31x13 O lado azul do sofá

Imagem: TingTing Huang

Maio.

"Vai ficar tudo bem".
Chego em casa às 04:00, é primeiro de maio.
E eu vou sobreviver.
31 dias.
Não pode ser tão ruim.

Então saio de casa.
Pro mesmo lugar onde estivemos 1 ano atrás.
Onde brigamos 1 ano atrás.
E eu percebo que sempre soube,
que acabaria assim.

Sacudo a cabeça e os pensamentos desaparecem, ou se escondem.
Mas não sacudo maio, e ele se infiltra sob minhas unhas, escuro e viscoso.

Decido me concentrar no trabalho.
Estudo, leio, estudo, leio, escrevo, estudo, leio, escrevo, estudo, leio, escrevo, estudo, leio, escrevo.
Termino.
Indo pra casa, meus melhores amigos me dão a notícia de que um de nós seguiu em frente.
Em tempo:
não fui eu.

Um dia de cada vez, eu esqueço o fato de que há um ano, um ano só, eu era outra pessoa.
Em outra vida.
E te olho com os olhos de alguém que nunca te conheceu.
Faz bem.
Ou, pelo menos, não faz tão mal.

Ela se senta e diz
que minhas notas de agora vão decidir meu futuro.
Porque decidiram o dela.
E eu digo a mim mesma que uma porra de uma nota não vai dizer quem eu sou.
Mas tô mentindo.

Esqueço de comer, deixo tudo de lado, não assisto seriados ou leio livros, ou penso em amor.
Eu estudo.
E estudo.
E estudo.
E estudo.
Como se fosse a única coisa que eu tenho, como se fosse a única maneira de provar que sou realmente boa em alguma coisa,
e não uma grande fraude.
Novidade: não é o bastante.

Saio da prova me sentindo lixo,
cega e surda,
suja.
E eu tento lutar com as vozes,
tento lutar contra o aperto na garganta.

Mas eu consigo sentir,
eu consigo quase perceber a sensação rondando,
observando,
esperando,
pra me levar de vez.
Então eu não seguro o choro, nem a dor de me sentir inútil.

Encho a boca de sorvete, pela trecentésima vez esse mês,
e deixo vir.
Fico atenta, escutando meus próprios pensamentos,
esperando,
esperando,
que eles digam tudo de ruim que pode ser dito sobre mim.

Ela diz que me admira, que sou muito inteligente, etc etc

E eu ouço, mas não quer dizer nada.
Porque eu sei que não é verdade.
Mas também sei que é verdade.
E isso me dá uma sensação maior ainda de estranheza.
Porque eu sou boa.
Mas nunca vou ser boa o bastante.

Estamos no supermercado, corredor de condimentos, e eu sinto uma vontade repentina
de desaparecer.
Balanço a cabeça e ela vai embora.
Porque é um dia normal.
Um dia azul.

Sento no carro.
E quero ver você.
Você entenderia, mais ninguém.
Você entenderia, --
Mas aí lembro que não.
Você não entenderia. Você nunca entendeu.
E nunca vai.

Eu só preciso ir embora.
Pra bem longe.
Bem longe daqui.

Pego o carro,
e dirijo.
Dirijo.
Dirijo.
E choro, sem conseguir me conter.
Choro.

Ainda nem estamos na metade do mês,
e eu já posso senti-la sob a pele,
eu já posso ouvi-la nas minhas veias,
vê-la nos seus olhos.

Então eu deito,
durmo
e espero
que acabe logo.

Só acabe logo.

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