava o teu cabelo,
mas te amava mais,
foi por isso que o cortei.

Eu precisava te salvar de si mesmo.

Quando chegava a noite, nós dois deitados, sua sobrancelha sangrando, eu passava a mão pelo seu couro cabeludo nu e te desejava todo o amor que alguém bom o bastante pudesse dar.
Às vezes, eu ainda sonho com a textura dos seus cabelos.

Cortei meu cabelo.
(Purga, REDRUM)
Está horrível. Repelente.

Mas é a purga.
Corto e a tristeza sai, cai no chão, úmida, morta.

Terminou, me achei horrível, nua, velha, assustada:

Limpa.

31x09 So English

Imagem: TingTing Huang

- Eu te amo.

O som não sai. Eu sei que tô dizendo isso, mas não sai. Não sai.

Eu tô aqui sentada, no escuro, e a sensação da sua mão na minha queima, queima.

Prendo meus cabelos no topo da cabeça com uma fita, escrevo.

Melanie Martinez diz, em "Sippy Cup", que nem toda a maquiagem do mundo me faria sentir menos insegura.
Isso é verdade.
Quanto mais insegura eu fico, melhor tento parecer. Mas não vai embora.
"Um dia de cada vez", eu digo. Um dia é bom, e eu sou linda, não importa o quê, não importa quem. Mas o outro é terrível. Um poço escuro e frio onde eu me escondo. E tudo bem também.

Eu gosto de ler. Na ordem. E me surpreendo. Vivo me surpreendendo com livros aleatórios, com a riqueza deles, com as sensações boas que me trazem. Distração. Alívio.

Eu nunca o odiaria.
O professor falou, na frente da turma que, pra saber quão ruim é um ataque de pânico, só passando por um.
É. Ele tem razão.
Nos disseram pra não pedir que o paciente ficasse calmo, não dizer aquelas coisas clichês.
Mas você disse.
E você me trouxe de volta.
Fez com que eu me sentisse segura.
E isso é tão raro, tão raro, que você nem pode imaginar.

Eu sou triste. Eu não estou, eu não vou melhorar disso. Eu sou triste.
O problema é quando isso traz sofrimento, dizem os livros.
Eu sou triste.
Eu nasci triste, sisuda.
E morrerei assim.
Eu sou capaz de ser feliz. Mas sem deixar de ser triste.
E quando eu tento deixar de ser triste, me sinto horrível. Insegura, zangada. Porque não é quem eu sou.
Eu sou triste.
Eu posso te fazer sorrir.
Mas eu sou triste. E não há nada de errado com isso, no momento.

Eu sinto medo.
De que as coisas não dêem certo.
Eu tenho medo de falhar.
Isso não sou eu.
Eu tenho.
E posso não ter. Espero não ter, em algum momento.
Mas não vai acontecer quando você quiser.
Não vai acontecer porque você disse que é bobo.
Vai acontecer quando eu me tratar, quando eu começar a entender, a me desafiar.
Mas não vai acontecer porque você quer.
E sim, vai nos afetar. Vai afetar tudo o que eu faço.

Eu me sinto incapaz de amar.
Acredito, de maneira doentia, que qualquer sentimento semelhante ao amor, é só uma dependência patológica de olhar alguém com lente de aumento. De me procurar em outras pessoas. De procurar respostas.
Meu médico me disse que isso é porque tenho medo de falhar.
Então não acredito ser capaz de amar porque tenho medo de entrar num relacionamento e destruí-lo.
Usei a gente como exemplo, e disse que não sei em que acreditar.
Empatamos.

Dor e sangue.
São as provas de que estamos vivos.
Eu estava com um soro no braço, gosto horrível na boca, de vômito, de sono, a cabeça explodindo.
E eu me lembro de sentir uma angústia enorme, uma incerteza gigantesca. Eu não sabia se estava viva.
Aí ele entrou na sala, mais perdido do que eu.
- Eu tô viva? - perguntei.
E ele olhou nos meus olhos, com tanta pena, tão confuso, tão frustrado, tão perdido.
- Tá.
- Prove.
(Ele não foi capaz. Desde então, eu sempre estive na dúvida. )

Eu gosto de você. Muito.
Mas não me peça pra ser como todo mundo.
Eu não vou ficar.
Eu não vou levar a vida menos a sério.
Eu não vou deixar de ser triste.
Eu não vou ficar mais segura porque você me fez um discurso motivacional.
Mas não deixe de fazê-lo.
Eu não vou comer isso porque você disse que é bom.
Mas não deixe de dizer.
Eu não vou ser como você acha que é o certo.
Ninguém vai.
Eu não vou ser o melhor que eu puder ser porque você sabe que posso ser.
Eu posso ser qualquer coisa.
Mas a minha cabeça me limita e ela é muito mais complexa do que você sequer poderia imaginar.
Assim como a sua é.

Eu não vou me transformar pela força do amor verdadeiro.
Você não pode curar quem eu sou.
Cuidado.
Eu gosto de quem eu sou. E você pode me mostrar quem eu posso ser.
Mas eu preciso saber quem eu quero ser.
Eu vou escolher, mesmo que não goste.

As pessoas mudam. Eu mudei.
Muito, muito rápido.
É bizarro,
tão bizarro que chego a me perguntar se ainda sou a mesma.
Eu mudei em tantos sentidos.
E, mesmo assim, sou a mesma.

Mas quero mudar mais ainda, muito mais.
Eu quero ser mil pessoas, eu quero ser quem eu sou.
Eu não quero não ser triste.
Eu quero aprender a conviver coma tristeza. Eu quero usá-la do jeito certo.
Eu quero nãos sentir mais tanto medo.
Mas não vai acontecer porque eu quero. Ou porque você quer.
Vai acontecer quando acontecer.
Enquanto isso, eu sigo.
Um dia de cada vez.
De vez em quando, paro na frente do espelho e arrisco
- Eu te amo.
Mas não sai, a voz não sai.

E tudo bem.
Mais dia, menos dia,
eu fico pronta,
digo alto demais, rápido demais, pra pessoa errada, do jeito errado:

do meu jeito.

(Fuckin' perfect :))

Early Cuts: Ato Falho

Imagem: TingTing Huang

Chamei-o pelo seu nome.
Baixo, me assustei, ele não ouviu.
Mas não foi a primeira vez.

Quando me perguntam o nome dele, seu nome me vem à boca.
Bizarro.

Sonhei com você, foi estranho.
Acordei e te pus pra fora da cabeça.
Não quero você. É só um sonho.

Andei carente da tua companhia, assim meio órfã desse teu jeito de me fazer sentir patética.
Você vem e me faz dar risada, vai embora e tudo bem: não ligo.
Chamo, sem chamar, e você vem: sou muito grata por isso.
Tudo acaba esquisito, mas já me acostumei, tento não remoer, não remexer tanto.

Não me sinto mais como antes.
As pessoas me perguntam se "temos alguma 'coisa'". Digo que não, de forma casual. Não, não temos.
E me pergunto por que é que pensam isso, se eu não penso.
Aí me perguntam se eu ficaria com você e eu digo que sim, claro, óbvio, rio.

Mas não.

Não, é claro que não, penso.
E justifico, com milhões de razões, das quais me esqueço, logo depois de inventá-las.

Eu não quero. Eu não sinto nada disso por você, nem um pouco dessa bagunça é sua, e você não tem a obrigação de ficar pra limpar.

Mas também teve o sonho, que significava que nego estar atraída por você, embora esteja.
E daí?
Talvez eu esteja.
Mas não ligo, não preciso pensar sobre isso.

Por que é que a gente tem essa mania de analisar tudo? De saber tudo, de entender tudo, de estar certo sobre tudo?

É um cara, eu sou uma garota, ele faz meu tipo às vezes. mas eu não tenho necessariamente que atacá-lo. E não, eu não "perdi minha chance" porque eu nunca vi isso dessa maneira.

Então é, pode me tocar sem medo, me lançar todos os sinais que eu normalmente interpretaria como verdes, pode aparecer no meio da noite, pode desaparecer na penumbra como se nem tivesse existido, me falar em enigmas, ignorar minha existência. E eu vou chamar rapazes pelo seu nome, vou pensar em você nos momentos mais inoportunos e falar seu nome a cada 20 palavras que eu disser.

Não se assuste, ok?
Eu amo* você,
mas é só isso: uma questão de semântica.

31x08 The leaves of possibilities

Imagem: TingTing Huang

Éramos três em um carro, noite escura, luz artificial piscando na estrada, eu enjoada de suco de uva (de novo), Elspeth e Adam.

Eles me dizem que você superou, seguiu em frente.
E eu não tô surpresa, não tô sem ar.
Eu tô assustada, um pouco incerta.
Eu tô com medo do futuro.
Tô com medo de sentir dor, e espero que ela venha, intensa, rasgando meus braços e arrancando meus cabelos.

Mas bate só aquela saudade, aquela incerteza.
Aquela saudade, aquele ciúme, aqueles pensamentos obsessivos de gente que terminou namoro, nada de anormal. Adquiro essa mania de pegar uma lembrança aleatória e me perguntar se você vai fazer a mesma coisa, de novo e de novo.
E me respondo: Sim e não.
Eu fiz certas coisas, as mesmas. Mas também deixei de fazer coisas, eram nossas. E eu gosto que seja assim. De criar coisas novas, com pessoas novas.

Saio do carro, te encontro na estrada, te deixo pra trás. Aliás, você me deixa. Você vive me deixando pra trás, e isso já nem dói. Ou dói e eu já me habituei.

Sinto saudade de Otto.
Sento no chão, abro meus diários. E eu sei. Fecho os olhos e espero que ele esteja bem. Quentinho, chocolate pra comer, uma garota qualquer pra fazer cafuné.
Amor que eu não consegui dar, que eu não tive coragem pra dar.
Sinto saudade da cor da pele dele, dos dedos,
sentados na escada da festa de alguém, ele de moletom preto, eu de jeans e camisa xadrez, nós dos dedos frios, geladíssimos, e eu quis tanto. E eu o quis tanto.

Prendo os cabelos, saio dirigindo por aí,
e percebo que sempre acaba em Holden.
Tem sempre um empecilho, tem sempre eu, tem sempre a busca incessante de alguém pra gostar, tem sempre um sinal confuso, e a gente sentado, no fim do dia, você tem aquele cheiro de gente e nada, de outro muito.
E eu poderia gostar de você, eu poderia amar você, eu poderia ter devaneios insanos nos quais você simplesmente não consegue mais viver sem mim, e a gente se beija e aí -- e aí nada, porque a história acaba aí, a gente não tem futuro, eu podia sair correndo e bater na sua porta, te roubar um beijo, te deixar confuso, te fazer me empurrar, me rejeitar ou me amar. Mas a gente não tem futuro, a gente nunca teve. Ainda bem, porque eu amo você. E não estragaria isso só pra descobrir se a gente poderia dar certo.

Você me manda mensagem, Dragon Maker, senhor dos dragões, e eu sinto falta da sua pele. E eu me deixaria dormir no seu ombro, eu ficaria até o amanhecer, coisa que eu não faria com mais ninguém, no momento. Gosto do seu cheiro, da sua cor, da sua mão.
Mas eu não gosto de nós dois, eu não gosto desse apego, não gosto da insegurança. Eu não gosto.

Cara novo, manda mensagem, e antes de pensar já digitei minha desculpa da vez.
Eu não quero mais, simples assim.

King. Bom rapaz, beija bem. Dou de ombros. Deixa vir. Se for, então vai ser.

E tem ele. Sem nome, só um cara com quem nunca terei nada, bom de olhar, bom de abraçar, bom de ver abrir aquele sorrisão quando me vê, um desses caras criados pra paixões unilaterais. Bom pra te fazer levantar da cama e pentear o cabelo.

E tem você. Quem quer que você seja, um desses ou alguém completamente diferente, inédito. Sentado em algum bar, bebendo em uma festa, estudando pra alguma prova, enquanto eu te espero, sem te esperar. Tomo decisões, as mais estranhas, e fico me perguntando se são elas que vão me levar até onde você vai estar.

Desço do carro. Olho pra rua, pra lua, o vento frio acariciando o rosto de leve.
Possibilidades.
Tantas, tantas.
E eu escolhi ficar sozinha.
Eu escolhi me conhecer melhor, me entender. É, saber se ainda gosto dele (Aquele-que-não-foi-propriamente-nomeado), saber se gosto desse cara novo que me faz querer usar cremes cheirosos no cabelo pro caso de ele me abraçar (:, se quero sair com o King, dormir com o Dragon Maker, se vou viver de migalhas de Holden. Eu decido.
Eu decido que não preciso de ninguém agora, nesse exato momento.
Que eu gosto, de verdade, desse hiato.
Das surpresas, de quem quer que você seja.

Eu não sei quem você é, ou quando vai chegar.
Mas não se apresse.
Eu quero que você me encontre na minha melhor forma.
Eu quero te amar também.

Olho pro céu lindo da cidade mais linda, e sussurro baixinho, só pros seus ouvidos, onde quer que você esteja, quem quer que você seja
- Boa noite (:
Até logo.

E subo as escadas sem medo,
vai ficar tudo bem.

É só Maio, eu chegarei ilesa ao final -
De novo.

31x07 Mysterious man

Imagem: TingTing Huang

- Eu quero vê-lo. - peço a elas.

Eu me sinto despreparada, triste, gosto ruim na boca. O coração dói no peito.
Eu preciso ficar bem.
Eu preciso ficar forte.
Por mim, por ele.

- Mas eu preciso vê-lo.

A Mãe me abraça, enfio o nariz entre os cabelos dela, curtos, brancos, escuros, e inalo o cheiro de milhões de anos, milhões de vidas, cheiro de tecido, de escuridão, o meu cheiro, o cheiro de tudo o que já amei, de tudo o que já perdi.

Morta, sentada no fundo, um vulto, o ruído das tesouras, ágil, incansável:
- Não é uma boa ideia.

- Por favor.

Tô aflita, tô assustada, cansada. Sinto medo de nunca sair disso.

- Eu preciso vê-lo. Por favor, me deixe vê-lo.

A mãe toca meu peito, e eu sinto meu coração pular de encontro à mão dela, gritar e doer, assustado em sua gaiola. Vejo pena no seu rosto de órbitas vazias, e ela me estende a mão.
Me leva à grande galeria, tapeçarias de todos os tamanhos, pequeninas, retalhos, gigantescas, enroladas, dobradas, reconheço alguns rostos ou acho que reconheço, enquanto passamos por um corredor que vai ficando cada vez mais escuro e eu seguro a mão dela com força, sinto medo de me perder.
Ela para.
- Chegamos. É ele.
Eu olho. E não consigo ver nada. Está tão escuro, eu não consigo ver nada.
- Você pode descrevê-lo pra mim, Mãe? Por favor?

E ela fala, alto e claro, tudo o que eu preciso saber.

- Ele é inteligente, paciente, prático, flexível. Ele cresce, progride.
Planeja, reflete, busca a perfeição, e guarda segredos. Expressa seus sentimentos de maneira instável, hipócrita.
Ele é livre, aberto. Age com doçura, sinceridade. Tem boas intenções.
Você vai fazê-lo feliz. Eu posso sentir o desejo, vontade, afeto. Mas eu também vejo precipitação, egoísmo, vejo dívidas contraídas sem razão.

- Como vou encontrá-lo? Como vou saber que é ele?

- Eu vejo desacordo, separação e insatisfação. Vejo promessas sendo feitas.
- O que isso quer dizer?? O que eu devo fazer?

Ela pousa uma mão enrugada e pequenina no meu rosto, e me diz baixinho a única resposta que eu não quero ouvir:
- Espere. Deixe o destino fluir. Aceite o que vier, não impeça nada. Ele virá até você.

Espere, espere, espere.
Always and forever, I guess.

Early Cuts: When B. was here

Imagem: TingTing Huang

(Quero escrever um pra você, homem)

Brasília, Outubro de 2015.

"Sempre quis mandar um spotted. Torci por vários casais, espero que muitos de vocês tenham se encontrado, que tenha dado tudo certo. 
Já quis mandar spotted pra muita gente, por amor ou por desamor. Mas esse spotted é pra mim. 
Não só pra mim, também escrevo pra você que, como eu, está sempre procurando o próprio nome, o próprio rosto, em uma dessas publicações. 
Quero dizer que tudo bem, relaxe. Por muito tempo, eu esperei que alguém me visse por trás da bad attitude, me levasse pra casa, cuidasse de mim. Esperei assim, à espreita, ansiosa pra saber quem iria ser capaz de compreender - sem tentar conter – toda essa fúria e tempestade 
Aconteceu. Eu conheci alguém capaz de coisas grandiosas, que me viu no meio dessa multidão dos intervalos e acenou de longe, em pleno festival de música, e depois em um dos auditórios, no píer. Aí acabou, mas foi muito bom. Mas eu não vim aqui pra contar essa história. 
Vim dizer que aconteceu porque eu estava pronta. Pra ver e ser vista. 
Esse spotted que você espera, esse olhar no meio da multidão, eu espero que chegue. Mas existem muitas outras formas de conseguir isso, infinitas formas. 
E eu quero que você fique atento (a). 
Abra os olhos, os ouvidos. Esteja pronto. Seja o melhor que puder ser. Não espere, prepare-se. Ele virá. 
Talvez não seja aquela garota que fica sentada no píer, perto da sua mesa, - talvez ela ache “O poderoso chefão”, seu filme favorito, altamente superestimado. Se você só ouvisse um pouco, perceberia que a garota que senta atrás de você na aula de genética acabou de dizer “Leave the gun, take the cannoli”, só pra que você ouvisse. 
É um exemplo meio bobo, mas, acredite em mim: tem muita gente por aí procurando por amor. Em todos os lugares, aguardando. Por amores de filmes, livros e seriados, daqueles avassaladores, que arrancam pedaços. Por amores de música, daqueles calmos, de dias tranquilos. Amores Taylor Swift, amores Banda do mar. Tem gente de todo jeito por aí.

Prepare-se.
Abra os olhos. Ouça atentamente. Eu te desejo toda a sorte do mundo."

31x06 12 steps

Imagem: TingTing Huang

Maio.

Eu gosto de você?
- Não.
Mas e essa necessidade de ajudar, de fazer parte? E essa raiva, esses tremores de raiva durante as discussões?

- Então sim.
Mas
Eu não sei se me importo.

- Eu não sei.

David, bom e velho amigo, sacode minha cabeça,
bagunça meus armários, acha meus corações de papel, me joga na cara toda a dor que

A dor que nos causamos.
Autodestrutivos.
Explosivos.
Não era pra ser.

Estamos deitados, falando baixinho, e ele me pergunta se
- Você voltaria a ficar com ele?
(Coração de papel de número 13: "Elspeth me perguntou se existe alguma chance de voltarmos. Por favor, não me queira de volta")
E eu sei que ele sabe a resposta.
E eu sei a resposta.
Mas isso quer dizer que ela é verdade?

Se eu não gosto mesmo de você, como penso,
o que há com a visão de carros como o seu, que faz meu coração descompassar por um segundo?
E do que é que estou correndo, quando respondo aos convites com "Não posso, tenho mesmo que estudar", e fico em casa ouvindo músicas e assistindo seriados?
Por que é que me agonia tanto acordar com alguém do lado? Por que é que sempre arrumo um compromisso logo cedo, e tenho que sair correndo feito louca, prometendo próximos encontros, e desapareço como se nunca houvesse existido?
Por que é que fiz com que o único cara de quem eu poderia gostar me achasse uma vagabunda que não se importa com nada nem ninguém?
E por que eu tenho que arquivar as conversas que tenho com você?
Por que tomo tanto cuidado pra não ficar próxima, por que me assusta tanto ter uma recaída, por que me sobressalto com as músicas, deixo de ir a eventos?

Ulrika diria, se falasse comigo,
- Você está se sabotando.
Ulrika teria as respostas
mas eu não as tenho.

Eu não gosto de você.
Eu acho. Eu sei.
Eu não gosto deles.
E eu sei disso. Não é real.

Ele manda áudios,
tarde da noite,
e me pergunta mil coisas, me analisa, vira pelo avesso,
quer saber como me sinto sobre você.
Só que eu não sei.

- Você tem que ser honesta. E eu sei que você não está sendo. Eu quero saber quem fez as escolhas, e eu quero saber porque aconteceu. E não, eu não quero a resposta mais curta, não quero a mais palatável, não quero a resposta que corta a conversa. Eu quero a história toda, eu quero 500 dias com ela, quero saber exatamente o porquê disso ter acontecido. Eu sei que você não quer pensar nisso, não pensou nisso, não contou pra ninguém. E pode nunca contar, mas nunca vai passar. Ou você pode parar de fugir. E me ligar de volta.

Não digo nada, ele escreve:
- Você já se perguntou se ele gosta de você?
- Ele não gosta.
- Não foi isso o que eu perguntei.

Eu vou pensar sobre isso.
Mas não hoje.
Não essa semana.
Não esse mês, maio.
Eu vou responder.
Vou refletir.

Mas não hoje.
Deixe os pontos de interrogação pairarem no ar, deixe que os carros me sobressaltem.

De qualquer forma,
já me habituei.

E, talvez,
eu prefira não saber.

31x05 The truth about that

Imagem: TingTing Huang

Era uma vez
uma menina muito, muito triste.
Ela estava sempre triste, o tempo inteiro.

Era uma vez,
uma menina que se achava horrível
e que chegava em casa, depois das festas e chorava sozinha por não ser bonita.
Que saia das aulas com a sensação de não conseguir entender nada do que os professores diziam.
Tirava notas boas, mas nem tão boas assim e, portanto, devia ser muito burra.
Pedia desculpas até por existir.
Pedia desculpas por não ser uma boa namorada, porque certamente existiam namoradas melhores. E mais bonitas, e mais inteligentes e cultas. E amigas melhores. E irmãs melhores. E filhas melhores.
E seres humanos bons.

Era uma vez uma menina. Que faltou uma aula.
E viu que isso era bom.
Que era bom ficar sozinha em casa, que era melhor do que ver as pessoas, tão assustadoras, tão terríveis e metidas.
Era uma vez uma menina que começou a sentir que não se encaixava mais. Que seus amigos falavam uma língua que não era a sua.
E que sua melhor amiga não sabia nada sobre ela.
Era uma vez uma menina que acordou com o despertador de manhã e soube que não iria mais sair de casa.
Era uma vez uma menina que fechou todas as portas, deixou de falar com todo mundo e se voltou pra uma pessoa só, pendurou-se no pescoço dela e não soltou mais.

Era uma vez uma menina que passou, da noite pro dia, a detestar sua melhor amiga.
Ela não conseguia entender o que estava acontecendo. Mas era maior e mais forte que ela. Ela entendia que era terrível e ridículo e possivelmente passageiro, então achou por bem se afastar cada vez mais, antes de tornar a situação irreversível.
E ela se sentia tão culpada por isso que nem sequer conseguia falar com ela.

Era uma vez uma menina que parou de comer.
E nem percebeu.
Até perder 6 quilos. E ouvir todo mundo dizendo que ela estava magra demais.
Aí ela comeu. ~
E a comida não tinha gosto.

Era uma vez uma menina que parou de dormir.
Ela fechava os olhos
E o sono não vinha.
Então ela ficava acordada a noite toda, pensando e pensando e pensando e pensando
E dormia quando a manhã chegava, exausta.

Era uma vez uma menina que amava escrever. E ler. Falar com os amigos.
Até não amar mais nada.
Os livros por ler se empilharam nas estantes, e os cadernos ficaram intocados.
E ela ficava o tempo todo deitada no sofá, na frente do computador, olhando a tela sem prestar atenção, pensando, pensando, pensando

Era uma vez uma garota que começou a dormir a tarde inteira.
Matava aulas e dormia.
Ia pra casa e dormia, dormia, dormia.
E não sonhava,
Só dormia.
E, às vezes, desejava secretamente nunca mais acordar.

Era uma vez uma garota que acreditava que ia morrer.
Ela somou os pontos, - que pontos eram esses, só ela saberia explicar - e percebeu que estava muito doente. Seu corpo apodrecia dia após dia.
E ela não se incomodou com isso.
Todos os dias, antes de se deitar, ela fechava os olhos e jurava que podia quase sentir
algo dentro dela, alimentando-se de sua energia vital, destruindo-a de dentro pra fora.
Depois, sentia-se culpada, muito culpada
porque o pensamento não a assustava. Muito pelo contrário, ele a inundava de
alívio.

Era uma vez uma menina que tinha certeza absoluta
de que não era mais a mesma.
Tinha alguém dentro dela.
Tinha alguém fora dela.
Olhava-se no espelho e não reconhecia o próprio corpo.
Ao acordar, não sabia ao certo quem era.
E tinha certeza de que todos aqueles sentimentos, aquela raiva, aquela mágoa, aquela tristeza
eram parte de outra pessoa.

Era uma vez uma menina
que começou a perder os limites de si mesma.
Sentia-se derreter, sentia-se liquefazer
e não conseguia evitar.
E ela tentou
Mas não sabia o que fazer.
Ela não podia melhorar.
A gente não melhora assim, por vontade própria.

Era uma vez uma menina que sabia que tinha algo de errado.
Ela sabia.
Ela sabia quando estacionava o carro na porta de casa e chorava lá dentro durante horas antes de entrar,
Ela sabia, quando gritava com ele, mas não queria gritar, sabia depois que brigavam, quando não conseguia entender o que tinha acontecido.
Ela sabia, cada vez que subia em uma balança,
sabia, cada vez que acordava e desejava não ter acordado,
sabia, cada vez que saia das aulas mais cedo pra não ter que falar com as pessoas,
sabia, cada vez que era rude com alguém com quem se importava,
sabia, cada vez que sentia que ele estava se afastando, se sentindo sufocado.
Ela sabia.
Mas não sabia o que fazer.

(Eu só queria que as pessoas parassem de reduzir tudo a teorias,
remédios,
força de vontade,
ser bom ou mau,
doente ou são
parassem de olhar pra um episódio da vida e achar que é ele quem me define.
Eu só queria que lessem o livro inteiro.

Porque eu sempre soube que estava tudo errado.
Eu soube no momento em que comecei a derreter, a me desconectar.
E não foi a primeira vez,
não vai ser a última.

Mas eu não quero viver com medo da próxima.
De que ela seja pior, muito pior, como a primeira foi.)

Era uma vez
uma menina
um dia, ela soube
ela descobriu o que era
e ficou muito, muito triste

porque não era câncer.