11x22 Sapatilhas, coriza, perfume: Eleanor

 Imagem do mangá 7th period is a secret de Chiba Kozue

Nem um pingo de autoconfiança.
Eu costumava me refugiar na minha dor no tornozelo, andava sempre com a vista embaçada de analgésicos - corta-dores - até a tampa.
Quando tirei as polainas pretas de vez - imunidade baixa? como um bebê - e a perna parou de doer, eu não tive mais onde me esconder.Nem pra onde ir.
Me sinto pequena e sozinha, perdida no meio do jeans e dos meus cabelos.
Tenho medo das garotas nas ruas, de suas sapatilhas e autoconfiança, fico de cabeça baixa, olhando minhas unhas lixadas.
Tenho medo de superfícies espelhadas - vidros de carros e olhos - e de cabelos encaracolados.
Pela manhã, encolhida num canto do ônibus, fico sonhando, ansiando por ser invisível, cercada por brumas. Queria que não tomassem conhecimento de mim, que me esquecessem assim que me viram assim que desviassem o olhar, que a minha voz fosse um sussurro longínquo e meus pés não tocassem o chão.
Eu queria poder dormir por mais tempo, de modo a não impor minha presença ao mundo. Queria ficar quieta: comer e voltar pro meu esconderijo, mais nada.
Mas não me deixam (isso é bom?). Me arrancam da cama, me despem, molham, alimentam, dão remédios, penteiam, vestem devidamente.
E Gideon: - Levante o queixo ou eles vão pensar que são melhores que você.
Toco sua mão na minha cintura e finjo se quem ele deseja.
Mesmo sabendo que não adianta levantar o queixo, eles sabem. Eu sei que sabem.

11x21 Raimundo

Imagem: Benimoto

"mundo mundo, vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução"

Ele esteve em minha cabeça, numa película dentro das minhas pálpebras, no aperto das calças nas pernas, nas cócegas na boca. Ele esteve no comando dos meus pés, no buraco do colchão, na refeição preparada para dois. Na minha boca seca, na minha sede. Esteve dentro e fora. de mim, me deixou enciumada.
Esteve por aí no movimento dos ônibus e no ranger dos ossos e nos passos. No gosto doce do açúcar e no derreter amargo das pílulas. Ouvi a voz dele no revoar d pássaros e no virar de páginas.
Deitei no chão da sala pra espantar o calor, dormi. Sonhei com cebolas. Era o jeito do meu subconsciente dizer que eu esqueci do óbvio, que eu esqueci da simplicidade das coisas, habituada às complicações como estava. O óbvio: o nome dele estava a 6 palavras de distância.
Mas de que adiantaria? Seria um palíndromo, não seria uma solução.

11x20 Sweet Dispositions (Sonho em voz alta)

Imagem: [auro]

Não era minha imaginação.
Era você, em toda a sua altivez, da raiz dos cabelos à ponta daqueles tênis. 34 minutos adiantado, como quem tem algo a mais pra fazer antes de voltar à rotina. O que quer que fosse, agradeço.
Eu pensei tanto em você, tanto. Em todas as piores possibilidades que estariam motivando seu sumiço. Mudara-se? Arranjara outro emprego? Mudara de turno? Adoecera? Morrera?
Me demorava mais na rua, fria e desleixada, implorando que a lei de Murphy me recompensasse com uma visão sua. Pegava as maiores filas do mercado, cedia a vez, na esperança de que você viesse fazer compras. Cada cabelo loiro vislumbrado era seu, cada menina era sua irmã, a cada uma delas eu observei, com inveja, achando que detinha a informação que quero.
Limpei a casa, como se você fosse aparecer, fiquei em casa te esperando m convidar pra assistir Super 8. A solidão está me enlouquecendo, eu sei.
Decidi falar com você. Mas isso foi ontem. Ver você, com essa carinha arrogante, mudou tudo - Como você faz isso? Como é que eu poderia cruzar essa linha que te torna real? Se eu fizesse isso, teria que tomar decisões, analisar meus sentimentos, me importar com os seus... Teria que suportar seus sentimentos por outra - é, acredite, eu sei (no fundo) que você tem vida também -, todas as bocas que você beijou na vida e as garotas a quem você amou.
Ficar longe de você seria insuportável fisicamente também, e eu não gosto de sentir dor (há controvérsias). E, por falar em fisicamente, eu me analisaria. Eu acharia estranho o fato de você (nem ninguém) não fazer meu coração bater mais forte, ou dixa minhas pernas bambas. As pernas ficam fortes querendo correr e o coração eu nem sinto. Quando você está por perto, sou só olhos e pernas.
Mas, vai ver não é amor. Vai ver é falta do que fazer, do que amar. (e quem disse que falta não é uma forma de amor?)
Ah, deixe estar.
Só tenho medo é de que você suma antes que esse "efeito" passe. Aí vou ter que te amar pra sempre.

Early Cuts: Sucker Punch

Imagem: Sparkles Tuey ♥

"A aranha injeta seu veneno na presa, depois secreta as enzimas para digerí-la e, em seguida, utiliza sua faringe para sugar o produto líquido da digestão."

Tenho me escondido por aí, no colégio, em casa, em ruelas escuras, quartos sujos e boates underground. A verdade é que não estou derretendo: estou sendo digerida.

(Excerto: Uns textos atrás eu quis tanto beijar Gideon. Ele não me beijaria - eu sou só a sobremesa.)

11x19 Underworld

Imagem: jah~

Você vê os vultos, essa é sua casa agora, construa-se aqui.
Entre, suba as escadas, deite-se na cama (era uma orfã com uma muda de roupas e uma boneca). "Eu não sou orfã", mas já não era mais eu. Talvez a resposta estivesse nas luzes, nas garotas (Ulrika era uma delas? Ulrika era?), na minha boca escura, nas suas mãos verdes.
"Nas pedras não, minhas costas doem e eu me sinto suja", pensei. Mas não haviam pedras, era eu e eu e eu e eu e eu e eu e eu no meio de pessoas que não eram eu, que não sabiam que eram eu.
Fiquei incerta sobre o ser e não conseguia encontrar o quem eu era.
Ele.
Fechei os olhos e caminhei sobre os trilhos e ele me beijou repetidas vezes, sem saber que me beijava, sem saber que beijava a si mesmo, com gosto de bebida e suor.
Corri pra ele, na esperança de que me curasse: queria parar de fluir, de escorrer. Solidez.
Fui toda suas pernas, acorrentada à sua pélvis, fui tão você que, quando você olhou pra mim, era pra mim que eu olhava.Mas não era você quem eu queria, porque eu já te tinha inteiro. Você não entendeu, talvez pensasse que você estava me derretendo - não podia saber que eu me derretia assim, sem razão.
Tive que deixar você ir porque não se pode explicar essa doença: as palavras limitam a beleza e a dor de escorrer.
Não demorou muito, me ofereceu o mesmo.
- De novo? - perguntei.
Você entendeu, enfim. Deu-me um sorriso, um passo,
um beijo.

(A música nos átomos resulta do amor e da fé. É que, às vezes, só estamos, sem ser - disformes - porque somos demais sendo nada: surdos.)

11x18 Bed boy

Imagem:  Mataparda 

Cheguei em casa com fome, sangrando feito um antigo romano, tonta de dor, e abri a porta.
Joguei minha parafernália no chão, arranquei os tênis, as meias, as calças, blusas. Fui soltando o cabelo, devagar pra não doer.
Tomei 1 pílula e meia - pra dor não, não mais - com suco de caju, fui pro banho. (Banho, em dias ruins: ficar com a testa encostada na parede, contando os segundos até sentir que estou cozida por dentro)
Saí do banho, vacilei ao pisar no tapete. Rimos - o cacto, o sol e eu: já oscilava.
No quarto, coloquei um moletom, apesar dos trinta e poucos graus.
Recolhi minhas roupas do chão imundo, ia jogá-las no cesto quando o vi.
Enrolado nas minhas cobertas, saído dos meus devaneios mais recentes, parecia tõ parte dali. Ao mesmo tempo, parecia saído da Ilíada, Pátroclo despido.
Tão magro e frágil quando não se pode ver seus olhos sérios e duros.
Ele se move, desajeitado, mastiga saliva e grunhe, meu cavaleiro de armadura roubada.
Pretendia ficar observando-o, quieta, mas me lembrei de amores unilaterais, de Álvares de Azevedo e corri a me deitar na ponta da cama.
Acordei às 20:00, ainda na ponta da cama, como se algo tivesse me impedido de ir para o canto.
Pura e simples presença.

11x17 Salvation

Imagem: golfeninherdecke

Deus frequenta igrejas vazias. Eu fui buscá-lo, fui implorar-lhe algo: ele saiu quando entrei, estava atrasado demais, ocupado demais. Precisava organizar a vida, a morte, os nascimentos e os destinos, Deus.
Pedro negou três vezes:
- Ele vai voltar? Não.
- Pode levar meu pedido a ele? Não.
- Pode me ajudar? Não.
Ah, pedro, seu único sim foi a chuva torrencial daquela tarde, adiando os desígnios da vida, me aconselhando a ser paciente. Mas a voz da água ainda me era desconhecida, eu fui jovem e tola naqueles dias.
Pra quem mais poderia apelar senão pra elas?
- Mãe, me ajude. Preciso de fios maiores.
- Que importa o tamanho dos fios se são tão frágeis? - respondeu Nona, me olhando oca.
- Irmã, me ajude. Preciso de uma tapeçaria longa e firme.
- Que importa a firmeza se a tesoura é tão afiada? - perguntou Décima, sem me olhar.
Morta estava cortando fios a um canto do quarto, cantarolava
"Foi meu amor/ Que me disse assim/ Que a flor do campo é o alecrim"
- Morta, não corte o fio.
"Alecrim, alecrim dourado/Que nasceu no campo sem ser semeado"
- Por favor, Morta.
Ela olhou pra mim com seu único olho azul-amarelo-prto e eu vi, lá dentro dela, toda a hipocrisia do meu pedido.
"Era uma vez um menino espanhol de nome Juan/ Depois do pôr do sol desposou Nhanhã"
- Eu não vou cortar.
Não agradeci, estava enjoada demais com o balançar do navio espanhol nos olhos dela. Fui em direção à saída, já podia ver a luz lá fora quando sua voz esganiçada gritou:
- Não vou cortar. Você vai.

Eu achei que, se cortasse, minha alma estaria salva. Já me habituei à ideia de inferno.

11x16 Feminist Sweepstakes

Imagem: Arkangel

Estava trançando meu cabelo hoje, me orientando pela memória de cabelos maiores e melhores.
Ontem a noite, nos sentamos na frente da loja de espelhos, com cigarros e maçãs, e ficamos nos olhando pelo vidro.
Crescemos juntas, afinal, estava na hora de nos vermos de novo.
Deve ser essa mania de intervention que elas tem. Paola trançou meu cabelo, da raiz às pontas. (tem algo de masculino em tudo o que ela faz, embora seja extremamente feminina. Até o jeito como escolhe os fios é agressivo.)
Eu fico me perguntando se minha feminilidade é meio oculta, embaixo de toda essa coisa indefinida que não é sobre sexualidade, é sobre quem eu sou.
Conto a ela sobre Otto e Ginger e Kyle e Percy.
- São seus cabelos, é o jeito como você prende eles.
É a segunda vez que ouço isso esse mês.
Susana confirma e acrescenta:
- E as calças. Mulheres não usam calças compridas. (Susana às vezes parece que vive no início do século 20)
E Paola:
- Vou te ensinar uma coisa, B. Você pode não entender agora, mas pense sobre. Não existem bissexuais. Você pode gostar de garotos e garotas masculinas ou de garotas e garotos efeminados. Você não pode ser um garoto e uma garota.
- Eu não sou assim.
- Todo mundo é assim.Você nunca vai saber quem é de verdade, não vai se encontrar nas revistas ou gostar das pessoas ou saber o que vestir se não souber responder do que você gosta.
E Susana, sábia:
- Quem não gosta de rótulos não se senta em cadeiras.

11x15 Mestre-vidreiro

Imagem: John Anthony Evans

Aviso: Esse texto não é para ser entendido. Talvez Isabela entendesse na mocidade. A velhice apaga muitas lembranças.

Eu expus minhas teorias, mudei de ideia a cada giro do carrossel vida. Ontem era alimento, já fui doente, já fui tudo, já fui morte. Hoje sou vidro. É o calor da cidade que me escorre, é o tempo.
É esse choque que me molda, esse soprar divino, esse soprar humano.
Ontem a noite ou há 100 anos, estava num trem - ou era metrô? -, eu e mais 6 garotas, falando sem mover os lábios.
Isso aconteceu quando eu não era eu mesma - se xarope, se pílulas, não sei, faz tempo, foi ontem - mas só sabai esperar você.
Veio o príncipe em seu cavalo branco, veio o Temível Pirata Roberts com suas armas, veio o príncipe sapo e seu fraque, veio o poeta e sua língua estrelada, veio o gigante de olhos escuros e veio até um homem que só tinha a oferecer amor.
E de que me servem cavalos, armas, olhos, amor? Diga, de que me servem?
Fico pensando se Deus não se esqueceu de me soprar como soprou Adão, se me deixou disforme sem querer.
Estou esperando que ele se lembre, estou esperando pelo mestre vidreiro que há de soprar em mim a vida que me falta.

11x14 Quando 2 = 5

Imagem: Thomas Powers

Era cedo e tarde, ao mesmo tempo. De certa forma, também estava na hora.
Vi Otto antes que ele me visse - ele me viu?- e tive tempo de me preparar pra não olhar pra ele. Foi o que fiz, até ele virar de costas pra que eu ficaase decorando seus pormenores (de novo).
Queria ir pra aula, queria muito.
E queria ficar, queria muito.

11x13 A gente não quer só comida

Imagem: Elizabeth Thomsen

Estar apaixonado é estar faminto. É querer se alimentar de tudo sobre o outro. É querer toda hora, beliscar quando puder. O coração ronca quando não se alimenta do outro, feito o estômago.
Quando se alimenta em excesso, ele dói, mas raramente pesa. Até a dor é boa.
E quando não se está perto? Sente-se aquele vazio que a gente pensa que pode preencher comendo.
Eu poderia comer as cadeiras e não ficaria satisfeita. Não sinto fome, não tenho comido direito.
Ainda assim, se pudesse, faria pelo menos 3 refeições diárias de amor.

11x12 Paixão e outras vulgaridades

Imagem: Iman

Como é vulgar a paixão!
Todas essas palavras e vontades de conversas sussurradas, essa falta que se sente e não se sabe de quê, essas reviravoltas no estômago.
E as palavras! As expressões! O amor torna a posse vulgar, os vocativos, as metáforas.
Os movimentos, os silêncios.
Aquela espera por alguém que nunca chega e os olhares famintos para as mesmas direções.
A fome e a sede, até mesmo o jejum e as orações noturnas (que começam ou terminam com pedidos pra ele - jamais por ele, sem exageros)
O corpo se torna mais vulgar, as unhas, os ossos e as veias. E os joelhos, céus, os joelhos! (nem me fale deles...)
As risadas, a voz, o pó compacto e os sutiãs.
O jeito como se cozinha e se descasca uma fruta.
Urinar e escovar os dentes e subir as escadas.
E a genética e os logaritmos e a velocidade das reações. E a corrente e a ddp se tornam mensagens subliminares.
O mundo todo percebe, a vida caminha diferente. Então, como ousa, Otto, como ousa não me notar?

11x11 Babel (ou reminiscências da lua sobre a plataforma)

Imagem: skampy

Eu não tenho medo de altura desde sempre.
Nas férias, nós ficávamos de pé sobre o muro do coreto da igreja, observando as ruas e as pessoas. Me lembro de querer escalar a igreja, de querer olhar a cidade pelo ângulo da cruz. A cruz era o olho de Deus.
Quanto mais alto eu subia, mais igual a Deus eu ficava. Agora, isso parece ruim, mas a intenção não era ser Deus: era ver pelos olhos Dele.
Se estávamos livres, íamos prum viaduto e ficávamos sentados por lá durante horas, jogando garrafas, latas e tocos na rua lá embaixo. Raramente conversávamos, as palavras eram desnecessárias.
Quando se está em perfeita harmonia com o paraíso, Deus e tudo o que existe, uma pequena ideia pode levar tudo à ruína.
"Sabe, é fisicamente impossível sair vivo dessa queda".
Uma ideia só, plantada no fundo das nossas cabeças: a ideia de que a nossa paz estava a um passo da morte, de que um movimento em falso poderia matar um de nós.
Não gostei mais de alturas a partir daí. Até o céu me dá vertigem.
Nunca entendi o que ele quis dizer, o que se passava pela cabeça dele. Talvez quisesse nos castigar ou nos expulsar do nosso paraíso. Acredito que queria nos mostrar que não éramos imortais.
Deus e o Diabo se encontram em Gideon e conseguem seus intentos simultaneamente por meio de suas ações ambíguas.
Deus e o Diabo se encontram em sua voz, em proporções desiguais. Quando me disse que tinha vindo pra ficar, não soube a qual dos dois cabia a maior parte.

11x10 Being human

Imagem: neil alejandro

Há um contador regressivo dentro da minha cabeça. "Apocalipse", geme a tríade, gemem as lembranças, os pais, os padres. E Deus? Deus é mudo, que seja mudo, - se não é mudo, é que não tem nada a dizer.
Me sento na ponta da cama, há um abismo sob o tapete "vamos morrer".
Escrevo a Otto, escrevo furiosamente (os pensamentos voando), até que a ouço.
Eu pensei que nunca mais ouviria essa voz. É a voz de Ulrika por baixo do véu dessa mulher, me chamando. A voz é de Ulrika, mas os olhos, essas mãos: Kadife.
Apalpo meus bolsos e encontro as cartas: são as cartas que ela quer. Estendo as cartas e ela me puxa o braço: estamos cara a cara na beira do abismo. Ela abre minha mão, fazendo com que suas cartas de amor caiam no abismo e me faz tocar seu cabelo.
Sinto a cabeça dela pulsar, como se houvesse um coração lá dentro. Vou enfiando os dedos entre os fios, puxando pedaços de ossos e

E acordo, zonza, às 6:05 da manhã. Abro minha caixa de livros e puxo, lá do fundo, as 4 seringas e 4 ampolas que venho guardando desde que comecei a sonhar com Kadife.
O telefone toca, é minha mãe.
- Estou grávida.
Deus me perdoe, mas Seu senso de humor é péssimo. Tenho que me lembrar de comprar mais uma ampola.

11x09 Baby Victor

Imagem:  Inferis

Oi pequenino. Pode me ouvir?
Me conte o que você viu, meu bem. Dê cá esses dedinhos de geléia pra eu ver como você é perfeito. Eu sonhei com você antes de conhecê-lo, você sonhou comigo? Não abra os olhos ainda, é cedo, não fique ansioso. Quero que veja Isabel, toque no rosto dela com seus dedinhos. Ela vai ser sempre sua, eu te dou minha Isabel.
Me perdoe por essa conversa ilógica, Victor: é que eu gosto de amar as pessoas antes mesmo de conhecê-las.
Volte a dormir, sim? Só acorde quando estiver pronto.

11x08 As cartas que eu não mando

Imagem: EverJean

Escrevi com minha pena imaginária de fênix, molhada na tinta do meu sangue verde, escrevi milhares de palavras para ele.
Escrevi cartas de amor, de medo, de euforia, de todos esses sentimentos misturados à outros.
Escrevi por dias-noites a fio, sem descanso, sem jamais colocar um ponto final que cumprisse sua função.
Escrevi com todo o meu sangue, com o sangue de meus eus futuros e passados. Mas nunca, nunca peguei papel e lápis para escrevê-las de verdade.
Se eu o fizesse, teria que deixá-lo ler. Eu não roubaria as palavras de Otto.
Apenas agora me dei conta disso: tudo que escrevi sobre ele é ou será público. Nada em diários ou folhas avulsas: o que pertence a Otto está ao alcance dele. Inclusive eu.

11x07 Human Blanket

Imagem: Pablo Montt

Quero estar com Otto, estar só. Meus desejos são singelos, poucos (mas tolos e perigosos).
Quero ser seu cobertor, que ele puxe meus braços pra cobrir seus ombros, que eu possa roçar meus dedos nos seus cabelos e cobrir seus pés com os meus.
Seria seu sapato, sim, o sapato favorito, que não machuca seus pés e abraça seus tornozelos.
Quero que meus dedos sejam seu pente, abrindo caminho por entre os nós do seu cabelo, sentindo o toque da sua mão na minha.
Quero ser sua mochila, ficar agarrada às suas costas, levar seus pertences comigo e ficar perto de você onde quer que vá.
É pouco o que eu quero. E eu quero tanto isso, com tanta força, que chego a "desquerer".
Não me dê nada nunca, Otto: Agora me contento com pouco; um dia, nem mesmo tudo será suficiente.

11x06 Camel Queen

Imagem: mateoutah

Estou deitada no meu quarto real, de bruços, corcova lá no alto, 03:30. Patas dobradas, respiração normal. Me concentro nos desenhos obscenos, nos recados deixados por estranhos, colados em post-its ao longo da parede.
A porta está fechada, estou segura, todos os meus monstros ficaram lá fora. Assim mesmo, meu pulso acelera, não consigo raciocinar: Estou em pânico. Tranco a porta e me encolho junto ao dossel, as patas escorregando do colchão. A bebida, o ácido e o miojo sobem e descem pelo meu esôfago, me fazem sentir - junto com o pó e o travesseiro sob o meu nariz - sufocada. "São essas malditas hemácias", penso.
Pequenos fragmentos de Otto me passam pela cabeça, sem parar: tonteio. Mal tenho tempo de chutar meus livros, vomito no chão.
O pior nunca foi a ressaca, nunca foi o vexame. Não é a sujeira, não é o risco.
O pior é quando passa o efeito e eu fico sozinha, meus pensamentos como companhia.

11x05 Large Hadron Collider

Imagem: fabbriciuse

"Do they collide?" I ask and you smile

Ele olhou pra mim e não consegui desviar o olhar. Mesmo sabendo que eu estava feia, suja, descabelada, desmaquiada... Eu não pude.
Meu cérebro esqueceu de todas as outras funções, fiquei sem ar, as compras foram escorregando dos braços, os olhos congelaram naquela imagem dele. As pernas ficando moles e o pulso acelerando, a boca secando, os ruídos esmorecendo.
Eu fiquei com tanto medo de mim mesma, um medo meio engraçado, meio triste.
Corri de lá na chuva, assustada com a minha incapacidade de reagir à presença daqueles olhos.

Isso foi ontem.
Já hoje, acordei tarde - meu corpo tem misteriosas maneiras de me fazer obedecê-lo e dormir além da conta -, mas nem tão tarde: não suportava a ideia de vê-lo.
A uns 7 passos do ponto, meu ônibus passou, sem parar. Ai de mim. Rezei pra que outro viesse, rezei pra que a meia hora que nos separava se estendesse, rezei...
E, lá longe, ele vinha. "Não é ele", com sua camiseta preta, "Não é", mas eu nem precisava enxergá-lo pra saber. Já o sei de cor.
Um ônibus vinha, torci pra que fosse o meu: era. Subi com tanto desespero que tropecei nos degraus. Ele nem viu.

Quero distância dele, de seus olhos e roupas bem passadas. Quero estar perto dele, sentar junto dele, tocar-lhe casualmente.
Novamente, transformar seres humanos em literatura me causa esses tais calafrios. Esses tais, que chamam paixão.

11x04 O Chamado

Imagem: fabbriciuse

Ela está me chamando, minha Mãe. Está me chamando para a realidade.
Eu digo que não quero ir, fico agarrando as pernas da mesa, puxo as cortinas. Chuto, belisco, arranho seus braços magros-gordos.
Ela me pega no colo e me dá leite escuro, quase cor de sangue.
Abre minha boca e derrama pó sob minha língua.
Canta em um dialeto mais antigo que a vida.
Eu não sou forte o suficiente. Mãe, não sou grande o suficiente, não sou suficiente...
Ainda assim, vou voltar pra casa, eventualmente.

11x03 His morning shirt

Imagem: fabbriciuse

Imagino que Otto acorde cedo, que esteja cansado. Imagino que durma em uma cama de solteiro e se levante sonolento, de olhos entreabertos. Caminha descalço até o banheiro e fecha os olhos enquanto toma banho.
Imagino que lava o rosto com a água do chuveiro e que se veste no quarto.
Imagino que seus tênis fiquem jogados a um canto e que penteia seus cabelos rapidamente.
Imagino que não arrume a cama ao sair e que guarde as chaves nos bolsos.
(Não, isso não pode estar certo. Suas roupas são limpas demais, lisas demais. Seus tênis são limpos demais... Não, está tudo errado)

Só imagino. Não quero saber nada, nem mesmo seu nome.

11x02 Sincronia

Imagem: fabbriciuse

Acordei às 07:22. Calcinha, jeans, sutiã, blusa, tudo na mão. Banheiro. Banho rápido, tenho que pegar o ônibus das 07:40 (Até parece). Roupas, cabelo, maquiagem, brincos, chaves, saio.
Pego o dinheiro, são 07:52. "Bom dia, bom dia", desvio das pessoas pontuais, vou chegando à esquina e digo pra mim mesma "Oi, Otto", de brincadeira.
Olho pro lado e lá vem ele.

Se tivéssemos ensaiado, não teria sido tão perfeito.

11x01 Atropelo

Imagem:  fabbriciuse

Minha língua roça o seu de sua boca com gosto de abacaxi e faz o ruído de ossos quebrando.
Não sei onde estou que não me levanto, seus ombros são o inferno e seu pescoço cheira a paraíso.
O amante de lata e pano se despe, de seu esqueleto sai um homem vestido de pele.
Os gritos se confundem com a respiração dôfrega e não consigo distinguir o desespero do êxtase.
Suas pernas me enlaçam, e são braços, me erguendo.
Me agarro às suas costas, seus cabelos, e dói. É dia, é noite: estou em movimento.
Não se afaste de mim, dói feito choques no peito. Vem, me abraça. Assim, não vá embora.

Se me deixar, juro me jogar na frente de um carro.

10x20 Ousadia (Season Finale)

Imagem: visual07

Tive um sonho: nascia.
Rasgava a placenta com as unhas, sufocava, saía. Adulta, nua, deitada na grama.
Meus olhos eram da cor do arco íris e meu coração ficava na garganta e doía. Eu era bicho e não era feio ser bicho.
Eu respirava e era bom respirar. Agarrava tufos de grama e me esticava toda. Meus ossos cresciam dentro de mim ou a consciência de mim crescia e me inundava, me apertava.
O céu escuro, a terra escura; não havia diferença, eu talvez estivesse deitada sobre as estrelas.
A água chiava e um grilo chamava sua predestinada. Desgrudei minhas patas, meus dedos,
Algo me feriu, querendo sair, um outro ser, subindo pelo esôfago, lutando contra a pele escorregadia, dilacerando o coração na garganta.
Era um som, um grito cortando a escuridão, mãe da minha alma: Eu

Early Cuts: Frustrando Esforços

Por mais que eu goste dele, por mais que o queira de volta, nunca vou esquecer que, por algum tempo, ele não me quis.
- Agora sou toda pra mim, não me tente.

10x19 Planes

Imagem: T. Darrell Sullivan Photography

"One day he'll come along, the man I love"
- Você nunca me vê de verdade, vê? Eu sou só o seu destino.

Em um mundo paralelo, Gideon e eu somos felizes.
Somos feitos um para o outro, meu coração é que não sabe.

Early Cuts: "E quanto a Eve?" A.K.A. O Clube do Livro

Imagem: lambchops

- Se ela soubesse antes, teria atirado na própria cabeça- risos.
(Por que eu venho aqui? Não discuto os livros, só gosto de chá)
- Ele morreria junto. Ele se apaixonou por ela assim que a viu.
(5 contra 1 que o próximo livro vai ser uma bosta)
- O que você acha, B.?
- Er... Ele morreria junto.

(Acho que gosto mais da analogia. Adam escolheu trair seu país por Eve. Ela não o influenciou, nem o conhecia. A decisão foi inteiramente dele.
Adão não foi obrigado a trair a confiança de Deus por Eva. Ele fez isso porque quis fazer.
Não acho que sejamos culpadas pelos erros dos homens. Somos responsáveis por nosso próprio erro e educação.
"Aceita, Adão?", eu diria a ele, que me encarava chocado, ansioso e faminto.
Pura e simples educação: eis aí a razão de termos sido expulsos do paraíso)

10x18 Enquanto a gravidade dorme

Imagem: Mr. Wright

Enquanto a gravidade dorme, flutuamos. Gosto de pensar que somos iguais para o universo.

Vem comigo, vem, não tem nada a nos segurar agora.

10x17 Ever since I was a little girl

Imagem: eelviss

"Eu vou pra faculdade, Gideon. Quero fazer faculdade também, você sabe. (...) Sei que é um curso demorado, mas vai ser bom (...) De qualquer forma, eu só iria atrapalhar você (...)
Paciência, logo eu passo (...) Eu tenho certeza que você não vai me obrigar a deixar de fazer algo que eu goste (...)"

Quando finalmente fico cara a cara com meus sonhos de infância, descubro que cresci.
Quero isso desde antes de aprender a ler e, agora...

Confesso, escolhi a medicina pra ficar mais seis anos longe de você.

10x16 Ansaphone

Imagem: photocidal


Um pequeno questionário de autoconhecimento.

"Você tem que refletir sobre si mesma. Acha que sabe como os outros te vêem? Me diga".
- De quem você gosta? Quem faz seu tipo? Fisicamente falando.
Easy business: Cabelos escuros, olhos apertados, magrelos, crooked smiles.

- E quem gosta de você?
Hm. Eu não sei. Eu não sei mesmo.

- De quem você não gosta?
Depende do meu humor.

- Como assim?
Depende do que eu preciso. Príncipes encantados, gente sensível, gente tola.

- Interessante. E todos pertencem ao tipo geral?
Precisamente.

- E quem não gosta de você, por que não gosta?
(Eu podia sentir a excitação dela. A pergunta chave. Minha resposta ia mudar tudo.
Mas eu não sabia o que responder. Sou um boneco de neve, tem partículas demais em mim.)
Porque eu não me decidi ainda.

10x15 Caricature of intimacy

Imagem: modowd

É como swing. Conheço eles melhor do que se os tivesse visto nus. Se já tivesse beijado todos eles, se tivéssemos trocado confidências... Mesmo assim não seríamos tão íntimos. Depois que acaba, nem nos olhamos.

Intimidade é quando é difícil olhar para o outro sem se ver nele.
Se o mundo é cheio dessa tal diversidade, é que não conhecemos ninguém.

10x14 Marriage is murder

Imagem: donteatmeatnow! for reals!

"Uns dois anos na Alemanha, já pensou?" - Melhor comer meu próprio fígado.
"Você não pode usar tomara-que-caia com esses seios!" - Então é esse que eu quero. Tomara que caia.
"Rosas, lírios ou tulipas?" - Cravos de defunto.
"Cabelos presos ou soltos?"

Cabelo nenhum, Ciella, cabelo nenhum.
Agora vamos parar de ler Vogue que eu tenho que aprender medidas de dispersão.

10x13 Violets

Imagem: wmacphail


Queria poder te ligar. Queria não precisar me desculpar, que um abraço fosse suficiente.
Me leve de novo pros nossos segredos e joelhos ralados.
Eu quero mesmo te dizer,
nós não temos alma, Ulrika. Não dentro de nós. Elas ficam andando atrás de nós ou à nossa frente.
Em alguns momentos raros, emparelhamos, e tudo parece tão claro, tão lindo que dá vontade de chorar.
Eu a encontrei hoje, minha alma.
Queria que você a conhecesse, Ulrika.
Juro que ela é de todas as cores.
(Menos vermelha)
Você deveria ter visto o quão bela ela era. Ela chovia, Ulrika. Chovia como eu sempre quis chover. E queimava, como eu sempre quis queimar.
Sinto sua falta como nunca senti antes.
Por favor, não volte tarde demais.

10x12 A Boat for Ram

Imagem: panijulka

A água sussurra depressa, borbulha, entrando por baixo da porta.
Tento me levantar, não posso. Estou cansado, febril. Pego papel e caneta sob o travesseiro, quero que ela saiba. A morte não me assusta mais do que o escuro e a solidão.
A água já me encharca o colchão. Estou paralisado. Pela primeira vez, a fome de morrer é maior do que a de viver. A morte não me assusta, estou chorando de medo da dor. Porque se morre de amor e amor dói tanto que tenho medo.
A água é gelada, mas não tremo de frio, tremo de ansiedade. Quero conhecer Deus. Quero perguntar quem deu a ele o direito de escolher, quero saber se o tempo é uma mulher e o que acontece quando sorri.
Estou lutando. Não é que queira viver, é que só covardes morrem sem lutar. A água borra a carta que tenho escrito com esmero, acabou.
Engulo água e tudo explode em mim até que a vejo. O que engulo são minhas lágrimas - de felicidade, agora. Não preciso mais ter medo, eu sei.
Ela me segura em seus braços e me envolve maternalmente com sua cauda e cabelos.

Estou em casa, enfim

10x11 Lips like meta-morphine

Imagem: Van in LA

Adquiri a mania estranha de mastigar o lábio inferior quando meu pé dói. A dor diminui e eu fico repentinamente mais concentrada.
Não consigo parar até sentir o gosto de sangue na boca. Não é pelo gosto, pela dor - se fosse isso, Alex ficaria deliciado. Acho que é desespero. É vontade de cuidados.

O doutor já disse "É fome de atenção".
Na falta disso, sangue me basta.

10x10 Anthem for a dead body under the tower

Imagem: Javier Aroche

- Sabe o que é aquilo lá?
(Garotos não gostam de garotas inteligentes)
- Ora, bem...
(Deixe que ele te ensine algo, eles adoram isso)
- Não, não sei.

Ele me deixou. Me deixou de cabeça baixa, humilhada e assombrada por espíritos de homens e mulheres mortos.

"Aquilo lá é uma mentira. Não é só metal e concreto. Foi construído sobre sangue e ossos. Os ideais do país estão enterrados ali e nós nem pensamos sobre isso. Você sabia? Sabia que há muito mais por trás dessa explicação progressista/ O progresso morreu ali, sabe? O progresso está lá embaixo em pedaços".

Não tenho mais vergonha de saber ou pensar.
Prefiro me tornar pó sob o concreto  o metal, do que esconder meus pensamentos, deixar que morram por uns ossos e cabelos.
(Escrevo isso e olho meu anel. Galileu negou seus próprios pensamentos por medo da morte. Sócrates não. Não sei quem quero ser. Não é engraçado como nossos princípios são maleáveis?)

10x09 Getting Parker

Imagem:  transaid images

Não ajo como stalker há 10 dias. Não pra mim, ao menos. Ah, babe, não tenho mentido.
Talvez seja o germinal. Estou ocupada demais com médicos e palavras. Estou me ferrando em exatas, é, mas existe compensação, ao menos.
Às vezes, pareço estar num pico de meta, num minuto estou escrevendo uma página e meia, no outro quero vomitar e dormir.
Durmo em pé, apoiada no pé esquerdo, lógico. O pé direito está relativamente fodido, como as minhas meias.
Mudei meu guarda roupa de lugar, fiz compras, limpei a casa, até comi..
Tenho combinado cores, comido frutas e, no outro dia, quase assobiei.

Eu sou invencível. (:

10x08 Louder, louder

Imagem: bricolage.108

"Padre, eu pequei".

A água benta transborda - ou será minha imaginação? - e o som das gotas tocando o chão ecoa pela igreja (a voz da água é a voz de Deus também).
Cristo crucificado olha para algum lugar lá no alto e eu manco até o altar de velas. Acendo 4: uma por mim, uma por Ann, uma por Agatha e uma por todo o mundo.
O padre retorna, silencioso, calçando luvas.
- Recite.
- Pai, perdoa-me porque hei pecado. Amarei a Deus sobre todas as coisas, não usarei o nome de Deus em vão, guardarei domingos e festas de guarda, não mais desonrarei pai e mãe, não matarei, guardarei castidade nas palavras e nas obras, não roubarei, não levantarei falsos testemunhos, guardarei castidade nos pensamentos e nos desejos, não mais cobiçarei as coisas do outro.
Quando acabo de recitar, a dor volta em ondas, passando por todo o meu corpo - e eu que achei que já estava no máximo possível.
- Recite. Mais uma vez.
A dor fica mais forte, assim como o eco da água que pinga.
Deus sabe. Deus sabe que não posso agradar gregos e troianos.

- Mais alto.

10x07 Soul Sister

Imagem: k-girl

(Meu orientador disse pra transformar as coisas ruins em literatura. Não posso ainda, eu não me levaria a sério. Prefiro fazê-lo com as coisas incertas, como Ulrika. Nunca falei sobre Ulrika com ninguém. É hora.)

Costumávamos discutir, Ulrika e eu. Sobre a existência das almas, sobre a existência do destino. Discutíamos sobre as estações e sobre gosto de saliva, sobre tudo. Mas a alma sempre foi nosso tópico favorito.
Ulrika acreditava que, às vezes, nossa alma saía do nosso corpo - me pergunto se era por isso que não tinha pesadelos ou insônia - e, quando voltava - para onde ia, não sabíamos -, entrava pelas pontas dos dedos.
Ela tinha mania de tocar em tudo: folhas, portões, pessoas. Enquanto isso, eu passava a ter nojo de dar as mãos, principalmente para estranhos.

Não quero que me sujem, não quero sujar ninguém.

10x06 All the same to me

Imagem: Lady Bionika

Não gosto de comparações. Nunca gostei. Mas, quando se vive uma vida de metáforas, estão implícitas.
Então comparo episódios antigos aos novos pra me decidir - quando não jogo tarô ou visito minha gypsie, sei lá - é assim que aprendo - ou não.

Entendo que Jack deve ficar só e superar sozinho sua paixonite. Simplesmente porque ele não me faz sentir como "Falling" + McCandless me fizeram sentir um dia.

Entendo que mentiras são melhores que verdades, porque deram certo por muitos anos.

Entendo que tornozelos roxos são mais viáveis que costas queimadas, porque nunca fui de usar shorts.

Entendo que não vou perseguir Otto porque, se as coisas começam comigo sendo stalker, terminam mal e porcamente.

Entendo que devo me esforçar, porque dá certo quando quero muito algo.

Decido fazer o que quero de verdade, esporadicamente, porque não é proibido.

Decido conversar com Gideon sobre o futuro, porque já deu certo antes.

Decido que correr atrás de quem se quer não é feio nunca: está entre as coisas mais honradas do mundo, desde que se saiba a hora de desistir.

Decido que decido, que estou além de velhas tradições, vestidos de noiva, paganismo, pátria e sangue.

Só não decidi ainda se estou além de meus juramentos antigos, se estou além de minha própria palavra.

10x05 Sunday, bloody sunday

Imagem: Airín

Quero sair de casa, dar uma ou 2 voltas por aí. Eu posso, eu vou.

Mas quero dar uma volta de mãos dadas. É, estou num momento assim: não quero ninguém, mas quero qualquer um.

Qualquer companhia masculina que me segurasse a mão seria melhor do que essa pálida pedra de gelo que me acompanha.

- Ouviu o que eu disse? Qualquer companhia seria melhor! Até... Até Alex!

Ele não responde, ele nunca responde à meus gritos ou insultos.

- Eu me rendo. Você venceu. Vai, vai ser casmurro! - emburro.

Quando olho pra ele, está sorrindo. Coisa de segundos, estamos rindo um do outro.

Como se não fôssemos nós. Como se existíssemos, como se fosse fácil.
Foi como se fôssemos humanos.

10x04 The Pains of being pure at brain



Imagem: paul+photos=moody

Sinusite, ele disse. Os médicos têm sido as pessoas estranhas que vejo com mais frequência. Sinusite, anemia, devaneios, dengue, cefaléia: eles sabem tanto, eles não sabem nada.

Não é doença, doutor, é o Germinal. O Germinal, percebe? As folhas verdes, a chuva, flores e o sol. É a época do ano em que a natureza se alinha, se prepara pra te dar o empurrão necessário à ordem ou ao caos.

No ano passado, foi o caos pra mim. Me mediquei, extingui minhas dores de cabeça. Ganhei dores no coração.

Não me medique ainda, doutor. Quero ficar um pouco comigo mesma esse mês.

10x03 Atrás do ponto

Imagem: Napalm filled tires

Estou atrasada. Não é novidade. Meu corpo tem um poder de persuasão incrível, apresentando argumentos irrefutáveis pra que eu durma mais meia hora.
Fiz um feitiço ontem, sem pensar muito, pois era estúpido (agora o dia de hoje faz sentido...).
Quando cheguei ao ponto de ônibus, meu ônibus tinha acabado de sair, é. Acontece sempre. Amaldiçoei, na mesma hora, os tênis que havia demorado pra calçar - malditos, malditos - e amaldiçoei meus brincos e meus cabelos impenteáveis e estaria amaldiçoando tudo até agora - se não tivesse visto Otto.

Otto.

Não o vejo desde novembro ou dezembro.
Eu o vi de relance só. Tão rápido que, não fossem os óculos escuros que nunca tinha visto antes, diria que era imaginação. Segundos apenas, e ele foi pra trás do ponto, pra trás de mim. Não demonstrou nada, nem reconhecimento (talvez por estar de óculos escuros).

Ficamos separados por uma parede só. Eu, de um lado, torcendo pra que os ruídos do meu coração e a vibração dos carros emitissem o som na frequência perfeita, pra que dissessem o que eu queria dizer.
"Senti sua falta"
Seu coração não respondeu. Era como se soubesse que havia sido traído. Como se adivinhasse que, na noite passada, foi pelos cabelos de McCandless que pedi.

Paciência.

10x02 Red is for freedom

Imagem: xdjio

Ele não acredita que a cidade está viva, acha que é outro colapso.
Por que é tão difícil assim acreditar?

- A cidade foi criada pelo homem, não tem capacidades excepcionais, não pensa.

Mas e Deus? A ideia Deus não foi criada pelo homem? E ele não é capaz de coisas excepcionais, não modifica destinos e decide ouvir ou não às nossas preces?
Ah, que seja, a discussão nem é essa.

A questão é: "Podemos nos tornar reais? Podemos sair dos pensamentos da cidade?"
Neo, em Matrix, me inspirou tal pensamento. Ele era real antes de tomar a pílula? Ele já estava conectado? Já existia em Zion?

Espero que não. Isso me dá esperança. Se ele foi criado pela cidade, se não era mais do que um eco infeliz dos pensamentos da cidade, se passou a existir apenas após tomar a pílula, eu também posso.

- O seu problema, B., é que você usa lentes de poesia pra enxergar o mundo.
- Obrigada (:
- Não foi um elogio.

Depende do ponto de vista, doutor, depende.

10x01 Eu que não sei nada de Deus

Imagem: karramarro

Eu vi o mar Como era lindo
o mar.
Infinitesimalmente mais profundo
que eu.
Deus é feito de água e sal
e mijo.

9x26 Anemia (Season Finale)

Imagem: feministjulie


Não sei mais se sou fraca ou se estou fraca. Posso ver rostos no escuro, mas não suporto a luz do sol. Meus dentes doem, meus dedos.

É a velhice. Estou velha de alma. Eu vivi muito, por todo mundo, por gente que nem existiu.
Eu posso contar histórias que nunca aconteceram e mostrar minhas costas sujas de pus e casquinhas que te fariam saber que as histórias aconteceram.

Eu conheci gente de quem você vai ouvir falar, gente que vai mudar a história.
Eu vivi demais.

- Você vai ficar bem. É só anemia. Parecia pior por causa da infecção. Vou te passar uns remédios e você vai sarar rapidinho.

Eu vivi demais.
Felizmente, vou viver mais ainda.

9x25 G is for Giacomo

Às vezes finjo tão bem que acredito.

9x24 O apagar de velas

Imagem: petit hiboux

A luz incide nas veias, deixando-as arroxeadas e estranhamente belas. Fora isso, enxergo amarelo-alaranjado.

Eu gosto da luz. Gosto do calor, gosto das sombras. Gosto de como meu coração bate mais rápido a cada movimento da chama. Até meu coração de sombra sofre.

Meus olhos já doem com o esforço, não importa. Poderia fechar os olhos e ver a chama com os olhos do coração.
É a coisa mais linda que já vi. De longe.
Quando me aproximo da chama, ela aumenta, se agiganta. Pra provar, meus cabelos e ossos chamuscados.
Essa chama deslumbra e machuca, castiga e afaga.

Meus olhos doem, minha pele arde. Preciso ir embora. Preciso apagá-la. Há dias, há meses. Seis, pra ser exata.

Cuspo nas mãos e ando em sua direção. A chama aumenta, queimando meus cílios, meu rosto... Falta pouco, estou quase lá...

De repente, percebo que gosto da dor. Percebo que só aprendo assim, quando me machuco.

9x23 Dad & Mom

Imagem: bfelice

Quando bebi, compreendi: a resposta ao mundo era o pós-marxismo, não Gideon.
- Larissa, o marxismo vai salvar nossas almas - eu dizia, mas não conseguia articular. Tilt

O marxismo veio do meu pai. Ele comia marxismo no café, almoço e jantar - com canjica, peixe e laranjas -, eu marxismo barato e doce, que era o que ele podia comprar.
Mas, seis anos atrás, ele entendeu: o marxismo é uma utopia impossível.

Da minha mãe veio a habilidade de ser máquina. Ela ligou os pontos e entendeu que os erros que havia cometido, cometera por ser humana. Assim, me criou máquina.

Herdei do meu pai essa incapacidade de amar uma pessoa só, essa fome de mundo e de gente. Queria mesmo é ser feito minha mãe e só amar uma pessoa de cada vez.
(Não, melhor não. Melhor assim.)

Da minha mãe veio essa fome de ser, essa gula insana, que me faz bater os talheres na mesa da vida, querendo experimentar tudo (ou não). Do meu pai veio a angústia doce de estar, essa dormência no peito, me ensinando a ter paciência.

No colégio, me disseram que eu era mais minha mãe do que meu pai. Eu me alimentei dela, dos seus pensamentos e das batidas do seu coração.
Disseram que a figura paterna é importante na formação do caráter, que somos o que nossos pais fizeram de nós.

Acho que nasci ao contrário. Meu pai me deu a luz, me alimentou com seus pensamentos, canjica, peixe e pós marxismo. Deve ter sido isso, porque minha mãe é que me ensinou a ser homem.
Não é piada, não é pra ser engraçado. É que o mundo não tem tempo pra delicadezas.

9x22 Sea Legs

Imagem: mind the goat

Deus está caminhando.

Às vezes me passa pela cabeça que Deus é só uma criança de olhos coloridos que se diverte brincando com o universo. Não existem intenções em sua brincadeira, é apenas aquele típico divertimento ligeiramente maldoso das crianças de certa idade.
Mas as crianças vão crescendo e suas brincadeiras se tornam mais ambiciosas, querem se meter com coisas de adulto.
Na minha infância, fui fascinada pelo fogo. Queimei bonecas, cadernos, cabelos, me queimei. Eu era e sou - talvez sempre seja - jovem demais pra compreender algo tão poderoso.
Talvez Ele seja fascinado pela água.
Isso explicaria porque teima em nos sacudir e molhar.
Isso explicaria muito.

9x22 In Rainbows

Imagem: liltree

Eu gostava de pintar o rosto dela com tinta guache.
A tinta gelada secava em casquinhas por toda a extensão do rosto de do pescoço.
Gostava de ficar deitada no tapete do quarto dela enquanto ela resolvia equações.
Gostava do cheiro da cabeça dela e do jeito como ela guinchava às vezes.
Gostava quando cantava e quando ficava quieta.
Gostava das omoplatas e de como ela concordava com minhas ideias.
Gostava de como éramos nós duas contra o mundo e de tudo o que fazia parte dela.
Ainda assim, nunca pude gostar dela como ea gostou de mim.
Queria que ela estivesse lendo isso, que soubesse: esteja onde estiver, ainda tenho tinta de nós. Tem muito de nós aqui.

9x21 Bus 16

Imagem: Araneo

Dia do vestibular, mesmo velho déjà vu. É mais um passo na direção do destino (deus, pra quê tanta química orgânica?).
Deito a cabeça na mesa e fecho os olhos.
Talvez eu não devesse tentar.
Talvez eu deva...

Devaneio: "Estou trabalhando, louca e atrapalhadamente, quando encontro Otto no corredor.
- Oi
- Oi, sorrio."
"E estamos de mãos dadas e é 11 de setembro de novo e eu não me importo e me importo, mas Otto é maior do que isso".

Isso seria bom.
O problema é que não posso. Não posso não tentar.