Imagem: TingTing Huang
Tenho que estudar, mas as vozes escondidas nos cantos não me deixam.
Tenho prova, tenho tantas preocupações esdrúxulas. Tenho que me preocupar com meus dentes, pentear os cabelos, cortar essas unhas, tirar a maquiagem. Tenho que me preocupar com amor. E com meus bigodes.
Tá difícil.
Consigo ouvir a tua voz da porta do quarto, quase vejo a sombra dos teus pés por baixo da porta. Consigo te ouvir dizer "Você não vai comer?". Consigo sentir o cheiro que você trouxe lá de fora, de um mundo para o qual eu achei que nunca mais fosse sair. Consigo ouvir o ruído dos seus cabelos no travesseiro, sentir o cheiro de frio na sua pele. O cheiro de frio, Otto. O cheiro daquele frio cinzento que você trazia da rua. Cheiro de frio.
Tento me concentrar em transtornos alimentares, mas consigo ouvir a voz de Berenice a escorrer. Cícero canta alto nos ouvidos a música que é nossa, só nossa.
Corri no quarto, peguei logo as três caixas que me escorrem hoje:
A tua, a dele, aquela outra.
Você nunca vai ter outro cheiro que não seja de papel. Cheiro áspero, de conforto, de carinho, de dor.
Eu preciso que você esteja segura. Feliz. Com ou sem minhas histórias terríveis, minhas manias, minhas tristezas. Se eu pudesse, me apaixonaria por você. Perdidamente, loucamente. Da maneira mais bela e pura que eu conseguisse. Eu preciso que você esteja bem. Eu sempre vou voltar pra te buscar. Onde quer que eu esteja. Onde quer que você esteja. Sempre. Eu sinto muito por ter te deixado naquela época, mas não vai mais acontecer. Eu disse que sempre voltaria. Eu vou.
(Eu quebrei a gente. Eu tô sempre quebrando as coisas e não sei como consertar. Mas eu não vou desistir, não da gente, dessa mentira gigantesca e complexa. Mesmo que não tenha conserto, eu vou voltar pra te buscar)
Caixa azul, bate aquela calma, aquela curiosidade. Já faz quase um ano.
Passou tão rápido, tão rápido que já parece que foi outra pessoa aquela. E talvez tenha sido.
Cícero fala sobre alguma coisa deixada pela casa, e é exatamente isso.
É sobre isso que tô escrevendo hoje, sobre essas coisas que deixaram por aqui, que deixaram em mim, e que eu não quero que voltem pra buscar.
Caixa do lado, e eu ainda não abri, acho que tô adiando, de medo ou sei lá de quê.
Abri.
E li. E revi tudo. E fechei a caixa.
E deu saudade, mas ó, não doeu.
Acho que era hora, 23:21 de um dia de semana, de tirar o peso das costas e seguir em frente.
Não é adeus.
É mais como um:
Saia de cima das minhas costas e venha andar aqui, do meu lado.
(: E isso é bom.
Muito bom.
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