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TingTing Huang
- Eu não sabia o que fazer. Eu só sabia que eu não sabia o que fazer.. Eu nem sei mais quem eu sou...
Sentada, no chão úmido da caverna, na penumbra, eu tento explicar, sem chorar tanto, mas nem eu entendo como vim parar aqui. Só sei que o som das tesouras e do tear me afligem e me acalmam, tão rápidos, tão perfeitamente sincronizados.
- Eu preciso saber, Mãe. Eu preciso entender. Eu preciso saber quem sou. - mas a Mãe, ela não pode me ouvir.
Seus dedos correm, velozes, tecendo sem parar, criando às cegas um desenho que ainda não consigo decifrar, que eu mal consigo ver, mesmo à meia luz.
A luz vem da chama da vela que a Donzela segura firme, com as duas mãos.
É através dela que eu consigo ver pequenas mudanças no ambiente, nos tons da tapeçaria, menos tons de cinza, mais cores brilhantes, verde musgo e pôr do sol, algumas silhuetas familiares.
Quase me distraio com as cores novas e deixo de ver Morta, em sua pequenez sombria, cortando fios em silêncio. Hoje, eu diria que ela realmente tem bilhões de anos. Frágil, exausta.
A Donzela se aproxima de mim com a vela e o calor que ela emana, uma vela tão pequena, é quase insuportável. A luz incomoda meus olhos e quase não consigo abri-los.
De pé, a Donzela tem quase o dobro da minha altura. Pernas longas, enormes, escondidas sobre um vestido escuro e dedos aracnídeos. Cabelos ruivos, lisos e igualmente longos. Ela se parece mesmo com um fantasma, o fantasma de alguma donzela de contos de fadas.
Eu raramente vejo o seu rosto. Ela está quase sempre debruçada sobre a tapeçaria, sempre tecendo, sempre olhando, sempre sussurrando para si mesma ou cantando uma música que só ela conhece, mas que, eventualmente, ressoa nos meus sonhos.
Mas não hoje.
Hoje é a noite em que o sagrado deixa de ser secreto.
- Venha - ela chama, e eu a sigo, em silêncio, com um pouco de receio, confesso.
Ela me guia por um caminho amplo e escuro, com tapeçarias desbotadas que, ao serem iluminadas, magicamente retomam suas cores originais.
E eu posso ver, de novo, o cinza e o amarelo, e as cores que eu nem me lembrava que existiam.
Caminhamos em silêncio por alguns minutos, até parar em frente à tapeçaria que eu chamo, carinhosamente "Petrichor & spiders".
E eu reconheço aquela cena, reconheço as cores e o cheiro de tecido, o frio, o amor, mas eu não sei mais me sentir assim. Ou, talvez, eu só saiba me sentir assim.
- Quem sou eu? - pergunto para a rua molhada, úmida e amarela.
E a Donzela, ela responde, e eu sinto que a sua voz cresce em mim, dentro do meu coração, se é que isso é possível.
- Você é alguém que perdeu a fé, que tem medo do amanhã. Você é aquela que tem medo de si mesma. Você sabe quem você é, criança, e tem medo dessa pessoa.
Está negando e escondendo, mas eu vejo tudo que a luz ilumina e o que fica no escuro. Eu vejo o seu coração e eu vejo a dúvida. Eu vejo a solidão.
E eu vejo um homem --
Ela sussurra, tão baixo que eu perco as palavras dentro de mim, escuro, trabalho, eu só não entendo, mas eu tento.
Ela fala comigo e consigo mesma, murmura, suspira e grita, eu não consigo acompanhar.
- Antes, - ela diz - você controlava as suas emoções, você não deixava o medo tomar conta, você era disciplinada feito o homem, o homem na carruagem que esconde suas emoções e se defende atrás de esfinges e rasga o tecido dos seus sonhos e
Você quer o fim do conflito. Você quer tempos de paz. Mas você, meu amor, você é caos. Você usa o caos e a confusão. Você é o entrave. O que você quer?
- Eu quero... Eu quero ser feliz.
- Não... Você não quer. Você tem medo de ser feliz. Sempre teve. - e então, ela começa a gritar, me assustando e fazendo meus pelos ficarem arrepiados - PARE DE LUTAR, PARE DE LUTAR. Você precisa esperar. E refletir. Existe amor, mas não agora, não. Não agora. Agora, você precisa entender quem você é.
E você, você sabe a resposta, minha querida. Pense. Isso, pense. E ouça.
Você está feliz?
Pra onde, agora?
Você sabe. Ouça.
Fico em silêncio, eu me sinto mal. O calor da chama me causa desconforto, a luz me dá dor de cabeça. Ela volta a sussurrar e a gritar e eu me sinto cada vez pior.
- Muitas preocupações, muito muito medo. Tão pessimista, você não é feliz ou você não quer ser feliz? NÃO. AGORA NÃO. Depois, quando passar, depois. Quando o sol se por. Eu sei, você não quer machucar ninguém. E não quer perder.
- Donzela, eu não entendo. Eu não fiz nada... Eu só não sei o que fazer.
- Oh. - ela pausa, por um instante, suspira. Quase parece que ela está exausta - Não minta.
Tem muita tristeza a caminho. Hurricane, thunderstorm.
Você conseguia controlar, por que não consegue mais?
Você precisa acordar. Essas coisas, essa mágica que você conjura, ela cobra um preço, um sacrifício.
você sabe disso.
Mas já aconteceu antes. Tem que acontecer de novo.
E, de novo, aquele tom. Como se eu fosse destruir tudo.
- Por que? - eu questiono, mesmo sem entender - O que tem que acontecer de novo? Por que? O que eu faço pra não acontecer de novo?
- Você fica.
- Onde? Onde eu fico?
- Você só fica. E espera. As coisas. A vida. Está tudo aqui. Se você olhar com atenção, vai ver.
E ela coloca uma das mãos na frente da chama, diminuindo a intensidade da luz.
Eu consigo ver, agora.
Ou acho que consigo, dessa vez.
Espero.